Quarta-feira, 28 de dezembro de 2011
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ESTE FOI O PRIMEIRO ARTIGO PUBLICADO EM ESPAÇO
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FORTES, Cynthia Nunes da Rocha.
As casas-mirante da Ladeira da Catedral: o olhar e a paisagem. O Jornal, Maceió, 14 set. 2008._______________________________________________________________________
Luiz Sávio de Almeida
Iniciamos Espaço com texto de jovem pesquisadora dedicada ao entendimento do processo de urbanização de Maceió e, atualmente, cursando o Mestrado Dinâmicas do Espaço Habitado da Ufal. A abordagem é interessante e pelas modificações acontecidas em determinado processo de construção do espaço.
Trabalho de pesquisadora em forma
ção aborda temática sui generis no conjunto
de estudos elaborados sobre Maceió.
Aliás, a preocupação atual de Cynthia é
com a condição das ladeiras associada ao
desenho urbano de Maceió, à montagem
da área especifica do bairro do Farol.
O
tema da Ladeira da Catedral foi abordado
em seu trabalho de conclusão de curso,
orientado pela Professora Dra. Josemary
Ferrare que fez a gentileza de ler e opinar
sobre este texto que publicamos e
que, também, recebeu nossa orientação
ao ser apresentado à disciplina que ministro
no mestrado mencionado.
O que Cynthia faz
Arquiteta e Urbanista pela Ufal, mestranda do Programa de
Pós-Graduação Dinâmicas do Espaço Habitado - DEHA/Ufal. Participou em
2007 da equipe executora do Inventário do Patrimônio Arquitetônico na
Sede Urbana de Porto de Pedras. Atualmente é integrante do Grupo de
Pesquisa Representações do Lugar (Relu) da Faculdade de Arquitetura
e Urbanismo da Ufal, desenvolvendo projetos de pesquisa para compor um
banco de projetos para o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional - Iphan 17ªSR (Alagoas). Foi finalista regional do 20º Concurso
Nacional de Trabalhos Finais de Graduação em Arquitetura e Urbanismo
Ópera Prima 2008, com o trabalho orientado pela prof.ª Josemary Ferrare e
intitulado O Registro da Memória e o Exercício do Olhar na Ladeira
da Catedral e suas "Casas-mirante", que serviu de base fundamental para
este texto, apresentado à disciplina Formação do Espaço Alagoano,
ministrada pelo Professor Luiz Sávio de Almeida e sob sua orientação.
Cynthia Nunes da Rocha Fortes
Paisagem, sujeito e coletividade
Todos
os sentidos
são fundamentais e cada um cumpre uma determinada função.
Considerando o olhar, Cullen (1983) afirma que a localização do
observador
desempenha papel fundamental na apreensão da paisagem. A partir dessas
observações podemos desvendar a singularidade das paisagens e, em nosso
caso, a
que se refere à Ladeira da Catedral. A sua posição topográfica de
intermediação
entre dois planos produz espaços privados (casas) e públicos (mirantes),
capazes de possibilitarem captação panorâmica da paisagem litorânea.
Fosse no
século XIX, seria lugar privilegiado para ver a que o missionário
Kidder, de passagem por Maceió, considerou como mais bela do que a
visão dos
mares do sul.
É na simultaneidade
de estar ali e de estar além que se pode desfrutar da paisagem. É essa
contemplação que revela a forma típica de ela ser para o sujeito, que, ao
apreendê-la sob o aspecto visual, culturalizando-a, estabelece relações de
posse e reconhecimento. Em função desse processo de culturalização, a paisagem deve, também, ser compreendida a partir das
experiências individuais e coletivas dos seus observadores. Como diz Sandevile
Júnior (2004, p. 2), “[...] o melhor modo de começar o estudo de
uma paisagem [...] está [...] no reconhecimento que a traz para o universo
da cultura e concebe seu sentido dependente de experiências partilhadas”.
A Ladeira
proporciona visão de parte da orla de Maceió e refere-se à estreita relação que
as cidades litorâneas e seus habitantes têm com o mar. Esta relação varia
historicamente. É o que se deu com a área onde se consolidará a idéia urbana de
uma ladeira a chamar-se da Catedral; e neste movimento histórico, o antigo
Farol foi elemento fundamental pela função econômica e pelo fato de ter
nucleado população, dando-lhe unidade. A Ladeira vai se tornar um traço urbano
de ligação entre uma região consolidada e uma área de expansão, o Alto do
Jacutinga, que será posteriormente conhecido como bairro do Farol. A condição
de eixo urbano começa a estruturar-se a
partir dos inícios do século XX.
A Ladeira da Catedral
Todos os sentidos
são fundamentais e cada um cumpre uma determinada função.
Considerando o olhar, Cullen (1983) afirma que a localização do observador
desempenha papel fundamental na apreensão da paisagem. A partir dessas
observações podemos desvendar a singularidade das paisagens e, em nosso caso, a
que se refere à Ladeira da Catedral. A sua posição topográfica de intermediação
entre dois planos produz espaços privados (casas) e públicos (mirantes),
capazes de possibilitarem captação panorâmica da paisagem litorânea. Fosse no
século XIX, seria lugar privilegiado para ver a que o missionário Kidder, de passagem por Maceió, considerou como mais bela do que a visão dos
mares do sul.
É na simultaneidade
de estar ali e de estar além que se pode desfrutar da paisagem. É essa
contemplação que revela a forma típica de ela ser para o sujeito, que, ao
apreendê-la sob o aspecto visual, culturalizando-a, estabelece relações de
posse e reconhecimento. Em função desse processo de culturalização, a paisagem deve, também, ser compreendida a partir das
experiências individuais e coletivas dos seus observadores. Como diz Sandevile
Júnior (2004, p. 2), “[...] o melhor modo de começar o estudo de
uma paisagem [...] está [...] no reconhecimento que a traz para o universo
da cultura e concebe seu sentido dependente de experiências partilhadas”.
A Ladeira
proporciona visão de parte da orla de Maceió e refere-se à estreita relação que
as cidades litorâneas e seus habitantes têm com o mar. Esta relação varia
historicamente. É o que se deu com a área onde se consolidará a idéia urbana de
uma ladeira a chamar-se da Catedral; e neste movimento histórico, o antigo
Farol foi elemento fundamental pela função econômica e pelo fato de ter
nucleado população, dando-lhe unidade. A Ladeira vai se tornar um traço urbano
de ligação entre uma região consolidada e uma área de expansão, o Alto do
Jacutinga, que será posteriormente conhecido como bairro do Farol. A condição
de eixo urbano começa a estruturar-se a
partir dos inícios do século XX.
Sabe-se que
terras no Planalto do Jacutinga pertenceram a Bento Ferreira Guimarães e à sua
esposa, com parte doada ao Governo Imperial em 1834 para construção do farol e
fortificações necessárias à defesa da vila, segundo Lima Júnior em seu livro O
Planalto do Jacutinga, Publicado em 1974.
Possivelmente não ocorria densidade de habitações no planalto e, ainda de
acordo com o autor mencionado, não constavam ruas em relação dos logradouros da cidade datada
de 30 de abril de 1869.
Adentrando o
século XX, o Jacutinga ainda não havia densamente sido povoado na década
inicial do século XX. As primeiras ruas abertas no planalto do Jacutinga .
seguindo Lima Júnior na mesma obra . parecem ter sido a do Arame (Ângelo Neto),
a das Vacas (Comendador Palmeira), a do Seeger (Aristeu de Andrade) e a São Gonçalo
(Oswaldo Sarmento); ele Considerava que a primeira Ladeira foi a do Farol, por dá
acesso a essas ruas. A ocupação da Ladeira que configurou o seu atual perfil
ocorreu basicamente durante o século XX. No anterior, esta ocupação resumia-se
a casebres, às casas dos faroleiros e ao antigo paiol.
A continuidade
do processo de ocupação da área da Ladeira da Catedral levou a que o lado
esquerdo de quem sobe fosse marcado por lotes pequenos e estreitos, enquanto o
oposto, por lotes de grande testada e profundidade.
Através da
análise do perfil atual do espaço edificado na Ladeira observa-se que a
tipologia das casas do lado oposto à encosta corresponde, em sua maioria, a um
pavimento, enquanto as do lado da encosta, com vista para o mar, encontram-se
.soltas. nos lotes. A construção alinhada com a rua, sobre os limites laterais
do lote, coladas com as vizinhas e no fundo do terreno, a presença de quintais
são características do século XVIII e início do século XIX.
Reconhecidamente,de
acordo com Reis Filho (2004) esta forma de implantação vem da tradição
portuguesa, baseada no urbanismo medieval-renascentista. Com efeito, alguns
elementos arquitetônicos nas fachadas de casas no lado oposto à encosta,
construídas ou reformadas no século XX, são tipicamente do Segundo Império,
embora apresentem partido de meia-morada,
compatível com suas fachadas de porta e janela, produto de características de
implantação no lote típica do legado da colonização portuguesa. É o caso do que
era chamado .Vila Gerbásio. e da casa que existiu no lugar do prédio da Associação
dos Servidores da Secretaria Executiva
da Fazenda (ASSEFAZ), antiga residência com entrada lateral e alpendre, características
das habitações do Segundo Império. Outras, apesar de manterem a forma de
implantação, parecem ter tido suas fachadas reformadas para se atualizarem aos
novos tempos, apresentando composições geométricas em um estilo limpo em
adornos.
Dá-se o
contrário com as edificações que se situam do lado da encosta, que são em geral
limpas e/ou muradas, sendo notadamente modernas, o que é comprovado pela implantação
a partir da década de 1950, após o desmoronamento da barreira. Este fato é
exemplificado pela presença de uma das obras de arquitetura moderna do
desenhista José Nobre, de grande atuação e renome na cidade durante as décadas
de 1950 e 1960, de acordo com Silva (1991), Estamos mencionando a antiga
residência de JoséLoyola, datada de 1959.
A CATÁSTROFE DE 1949: um marco temporal para a Ladeira
Grosso modo, poder-se-ia dizer que existe uma Ladeira da Catedral antes e uma depois de 1949, especialmente falando no que toca ao espaço edificado, pois no dia 19 de maio deste mesmo ano, chuvas torrenciais caíram em Alagoas, levando Maceió a viver uma das suas mais marcantes tragédias. Resultado dessa catástrofe foi a transferência do antigo farol para o bairro do Jacintinho, sendo inaugurado em 1951.
Em documento por nós obtido na Capitania dos Portos
de Maceió consta que, após a transferência do Farol, em 1953, o Ministro da
Marinha foi a Maceió encontrar o Governador do Estado para tratar das questões
referentes ao terreno da Marinha onde esteve o farol que, diante da tromba d´agua,
perdeu sua função. Após o encontro ficou decidido que o terreno da Marinha
deveria ser aplanado para a segurança dos moradores e fins urbanísticos.
Os Mirantes e a Ladeira
Os mirantes são um dos tipos de espaço urbano onde se
processa a culturalização da paisagem e se ganha o sentido público.
Notadamente, o São Gonçalo e a Praça Rosalvo Ribeiro foram . durante a segunda
metade do século XIX . lugares da união do sagrado e profano, palco da
tradicional festa de São Gonçalo do Amarante. As modificações acontecidas a economia, cultura e sociedade maceioense mudaram
o sentido dos mirantes e dos usos, pesando para isso, inclusive, a acentuada violência
urbana e a falta de manutenção por parte da administração da cidade. O Mirante
de São Gonçalo é o mais visitado por turistas que mobilizam pequenos
comerciantes informais a se instalarem na Praça Rosalvo Ribeiro. Já o Mirante
da Praça Dom Ranulpho tornou-se ocioso. São poucos os que o utilizam durante o
dia, ficando o local, durante a noite, à mercê da violência.
Contrariamente, conta Dilma Fortes, ex-moradora da
Ladeira na década de 1960, que o Mirante
D. Ranulpho foi um espaço .vivo. onde as crianças costumavam ir brincar, os
adultos apreciarem a paisagem e casais,
namorar. É semelhante ao relato de Salete Santos Campos de Lima, também
ex-moradora, ao afirmar que a praça D. Ranulpho era utilizada pelos estudantes
dos colégios do Farol para namorar: Era, porque os estudantes desciam pra ir ali namorar. Era! Iam namorar...
E ainda quando não tinha muito ladrão, muito cheira cola, muito assaltante, os
carros paravam, ficavam namorando. Era o motel das estrelas (risos). Paravam
ali e o casal de namorados ficava no carro. Hoje quem for ficar, já viu!
Relações entre espaço e a captação da paisagem
Antes da existência do Mirante D. Ranulpho, por servir como espaço público, o antigo Farol foi também local de lazer, quando observar a paisagem fazia parte do cotidiano; e em seguida à sua demolição, o espaço do mirante que surgiu após a tromba d.água de 1949 funcionou da mesma forma que o antigo farol, não deixando de ser um espaço público de captação da paisagem, mesmo que por poucos e de forma esporádica. Entretanto, faltava-lhe o ícone.
Como o lado da
encosta da ladeira propriamente dita somente foi ocupado após 1955, ano da
demolição da base do Farol, as casas do lado contrário tinham, em parte, vista
para o mar, devido à grande barreira em que se encontrava implantado o antigo
farol. A captação da paisagem se fazia a partir das janelas do segundo
pavimento ou então a partir do primeiro, pois ele se encontra em nível superior
ao da Ladeira na maior parte das edificações.
Este perfil da
ladeira foi alterado com a implantação de novas residências no lado da encosta,
quando a barreira foi planada. Ainda assim, as casas do lado oposto à encosta
continuaram tendo vista para o mar. Entretanto, em um outro momento, como algumas
casas do lado da encosta ganharam mais um pavimento, a captação da paisagem foi
comprometida para os moradores das casas do lado oposto à encosta. As casas do
lado da encosta têm a seu favor a forma de implantação “solta”no lote, como recurso
de captação da paisagem, graças ao tamanho dos terrenos, de grande testada, que
geram espaços externos favorecedores de uma apreciação da paisagem sem
obstáculos visuais, somando-se a vantagem de localização na borda do tabuleiro.
O grande número de janelas e a presença de varandas e terraços que compõem as
fachadas que ficam no fundo dos lotes são outros indícios de que os projetos dessas
edificações levaram em consideração a paisagem, que poderia ser potencialmente
captada.
A geomorfologia
característica do sítio permitiu que grande parte dos quintais das casas do
lado oposto à encosta estivesse num patamar mais alto que a casa,
constituindo-se assim pequenas barreiras.
Esta posição foi aproveitada por alguns moradores ou familiares para apreciar a
vista do mar no passado, mas hoje o quintal é pouco utilizado, pois boa parte
se transformou na área de serviço da casa ou, mesmo, eliminou-se a declividade
para a construção de edículas.
Dessas análises
conclui-se que a casa é também lugar privilegiado de culturalização da paisagem
litorânea, tanto no lado da encosta quanto no contrário, sendo a captação da
paisagem nela privatizada. Há, inclusive, uma lógica de aproveitamento e um
andamento histórico em todo este processo. Diz um morador, quando perguntado se
usava o mirante:
Não,
não. Veja aqui, que ao lado da minha casa. Isso aqui tem um mirante. Aí o
mirante da casa tem uma vista melhor do que o dali da praça. Então pra quê!
Então quando eu quero, eu boto uma mesinha, numa noite de lua cheia, fico conversando com
minha esposa. Às vezes se toma um vinho, se toma uma cerveja, come-se um
churrasco.[...] Fica-se namorando olhando pra praia, pro mar.
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