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quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Uma homenagem a Aloísio Costa Melo (I)





Aloísio é nosso primo e sempre foi considerado como tio. Amigo íntimo e compadre do meu pai, deu-me a honra de sua amizade e, sem dúvida, ele é um dos meus mortos. Chegou a hora de prestar uma pequena homenagem  e Campus entra na estrada, pega o bonde com a ajuda de uma pessoa queridíssima por mim: a prima Professora Dra. Maria Heloisa Melo de Moraes, neta do Tio Pedrinho; o tio, nas caladas do Mercado Público da Capela ensinou a arte de escrever folheto de feira a meu pai e papai me ensinou. Sou neto de folheto do Tio Pedrinho.

Quero deixar meu beijo para o Mário, Leninha e Loli.
Aloísio e Helena: um grande abraço do Sávio




E tomo de empréstimo as palavras de Leyla Perrone-Moisés, em seu livro Inútil Poesia, quando a autora afirma que a qualidade de uma obra de arte – qualquer arte – e sua permanência só podem ser comprovadas por “um único juiz em questão de valor estético: o tempo”. E este tem comprovado a qualidade dos textos de Aloisio Costa Melo, esse escritor que, por um feliz acaso, por imenso favor do destino, também é meu pai. Maria Heloisa Melo de Moraes

I - ALOISIO COSTA MELO: dados biográficos

Maria Heloisa Melo de Moraes



Aloísio Costa Melo nasceu em Flexeiras (Capela), em Alagoas, em 01 de novembro de 1919, filho de Pedro Amâncio de Melo e Maria Amélia da Costa.
Viveu sua infância em Gameleira, até os 15 anos, quando veio para Maceió, a fim de estudar no Liceu Alagoano. Teve de abandonar os estudos por falta de recursos, e foi trabalhar como comerciário.
Foi sócio fundador do Grêmio Literário Emílio de Maia, e teve trabalhos publicados em vários periódicos do Estado. Era também membro da Associação Alagoana de Imprensa.
Pertencia à Academia de Letras dos Funcionários do Banco do Brasil, à Academia Alagoana de Letras e ao Insituto Histórico e Geográfico de Alagoas.
Segue abaixo uma síntese cronológica dos principais fatos de sua vida.


29/09/1942 – Aprovado em concurso, assume nesta data como funcionário do Banco do Brasil, iniciando sua carreira na cidade de Penedo (AL), de onde saiu em maio de 1945.
1945/1952 – Em 1945 transfere-se para a agência do Banco do Brasil de Palmeira dos Índios.
Casa-se em 1946 com Helena Lobo Barreto, com quem teve 3 filhos. Em meados de 1952 é indicado para instalar uma nova agência do Banco do Brasil, na cidade de Santana do Ipanema, no sertão alagoano, para onde se muda com a família em 1953.
1953/1955 – Em 08 de fevereiro de 1953 inaugura a nova agência do Banco do Brasil em Santana do Ipanema, atuando como gerente até o início do ano de 1955, quando se transfere para Maceió, passando a residir no bairro do Farol, na rua Desembargador Amorim Lima.
1955/1956 – Permanece em Maceió, trabalhando na antiga agência do Banco do Brasil localizada em Jaraguá.
1957/1959 – Em 1957 transfere-se para o Rio de Janeiro. Em dezembro deste ano toma posse de suas funções na secretaria da Direção Geral do Banco do Brasil, naquela cidade.
Não se adaptou bem ao Rio de Janeiro em termos de saúde. Nesses anos que antecederam a inauguração da nova capital do país, o Banco do Brasil estava recrutando funcionários para trabalharem na nova capital, Brasília, oferecendo para isso algumas vantagens funcionais. Mas Aloisio faz opção por voltar para Alagoas. E em dezembro de 1959 volta a morar em Maceió, de onde não mais se mudaria.
1960/1998 - Em maio de 1970, com a inauguração da nova agência do Banco do Brasil na Rua do Livramento, assume a chefia da Carteira Agrícola e Industrial.
Em 1974 é convidado por José Cabral Accioly, ex-funcionário do Banco do Brasil, para assumir a diretoria da Carteira de Desenvolvimento do então PRODUBAN, no governo do Dr. Afrânio Lages.
Em julho de 1974 aposenta-se do Banco do Brasil, para assumir o cargo para o qual havia sido convidado. Permanece no PRODUBAN por 1 ano.
Nos anos seguintes, atua como assessor da diretoria financeira da CEAL, novamente ao lado de José Cabral Accioly.
Foi também diretor financeiro de empresa particular por dois anos, trabalhando com o empresário Benício Monte. Decide, então, encerrar definitivamente a sua vida funcional, passando então a dedicar mais tempo às suas atividades literárias e às viagens, sua grande paixão. Dessas viagens resultaram alguns livros – diários de viagens – que nunca foram publicados.
Morre em Maceió em 17 de junho de 1998, poucos meses antes de completar 79 anos.



ATIVIDADES LITERÁRIAS

Enquanto funcionário do Banco do Brasil teve trabalhos publicados em vários periódicos de Alagoas. Era, então, membro da Associação Alagoana de Imprensa. Só em 1992 resolve publicar em livro seus trabalhos, guardados ao longo de sua carreira de bancário. É nesse ano que publica Se não me falha a memória, livro autobiográfico, no qual narra sua vida, da infância até a fase anterior a sua entrada no Banco do Brasil. A boa receptividade desta obra o motivou para publicar, em 1995, um livro de contos: Cotidiano, seguido, em 1997, por Destino, também de contos. Em 1995 é empossado na Academia de Letras dos Funcionários do Banco do Brasil, no Rio de Janeiro, e em 1997 toma posse na Cadeira nº 2 da Academia Alagoana de Letras. Era também membro do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas, onde ingressou em 1994. Em 1998, poucos meses antes de sua morte, lança a segunda parte de suas memórias – Do tempo e do viver. Deixou ainda um livro pronto, que foi publicado postumamente, em 1999. Trata-se do romance Gameleira.
Uma cronologia de suas obras:
1992 – Publica a primeira parte de suas memórias, o livro SE NÃO ME FALHA A MEMÓRIA, pela Sergasa (Maceió- AL), no qual narra sua vida, da infância até a fase anterior a sua entrada no Banco do Brasil.
1995 – Publica o livro de contos COTIDIANO (HD Livros –Curitiba/Maceió).
1997 – Lança um novo livro de contos: DESTINO, também pela HD Livros.
1998 – É publicado o livro DO TEMPO E DO VIVER, a segunda parte de suas memórias (HD Livros).
1999 – É lançado postumamente o romance GAMELEIRA (HD Livros).

II - MEMÓRIA E LEMBRANÇA

Luiz Sávio de Almeida

Alagoas sempre teve memorialistas, entendidos, no caso, como pessoas que registram e comunicam suas lembranças. Aqui e ali aparece um escrito em forma de pequeno artigo de jornal, em forma de livro e surgem, também, isto e aquilo. Sei que se trata de um lugar comum, mas todos temos o que repartir e, quem sabe, todos deveriam ser entendidos como autores inéditos e poços de lembranças; todos nós escrevemos, mas nem todos publicamos; há uma escrita permanente de cada vida e se fecharmos os olhos veremos, com facilidade, que o passado se faz presente pela arquitetura da linguagem, uma das grandes condições viabilizadoras das tais lembranças.

A vida é uma escrita que se funda na experiência de ser, naquilo que ocorre enquanto singularidade no meio do coletivo que é o tempo partilhado. E quanto mais a lembrança percorre a experiência no coletivo, tanto mais enuncia sobre a vida da sociedade, fazendo uma espécie de sociografia em que o sujeito que a realiza reelabora sentidos e significações, rumos e acontecimentos. Por este viés, é fácil perceber o memorialista como aquele que dá um depoimento sobre sua vida sem poder, por qualquer forma, desconhecer-se no mundo. Por aí se pode aprofundar uma série de elementos encravados na elaboração das memórias, indo da evocação ou da recordação à escrita, em um caminho em que tudo se reelabora na lógica de uma construção, de uma narrativa que pretende uma qualificação e uma determinação sobre aquilo que foi vivido e que se transforma no enunciado de uma verdade a ser revelada para o público, numa saída para uma espécie de ágora onde o que foi é refeito naquilo sobre o que se fala. A imagem do ágora dá o senso de um espaço elaborado pela recriação, onde é socializado um modo de se ver em inúmeras fragmentações e reconstituições, dando ao texto o senso de um depoimento que virtualiza, mas que indica sobre o real, aquilo que sustenta e motiva a memória e para o qual ela se destina.

Todos estão aptos a estar na ágora, mas poucos se representam na forma escrita, pois há uma decisão preliminar a ser tomada e uma condição inicial habilitante. A decisão é simples: entender que há algo a ser comunicado. A condição é igualmente simples: escrever, especialmente nesta nossa sociedade que bem poderia ser entendida como gráfica. O que vai ser dito sofre, então, uma limitação: deve conter aquilo que poderá ir a público e aí estaremos na ordem da conveniência. No entanto, sofre uma ampliação: pode ser criado. É interessante como a ficção pode coincidir com a verdade ou, na ausência de melhor verbo, verdadear-se. A memória, neste senso, é uma área nas fronteiras da história e da literatura e não se vê obrigada a seguir a lógica das duas. E se é uma área nas fronteiras é também, obrigatoriamente, um determinado território onde todos habitam e poucos demonstram, por via do memorialismo, que vivem.

Uma recordação pessoal

Aloísio é meu primo, filho do Tio Pedrinho. Ele é dos Melo na banda que me cabe. Mas ele vai bem mais além do que isto: ele fazia parte dos raríssimos amigos de família que tivemos. Amigo de família é aquela gente da casa a quem se pode recorrer e a quem a porta se abre a qualquer minuto, sem a menor pergunta ou muxoxo.

Raríssimo o sábado pela manhã em que ele não chegasse para um papo, mesmo que fosse de tempinho; sentava, conversava, tomava uma xícara de café e saía, especialmente depois do falecimento da Helena, sua esposa que era dos lados do Penedo no Rio de São Francisco, uma mulher educadíssima e macia. Conservo o retrato de casamento deles, com o devido oferecimento a papai e a mamãe. Acho que papai era padrinho da Leninha, a magnífica prima que tenho. Além de primos, papai e Aloísio eram parentes por conta do Banco do Brasil, eles eram Satélite, endereço telegráfico do Banco e que se personalizou entre os funcionários. Meu pai, sisudo por natureza, mudava de cara quando conversava com Aloísio: perdia a posição de quem sempre estava em guarda.

Eu devo confessar que tinha uma imensa inveja do Aloísio, fui imitar e me dei mal. Eu aprendi a ter inveja dele certa feita em que o visitei no Rio de Janeiro, no seu apartamento em Botafogo. Ele era um hábil marceneiro. Então, tempos depois e já casado, comprei serra, o diabo a quatro e fiz o meu primeiro nada e além disso, um nada troncho. Chamei o Aloísio; ele delicadamente sorriu e entendi que jamais chegaria aos pés do mestre, o homem que fez um armário e o conservava na garagem de sua casa como se fosse um troféu. Haja inveja. Uma outra coisa que imitei do Aloísio foi anotar e guardar papel. Ele organizado e eu sempre perdido aqui e ali.

Mas, pois bem, etc. e tal, como dizia outro primo, vai que num dos sábados pela manhã, Aloísio chegou acompanhado de um monte de papel. E disse: “Luiz Sávio, leia isso aí e me diz o que achou!”. Bom, parente mesmo que me preza e tem ascendência sobre mim, somente me chama de Luiz Sávio, pois dá um tom solene que nem Luiz e nem Sávio conseguem dar. Baita responsabilidade... Misericórdia... Teria de sorrir igual a ele, quando viu o meu armário? Mas que nada, sai da minha frente que eu quero passar...

Era de primeira e eu disse a ele. Realmente, para entender mesmo o livro do Aloísio era preciso saber das entrelinhas, das histórias cochichadas nos bancos de pelar porco, muitas e muitas histórias de nossa família com sua rica tradição nos mundos da Atalaia, Capela, Cajueiro, Santa Efigênia, Pitimuju, Monte Verde, etc e tal, no meio de bibocas, locas. Nós somos gentes do Paraíba e do Paraibinha. Gente vinda da cana plantada naqueles ondulados das pequenas serras, como a da Lagartixa e do Sobrado, onde morava um urubu cangueiro e guardião do tesouro de uma donzela, terras que desejo simbolizar na coalhada do Pacaviral onde vivia o primo Agnelo e que já se foi desta para melhor, coalhada transformada em versos por outro primo a quem eu adorava e com quem andava rua abaixo e rua acima na Capela: Natalício de Almeida, também defunto, mas imortalizado nas excelências de uma coalhada gorda e de nata amarelada, feita com o leite das vacas maravilhosas do Pacaviral, acima do João Paulo, no conforme de uma reta tirada do Pitimiju, por onde se passa quase raspando no Monte Verde do meu bisavô José Francisco de Almeida. Foi ali no confronto do Pitimiju, na lugar do Riachão do Cipó, que foi enterrado o meu tataravô Coronel Antônio de Almeida Braga, homem que por sua história encantada foi responsável por tudo o que escrevo e faço. É mais de banda, um pouco mais do que pouco menos, que tá o Mumbaça, por onde acho que chegam a bater os costados do Aloísio.

Como deve ser notado, estive reforçando o mundo rural de nosso universo familiar e há, neste caminho, uma construção de um mundo de origem, rompido por Aloísio e por papai. Aliás, é interessante como raiz é um fenômeno recorrente. Certo sábado, chega o Aloísio rindo: “Luiz Sávio, o Oséas Cardoso tá com raiva da gente!” E me deu um recorte do Jornal de Alagoas. Eu li e ri um bocado. A raiz bateu no Oseas em Brasília. Aloísio deu a entender que Oséas tinha praticado um malfeito na Capela. Oséas revidou: o malfeito era de José de Almeida, irmão de Manoel de Almeida, pai de Sávio de Almeida que escreveu o prefácio e que é primo do autor.

Parece que o Aloísio era afilhado do pai do Oséas. Depois que deu a linhagem do malfeito, Oséas falou de cima: é assim que se escreve a história verdadeira, falhou a memória do Aloísio; fechou o caso e não deixou qualquer etc. e tal.

Para entender de fato o texto do Aloísio (o que coloca a possibilidade de a memória falhar) é preciso ter lido os textos de Tio Pedrinho, belo autor de folhetos de feira; Tio Pedrinho ensinou papai a fazer folheto lá no Mercado de Capela, onde tinha um compartimento e meu pai me ensinou. Pois bem, em termos de folheto de feira, eu sou a segunda geração do Mestre Tio Pedrinho. Por via de Tio Pedrinho e do seu livro, a gente entende a antropofagia do açúcar. Tio Pedrinho foi arrancado e morto pelo açúcar e isto é que vai dar o rumo urbano do Aloísio, a sua inserção urbana a fazer-se pelos serviços. Foi a expulsão do universo do açúcar que fez meu pai urbano, pelos percalços vividos pelo meu avô Seu Manezinho, banguezeiro que foi à falência.

E aí as histórias dos dois primos se encontram: a briga por se fazerem, para vencerem na vida sendo urbanos como tiveram condições de ser. Os textos do Tio Pedrinho, Aloísio e papai formam uma unidade e ajudam a discutir a sociedade do açúcar na mata, a natureza de sua rigidez, dos seus motivos de prestígio, da sua ligação intrínseca com o agrarismo que ajudou a plasmar a e a definir. Por outro lado, insinuam os tempos da formação de uma classe média associada aos serviços, a desformatação do universo de valores rurais, o nascimento de novos atores, enquanto a sociedade rural continuava lacrada, fechada, com o agrarismo permitindo brechas urbanas, mas trancando-se no universo rural.

Aloísio e Manoel de Almeida demonstram que os expulsos do açúcar não voltam a ele: matado, morto está sem qualquer etc. e tal; ou ficam na sarjeta rural da sucarocracia, como ficaram Vô Manezinho e Tio Pedrinho, ou procuram um mundo diferente, como fizeram Aloísio e Manoel, ou não têm chance. Os dois voltaram a mexer com o açúcar, por vias dos serviços que nada têm de sucarocráticos, mas de uma certa ordem de vassalagem dentro da capacidade de endividamento que os açúcares inventam. Um homem do açúcar falido deve ser uma verdadeira tragédia. O Anjo da Guarda deve ser muito solicitado.

Aloísio e papai se urbanizaram e carregaram os filhos por este caminho, mas não nos tiraram a recorrência das raízes, de tal modo que estou sentado num banco de pelar porco, transformando minhas poucas páginas neste livro numa bela varanda do Pacaviral, onde versos de coalhada e café torrado em casa fazem a chuva pesada não ser mais do que pingos. É que mexer com Aloísio foi viver recordação do quanto temos em comum, nas viradas das curvas das estradas, nas histórias maravilhosas das misturas dos Melos com os Almeidas. É por aí que se entende como primos são um tempo; ele é primo do meu pai em primeiro grau e meu primo em segundo grau.

É nesta história de primos que surge uma categoria de primeira, e por mais bisonho que possa parecer a ouvidos pós-modernos (orelhas biônicas) eu quero chegar na exata linguagem de meu pai: Aloísio era um homem de bem, de vergonha na cara e assim foi e assim viveu. E assim escreveu. Lembro o que a Myrian dizia nas manhãs do sábado: “Vou fazer seu cafezinho, seu Aloísio!!”. O resto é etc. e tal, como dizia primo recordado, resumindo uma história imensa. Engraçado é que ele sempre dizia etc. e tal rindo, por mais triste que fosse o resto, aquilo que ficava por dizer. Acho fantástico o tal depois do etc. Devia ser uma regra clássica do português.

Quero dizer à Lole, ao Mário e à Leninha que escrevo estas mal traçadas linhas em nome de papai e da mamãe. Juntando tanta gente que se foi, o mais das letras é um salpico de saudades e um abraço no mistério de sermos um tempo do que foram nossos pais. E que pais tivemos! Assim, primos, louvemos Aloísio e Helena, Manoel e Maria José, gente simples e supimpa que foi moradora nesta terra.

Etc. e Tal, maio de 2012.

Luiz Sávio de Almeida





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