Capela das Alagoas: o maestro e o cinema mudo
Hollywood é algo presente em nossa
vida, como símbolo do cinema que nos bombardeia desde a época do cinema mudo.
Depois passou pelo falado e depois pelo colorido. São três ênfases tecnológicas
em nossa vida. Do cinema mudo, restaram-me algumas coisas contadas por meu pai,
que me transmitiu o culto por Carlitos. Acho que tenho quase tudo que Carlitos
filmou; vez em quando curto alguma
coisa. Lembro das histórias do Cine Ceci na Capela, com o maestro Chico Caetano
tocando piano, valsa nas partes tristes, chorinhos nas alegres.
Chico Caetano era músico de primeira, militar ferido em Canudos
e tocava no Cine Ceci. Conheci muito a Naná, que morava na linha do trem em uma
casinha simpática, aqui em Maceió. Dizem que ela puxava ao pai: alta e magra.
Nana trabalhou muito em teatro e era ligada a Os Dyonísios, grupo do Bráulio
Leite Júnior. Chico Caetano tinha composições e eu somente conheço uma, que
ouvi ser cantada por suas de suas filhas, quando conversávamos em Maceió.
Otávio Cabral estava comigo. A letra era a seguinte:
Mamãe tem, papai tem
Todos têm
A barriga empinada.
Muito se contava de Chico
Caetano. Meu avô Fausto era o bilheteiro do cinema. Ir ao cinema era uma
preparação. Não se ía maloqueiro e nem com a roupa das festas, mas com a roupa
para ir para os cantos, arrumado. Me disse papai que teve cinema engraçado: as
pessoas levavam suas próprias cadeiras, mas não foi o caso de Capela. Era um
salão, cadeiras e a tele; um piano do Chico Caetano. Uma coisa triste, lá vinha
o dolente de uma valsa. Uma valsa dolente é coisa que sumiu. Saudades do Matão é dolente. Acho bonito,
viajo quando a escuto e é uma forma de me lembrar de casa, de uma história que
tive, como se o passado nunca se acabasse e fosse imediatamente uma situação de
agora. Faz pouco, descobri que sou um ser que revive permanentemente. E que as
pequenas coisas são senhoras de mim.
tom mix |
buck jones |
Contam, que Chico Caetano tomou um meio porre e foi ao piano, mais pra lá do que pra cá. Um idílio aparece na tela e a música deveria passar para um vivace, quem sabe um “feroce”, e a cana trazia o Chico Caetano para longe das luzes de Hollywood e espremia contra as pedras do Rio Paraíba. Veio uma embolada:
Chuleia o besouro, Iaiá
Bem chuleadinho, Iôiô
O besouro avoa, Iaiá
E é bonitinho, Iôiô.
A plateia caiu na gargalhada,
mas o Chico Caetano, veterano de guerra, jamais se perturbaria mantendo a
embolada a martelar nas teclas do piano, o besouro avoando sobre o amor da tela. Acho
fantástica esta desconstrução capelense, este ajuste de contas entre os peixes
do Paraíba e as estrelas que depois farão a propaganda de sabonete. As meninas
do Paraíba tomavam banho de cuia ou tibungavam no Poço do Pai Pedro. O beijo e
o besouro chuleado ficaram enlaçados retomando para a Capela, o tempo que
Hollywood parecia roubar-lhe.
Mas não foi somente esta
façanha, que foi atribuída ao Maestro, antes do cinema falado chegar na Capela,
exigindo a atualização do cinema em seu equipamento. Gente da Capela pegava o
trem e vinha ouvir o cinema em Maceió. E isso dava o tom da ligação entre o
trem e a possibilidade das novidades. Ms o Maestro tinha outra que se contava.
Era Semana Santa e em um dos dias foi passada a vida de Cristo. O Maestro
esqueceu dos tempos de trevas, entornou umas cinco e lá vai a cena comovente da
cruz sendo levantada e, com ela, o corpo
de Cristo. Era o encontro do sagrado da tela com o profano do piano. O Maestro não
se conteve e saiu:
Tatu subiu no pau
E na mata ninguém viu!
Isto tudo devia ser mangação,
brincadeira de quem não tinha o que fazer. Não importa, contudo, a verdade, mas o modo como se construía com o humor uma
personagem urbana e, com ela, vinha o anedótico e o jocoso desconstruindo
valores. Sei que do meio do universo do cinema, ficaram na cabeça de meus pais
o Boca Larga, Carlito, Tom Mix, Buck Jones.
Eu gosto do cinema mudo.
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