Matérias esparsas
Esta matéria foi publicada em O Jornal, Maceió, no mês de Dezembro de 2007
Não lembro
quando cheguei; não recordo da primeira vez em que cumprimentei a
cidade.Sei apenas que desci das nuvens em teço-teco, vindo de Pirapora,
Minas Gerais,com meu pai - funcionário do Banco do Brasil –,
transferido para ocupar a função de Contador na Agencia. Desta viagem,
restaram retalhos na minha cabeça, construções fantasiosas às vezes
alimentadas, aqui e ali, por expressões imprecisas que foram ouvidas
durante outras quadras de vida, gerando um universo de memória onde
fantasia e realidade se encontram.
Sei
que chegamos. Pelo que contava meu pai, o melhor hotel era o dos
Viajantes, mas fizeram reserva no Brasil, um sobrado. Dele, lembro muito
pouco. Meu pai falava das péssimas condições de hospedagem, da má
vontade e do lançamento da família em quartos do térreo. No dia
seguinte, o dono do hotel o teria visto no Banco do Brasil e logo tratou
de nos acomodar no primeiro andar. Não sei quanto tempo passamos ali.
Ninguém de hoje, consegue imaginar o que seria uma mudança, naquela
época ainda imprensada pela guerra. A bagagem demoraria a chegar e se
transportava o mínimo possível. Por onde se ia morar, meu pai comprava a
mobília barata, indispensável como a mesa, cadeiras, a petisqueira, a
cama. A minha cama em Penedo era a Patente, mas dormi muito em
cama-de-vento, a melhor dormida que sempre achei.
Pela Internet, sei que a famosa cama Patente foi desenhada em 1915 por
um espanhol;a primeira delas fabricada em Araraquara para a substituição
de camas de ferro em hospital. Toda a madeira na Patente era torneada,
com as partes encaixadas em ganchos, com dois apoios, havendo a
bandeira, o estrado e os pés. Era tão prática, que até menino montava. A
minha era marrom escuro, e ficou na lembrança devidamente guarnecida
pela imagem do Anjo da Guarda, a quem eu tinha que rezar de joelhos e
mãos postas, pedindo a atenção do meu zeloso protetor. Ele era
pendurado por uma fitinha branca, amarrada na grade da bandeira.
A
cama-de-vento era para quando a casa estivesse cheia, mas eu arranjava
forma de dormir nela, devidamente empacotado em pijama de manga
comprida, fizesse ou não calor. A imagem que guardo é de uma cama
dobrável, com dois cavaletes nas pontas, a lona embranquecida brochada
nas laterais para agüentar a pressão do corpo. Era fresco, talvez mais
do que rede e é uma peça notadamente portuguesa, nício da colônia.
Passamos pouco tempo no Hotel Brasil; se não me engano, fomos para o
Hotel dos Viajantese de lá foi alugada casa no Cajueiro Grande, pequena,
com os fundos dando para uma ribanceira, cerca de vara no quintal quase
em frente ao Hospital. Na verdade, Penedo começa para mim no Cajueiro
Grande e estas lembranças assumem em torno de sessenta anos atrás, coisa
do imediato do fim da guerra. A rua era extremamente larga e eu era
proibido de colocar os pés além do meio-fio, por conta dos caminhões
que ainda chegavam quase que a chorar na rampa, na batida que vinha da
subida da praia para o Cajueiro Grande. Era tempo do Mack, venta
cortada, verde, carroceria comprida de madeira, sacos e o mais que se
podia, vindo de longe,passando na balsa e ganhando novo mundo na direção
do norte, a venta enfeitada por uma estatueta que guarnecia sua busca
por destinos.
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