O texto sobre as fotografias está da forma como foi redigido em
campo, logo após ter sido tirada a foto
ou depois, à noite, quando as imagens do dia eram repassadas.
Faz tempo que estas fotos me incomodam, como se eu estivesse forçando a barra da vida, ao guardar uma tragédia em minhas gavetas de memória. Não vou falar sobre a enchente, mas mostrar o que regitrei em Murici, pouco tempo após, numa viagem que fiz com Moreira, amigo de velhos tempos. Era de fazer pensar sobre a vida e sobre as tragédias. Elas surgem, vitimam e vão embora, apesar de não sairem da biografia dos que a viveram, Talvez, o Mundaú nunca tenha visto tanta água de uma vez só. Foi muita destruição, muita gente sem nada, muita gente arrastada, muita vaca morrendo, muita cana arrancada, muitas casas destruídas, muitas vidas alopradas.
Um pouco sobre as gentes
Alguns
viram tudo de cima, escutaram o barulho das águas, a morte anunciada
devagar e no pingo das horas. Este passou uma manha comigo, para cima e
para baixo, falando dos acontecidos. Morava em uma rua que jamais as
águas poderiam alcançar, aslvo nos tempos de Noé.
Este
é o palácio dos flagelados; as poucas roupas estendidas na corda, o
portão, a obrigação coletiva. O que podem esperar? Como se mede o
destino das pessoas? Elas se anulam na frente da tragédia? Que poder extraordinário tem o acaso?
A sorte imprensou este menino que se encontra entre pernas e pacote de alguma coisa. O flagelado come alguma coisa. É uma dieta de coisas. O velhocom o saco é patético, a imagem do interior carregando o que nçao tem para buscar o que nçao pode.
A espera em pé e as sombrinhas quem sabe chinesas fazem realmente diferença. É quando uma sombrinha é
mais do que um guarda-chuva. Aliás, o guarda chuva é também u guarda
sol mas nçao existe esta diferença para sombrinha e a razão é simples:
ela nçao faz sombrinha na chuva. É uma grande tolice pensar nisto, no
meio da evidência do sofrimento.
Na certa cansaram: há uma arquibancada e um espetáculo de sombrinhas ou tudo é a mesma coisa?
E os dois? Estão rindo? O chapéu comprado na feira... Parentes?
Para onde o vento os levou?
O que elas conversam? Do que falam paradas no meio da rua?. O banco está à disposição mas não serve. Então, fica aquela inutilidade verde |
A ordem é marchar |
A ordem é carregar |
A ordem é passar |
O que passa na vida, passa nos escombros? Boa pergunta |
Para onde vão? Quem sabe. Ele sabem ou apenas vão? |
O que teria sobrado? |
Até o Menino Jesus de Praga sofreu |
Como sobreviver sem andar no que fui? |
Quem sem sentava e quem se sentará? As coisas viam inutilidades nas enchentes? Tornam-se amercadorias? |
As marcas que ficaram e o que sobrou
Eu nunca
havia estado cobrindo o que uma enchente. Já vi cheia do São
Francisco, daquelas de se andar de canoa dentro da parte baixa da
cidade. Acordei umas duas a três vezes, com a casa cheia d'água em
Bicas, uma pequena cidade de Minas Gerais, meu pai comigo nos braços,
levando-me para cima de uma mesa. A cama submersa, o medo de cobra; a
limpeza, a tirada da lama, o cuidado com as cadeiras e lá ai por aí...
Um trabalho insano. Eu me lembrei do que passamos, de minha mão e do meu
pai com calça arregaçada, tirando a lama com um rodo. É.
Cansa rebater as águas. As cadeiras estão marcadas pela lama. Pelo menos são de plástico: mais fácil. Água, sabão.
Veja onde a água bateu. Nunca havia atingido a este ponto. Ele virou um marco na geografia da casa, no significado da parede.
O que restou ainda presta? Será? O disco?
Os despojos estão dispostos. A casa foi para a rua. A casa tornou-se pública. Os teréns expostos. A enchente é impudica.
Os resultados escancarados
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