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quinta-feira, 13 de outubro de 2016

O usuário de drogas e a polêmica redação do artigo 28 da lei de drogas

Este material foi publicado em O Dia/Campos, nº189






R2   -  O usuário de drogas e a polêmica redação do artigo 28 da lei de drogas

            
Ryldson Martins Ferreira 

Defensor Público de Alagoas, Professor Universitário, Mestre em Direitos Fundamentais pela UFAL


A partir da alteração promovida pela lei 12 403/2011, todos os flagrantes em que os conduzidos não possuírem advogados deverão ser comunicados à Defensoria Pública. Dentre os inúmeros casos que são comunicados, observa-se a presença marcante de pessoas presas pela suposta prática do crime de Tráfico de Drogas.
           
Numa análise preliminar e perfunctória, pode-se dizer que, em alguns casos, o usuário é considerado traficante. Resta saber o que tem motivado esse incorreto enquadramento.
            A lei de drogas, hoje em vigor (Lei 11.343), foi instituída em 23 de agosto de 2006, revogando e substituindo a vetusta lei 6368/76, bem como, a lei 10 409/02.
            Logo que foi aprovada, a redação do seu artigo 28 foi objeto de discussão. Referido dispositivo legal passou a definir a conduta daquele que tem a posse de drogas para consumo pessoal, cominando uma sanção penal diversa da anteriormente prevista e incomum aos olhos dos juristas. Dentre as diversas opiniões, para uns a nova lei teria promovido a despenalização, para outros, a descriminalização. Por fim, sustentaram que se tratava de uma infração penal sui generis. Ao enfrentar a questão, o Supremo Tribunal Federal posicionou-se no sentido de que teria ocorrido a despenalização, é dizer, a conduta de posse para uso, prevista no indigitado artigo 28 da lei de drogas, continuava sendo considerada crime. Tal decisão foi adotada no Recurso Extraordinário nº 430105, publicado em 27 de abril de 2007, conforme consta do Informativo 456.
            Atualmente há outra polêmica em relação ao artigo 28 da lei de drogas. A questão, agora suscitada nos autos do Recurso Extraordinário 635.659/SP, infirma a constitucionalidade do indigitado dispositivo. De acordo com os argumentos apresentados pelo recorrente, o Defensor Público Geral do Estado de São Paulo, a infração prevista no artigo 28 da lei de drogas ofende o princípio da intimidade e vida privada, direitos explicitamente previstos no art. 5º X da Constituição Federal e, consequentemente, o princípio da lesividade, valor basilar do Direito Penal. O Recurso Extraordinário ainda não foi julgado mas, certamente, a decisão adotada pela Suprema Corte está sendo ansiosamente aguardada pois, a depender dela, a posse para uso poderá deixar de ser considerada crime.
           
Ainda em relação ao artigo 28 da lei de drogas, faz-se necessário observar que, em seu §2º, a lei elenca uma série de requisitos que deverão ser levados em consideração pelo Juiz na hora de avaliar se a droga apreendida se destinava ao consumo pessoal ou não. No dia a dia dos Defensores Públicos vários abusos nesse sentido têm sido identificados.
            Apesar da lei de drogas fazer referência ao Juiz como autoridade responsável pelo correto enquadramento, sabe-se que a autoridade policial é a responsável pela primeira abordagem e apreensão da droga. Sendo assim, caberá à autoridade policial, nessa oportunidade, definir qual seria a destinação daquela substância. O que se tem constatado é que, em grande parte dos casos, as pessoas abordadas na periferia com drogas em seu poder são consideradas traficantes e não usuários.
            Assim, quando da análise dos flagrantes que lhe são comunicados, por força de determinação legal, a Defensoria tem identificado tais excessos, que causam imensur
ável prejuízo aos assistidos e também ao Estado.
            Muitos desses casos resultam em uma denúncia do Ministério Público e, por conseguinte, demandam a instauração de uma ação penal. Durante a ação penal, sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, é que se consegue identificar que houve abuso ou excesso da autoridade policial, resultando em uma desclassificação da conduta, procedendo-se ao correto enquadramento legal. Mas, até que isso aconteça, o cidadão, apenas usuário, permaneceu preso ou, ainda que isso não aconteça, aguardou, de forma desgastante e com bastante apreensão, o deslinde do processo. Sem embargo, o fato de figurar como réu em uma ação penal, acusado pela prática de um crime de tráfico é, por si só, um estigma.
            É necessário que sejam adotadas medidas mais eficientes na repressão e punição do usuário. A imposição das sanções penais previstas em lei, por si só, não tem sido suficiente para prevenir o consumo, intimidando os potenciais usuários, muito menos para recuperar os viciados. Enquanto nada disso é feito, milhões de jovens, sobretudo adolescentes e crianças, estão enveredando pelo caminho das drogas, destruindo famílias e alimentando um mercado que gera lucro para os traficantes e prejuízo para o Estado e para a sociedade.

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