Um
pequeno bilhete sobre o quebra de 1912
Durante o mês de novembro,
Contexto procurará abordar questões relativas ao mundo afrobrasileiro. Hoje,
traz material produzido por um Mestre em Sociologia, retirado de sua
dissertação, e que fala sobre o Quebra de 1912, acontecimento fundamental para
a história cultural e política do negro alagoano cujo tratamento, como já
discutimos, merece extremo cuidado para não reduzir a história negra aos
momentos da história branca, devendo ser levado em conta, também, que a fonte para os episódios do Quebra
propriamente dito é única e oposicionista: Jornal de Alagoas.
Luiz Savio de Almeida
Momentos pessoais
quanto ao Quebra
O trato do Quebra introduziu a
figura mítica e mística da Tia Marcelina, deixando-a como emblema das
perseguições sofridas pelos cultos em Alagoas. De fato, Tia Marcelina é
“recuperada” na década de 60 do século
passado, em processo de afirmação dos cultos em parceria com setores
intelectuais da classe média, carreado pela Federação dos Cultos
Afro-Brasileiros de Alagoas e que gerou o I Semana dos Culto Afro-Brasileiros,
realizada no Teatro Deodoro, contando na coordenação com babalorixás como Luiz
Marinho (falecido, Nagô), Celestino (falecido, Ijexá), Joca (falecido,
trabalhava pelas canhotas, Quimbanda) e o Coronel Belarmino (falecido, filho de
santo), Edinho (falecido, Nagô). Com eles tomei
muito xequeté nas saídas de Yaô.
Tenho a grande honra de ter sido,
junto com o Bráulio Leite Júnior, membro do grupo que fez a Semana, o
anti-quebra no Teatro Deodoro, com os zingomes batendo sem parar desde as seis
da tarde e com os terreiros da capital e do interior, assumindo o palco da casa
que era da cultura da elite de Alagoas. Nunca vi tanta gente no Teatro Deodoro e aqui
e ali o santo irradiava: dá para se imaginar o quase surreal das cenas. Eu
acredito que umas 20 mil pessoas andaram pelo Teatro, que estava encantado pela
maestria criativa de Bráulio Leite Júnior ao transformá-lo em um imenso
terreiro, com sua entrada sendo peji e congá, com a Umbanda, o traçado e o Nagô
dominando o cenário por ele belissimamente montado.
Dentro da macumba, havia
partidarização. Os não convidados (havia disputa pelo comando da Federação)
metiam o pau, dizendo que nunca viram orixá artista para descer o santo em
Teatro e que nenhum era cantor de rádio para estar com microfone. Sei apenas
que o universo dos terreiros foi mobilizado. Tudo derivou de uma conversa
comigo: éramos Marinho, Celestino e mais outro que não lembro.
Diziam que os terreiros estavam
sendo perseguidos pela polícia e até falavam em cobrança de um dinheirinho. Precisávamos de um grande evento, capaz de
escancarar os terreiros. A festa de Iemanjá não bastava. Seria certo, errado? O
fato é que dei a idéia da Semana e toparam na hora. Saí e fui direto falar com
o Bráulio – amizade íntima e de imenso carinho – e ainda hoje é um cara
destemido. Na hora! Seu talento deu vida à macumba no Teatro. E viva o Bráulio
Leite Júnior! Nossa, houve pressão! O que era aquela doidice no Teatro? Recebi
recados. Mas tudo entrava por um orixá e saía pelo outro. Bráulio foi um
companheiro brilhante; eu sabia que jamais ficaria sozinho. Quem morreu de
trabalhar foi o Marcelo Texeira, pessoa fundamental nisto tudo, segurando a
logística do que era um empreendimento gigantesco para a época.
Essa nossa história eu vou procurar no meu
diário e publicar.
Disse-me o Klébio que o povo ainda fala disso
nos terreiros de hoje em dia e Dona Maria do Acais que baixa
no terreiro do Manoel do Xoroqué que é babalorixá no Ilê Axé Legioneré do
Xoroqué mandou recado “pro véio Sávio”
sobre o assunto, em nome do “povo da macumba”. Saravá,
que eu vou de banda! .
Um dia, o Joca me disse que o
Zumba havia encontrado uma fotografia da Tia Marcelina. Fui até à casa do Zumba conversar com ele. Estava
criada a imagem de uma Tia Marcelina. Nem discuti; se eles desejavam a Tia Marcelina
daquela forma, daquela forma ela seria. As verdades também são criadas por atos
de fé. E entronizei a Tia Marcelina numa parede, certo de que ela havia
renascido pela inteligência e pelo pincel do Zumba, gente fina, que na época
morava lá pelos lados do antigo Bar das Ostras. A Tia Marcelina estava na
parede em minha casa, a janela entreaberta. Passa um cara e me pergunta: “Era
essa a mulher que parava o trem com a mão?” Fiquei maravilhado, espantado e o
que eu poderia responder? “É ela mesmo:
a Tia Marcelina!”
Vamos ao Quebra.
Luiz Sávio de Almeida
Nenhum comentário:
Postar um comentário