Segunda-feira, 26 de dezembro de 2011
Este texto foi publicado em Espaço, O Jornal, Maceió, Out. 2008
O que Moira faz!
Vive o sono eterno:
morreu. Chegou a Presidente da Província
das Alagoas em 1836; maiores informações sobre sua vida podem ser obtidas em
Abelardo Duarte e José Maria Tenório da Rocha, ambos citados no corpo do artigo.
Moreno Brandão escreveu: “ A biografia
deste repúblico é escassamente conhecida. Dele se sabe apenas que é filho do
Rio Grande do Norte, representou o Ceará como deputado geral, 1ª e 2ª
legislaturas, e faleceu na antiga Província do Rio de Janeiro, a 15 de
fevereiro de 1854, com 78 anos de idade, tendo sido inumado na igreja de Nossa
Senhora da Conceição, em Niterói.”.
A história almanaquista: explicação
senhorial do espaço das Alagoas
Luiz Sávio de Almeida
Luiz Sávio de Almeida
O que Moira falou sobre
Maceió
Esta colocada em uma planície
elevada próxima do litoral, e guarnecida da parte do Norte por uma colina
longa, que se estende de Leste a Oeste; é mesquinha de água potável, seu
terreno árido, e arenoso, fica em uma espécie de península formada pelo Oceano
a Leste; Alagoa do Norte à Oeste, e a Barreta ao Sul; de istmo lhe serve todo o
lado do Norte, e suas entradas são pelos dois extremos da linha da colina pelo
lugar do Poço, e do Bebedouro.
Compreende no seu Município a
Povoação e Arraiais seguintes:
A Povoação, de Jaraguá bem na praia,
defronte do Ancoradouro, aí se acha colocada a Alfândega, o Armazém de depósito
de Madeiras do Estado para a Marinha Nacional; vários trapiches; um Estaleiro;
é a residência do mestre construtor, empregado encarregado da fiscalização
dessas madeiras; do Patrão Mor; é totalmente estéril de água potável, que lhe
vem de fora; fica arredada da Cidade para o Nordeste um quarto de légua; grande
parte do comércio, aí se acha fixado de 1831 para cá [...]
O arraial da Freguesia da Pióca 3
léguas distante para o mesmo rumo de Nordeste próximo do litoral.
O Arraial do Bebedouro, uma légua
para o Norte, abundante de boa água potável, por estar à margem de um córrego
perene, donde se fornece parte da Cidade; é aqui o pouso ordinário dos
tropeiros que conduzem do interior os gêneros de exportação, e consumo da
cidade; que ali se demoram com suas tropas, até voltarem carregados com o
retorno para as Vilas, Povoações, e Arraiais, fazendas, e engenhos do interior,
tem aí um pontilhão sobre o córrego onde
se atravessa porque antes fazia grande atoleiro e tijucal.
O Arraial do Trapiche uma légua
escassa da Cidade para Oeste à margem da Lagoa do Norte interposto das
madeiras, e de todos os produtos do interior que descem embarcados pelas lagoas
e não querem expor-se ao perigo da Barreta; daqui para a Cidade ou para Jaraguá
se conduzem em carros por uma bela estrada; a melhor que na Província e quiçá
em muitas outras.
Cumpre declarar aqui antes de passar
a outro Município, que nestes últimos tempos, se empreendeu um canal de
comunicação da lagoa do Norte até o interior da cidade de Maceió obra de sumo
interesse; e que dá grande impulso ao comércio, e engrandecimento da cidade;
pelo que os habitantes concorreram com uma subscrição voluntária; mas a obra
não se fez como convinha; porque não se obteve do Governo Geral o auxílio
pedido; ao menos de um Engenheiro!! e por isso tem esboroado as terras mal
colocadas; pelo que apenas hoje lá entram canoas na preamar que influi na
lagoa. A esterilidade de Maceió diminuiria muito se todos os que ocupam os
lugares frescos do Cambona próximos da lagoa do Norte, e do Poço, seguissem o
exemplo do Cirurgião Mor Antonio Pereira Cardozo, e do Negociante Graça nas
chácaras que tem, e podem ser normais.
O que Moira falou sobre Marechal Deodoro
Cidade das Alagoas, antiga Capital da Província légua e meia arredada do litoral, situada à margem sul da Lagoa Manguaba, por uma colina acima e na sua planície; falece aqui, não só o comércio, senão a indústria e as artes; é fértil de água potável dos Arroios Sebaúma, e Utinga que lhe correm ao Sul, e a Leste; abunda de jacás, camarões, e siris de [...]; nos meses de Maio, Junho e Julho nem peixe há, por ser vedada por lei Municipal, a pescaria de arrastão em razão da procriação de peixe nesses 3 meses. Há aqui dois Mosteiros Monacais; um de Franciscanos, para onde destacam dois ou três da Bahia; a casa ainda que muito pequena é menos má, tem boa cerca de pedra e cal murada que encosta na lagoa; o templo é asseado; o outro era de Carmelitas, sito lá para o extremo Sul da Cidade; há muito que se acha pro derelicto e sem Frades, e o Templo está em estado de ruínas! Em quanto ali foi a Capital, o governo aproveitavas a casa para hospital militar, depósitos, armazéns e quartel.
A Matriz é boa, e está bem colocada.
As poucas casas de sobrado que há, são antigas, e feitas sem gostos nem cômodos
e pior as térreas. A perspectiva desta cidade é assaz desagradável, e suas ruas
sem ordem, nem simetria; e o terreno mal escolhido; só tem de belo alguns
golpes de vista da Lagoa. É a residência do Juiz de Direito corregedor da
Comarca; tem uma coletoria, uma aula de latim quase deserta; Escolas de
primeiras letras para ambos os sexos. Um Palacete feito em 1836, porque antes
não o havia, o qual ficou inutilizado, com a mudança da capital. Na cadeia, e na casa da câmara será bom não
falar; naquela para não magoar o coração sensível, e nesta por vergonha...!!
Contém em si o Município desta
Cidade a Povoação e Arraiais seguintes:
A Povoação de Taperaguá, próxima e a
Leste da Cidade; bem se lhe podia chamar um bairro dela, separado por três
pontilhões sobre os arroios Utinga,
Sibauma, e o esgoto Maguaba. Tem uma Capela do Sr. Bom Jesus, e alguns
sobradetes frágeis, que alguns fazendeiros, residentes em seus engenhos,
mandaram lá fazer, só para quando concorriam ali a uma suntuosa festa, que se
fazia em outro tempo; hoje porém só resta disso, a triste recordação do
passado.
Nasceu nesta Povoação a Mãe de D.
Marcos Antonio de Souza, finado Bispo do Maranhão que segundo a tradição, dali
fora para a Bahia.
O Arraial do Pilar no extremo Oeste
da Lagoa Manguaba distante da cidade de 3 para 4 léguas; nada tem de notável,
senão ser aí o lugar do embarque dos gêneros produzidos no interior que se
levam para Maceió, ou mesmo para a Cidade das Alagoas em canoas ou barcaças.
O Arraial da Barra de São Miguel o
Suplício de D. Pedro Fernandes Sardinha o 1º Bispo da Bahia, que regressava
para Portugal no ano de 1556 e fez naufrágio nos bancos de denominam Bancos de
D. Rodrigo, que demoram amarados entre a Barra do Rio S. Francisco, e à de
Coruripe [...]
O que Moira falou sobre Penedo
Cidade do Penedo vantajosamente situada à
margem do Rio S. Francisco da parte do Leste, sete léguas acima de sua foz, por
uma colina acima cuja rocha lhe empresta o nome, de cima da qual se descortina
o curso desse grande Rio duas léguas para baixo e outro tanto para cima; tem
bastante comércio, e muito mais teria se a entrada da Barra não esmorecesse os
especuladores. Há muito elegantes casas, e bastantes sobrados de um, e de dois
andares; pela maior parte edificados ao gosto moderno, e cômodos; um hospital
de caridade da invocação de S. Gonçalo Garcia; um belo convento de
Franciscanos; a casa da Câmara e Cadeia são as melhores e toda a Província,
colocadas na eminência, oferecem uma vista embelezadora, não só do rio, e ilhas
que se formam nele, e sua freqüente navegação por chalupas peculiares, se não
para esquadrinhar da Província de Sergipe a Vila Nova, que está defronte e à
margem oeste do rio, assim como o Arraial do Carrapixo de d’onde se extraem e
exportam muito boas pedras de amolar de gran mais ou menos fina.
A casa da Câmara do Penedo está bem
mobiliada, e ornada com riqueza; aí se reverenciam na melhor sala as Efígies do
Sr. D. João 6º D. Pedro 1º, e do Sr. D. Pedro 2º. Faz ângulo com este grande
edifício outro também de sobrado com grande edifício outro também de sobrado
com grande galeria de sacadas de grades de ferro de propriedade da mesma
câmara; que serviu em outro tempo de residência aos Juízes de Fora, e hoje anda
de aluguer. Esta casa, a mobília, e o ornato da outra casa, bem como o
calçamento de toda a cidade, deve-se ao zelo e desvelo do então Juiz de Fora,
Luiz Antonio Barboza de Oliveira natural da Bahia, e hoje Desembargador
aposentado na Relação do Rio de Janeiro. Tem nesta cidade residência o Juiz de
Direito Corregedor da Comarca, uma coletoria, uma mesa de inspeção de algodão,
aulas de latim, de lógica, de francês e duas escolas de primeiras letras para
um e outro sexo, há uma grande feira semanal nos Domingos, à qual concorrem
vivandeiros de toda a parte, para vender e comprar todo o necessário para a
vida, não só do circuito da cidade e da Província, senão da de Sergipe que
transportam pelo rio; ali aparece de tudo que se produz, quer ao perto quer ao
longe, sem excetuar infinidades de sanguessugas produzidas em charcos, e lagoa
que para lá há, e que os especuladores, e traficantes deste gênero exótico, tem
empenhado todos os meios para desacreditar esta descoberta de um hábil
facultativo que por lá andou; mas a verdade vai triunfando da impostura
fraudulenta.
Nota-se nesta cidade uma
singularidade destes nossos tempos; e é que ainda não teve lugar ali a menor
sedição revolta, ou coisa que se aproxime de Anarquia! Os Povos vivem
tranqüilos e pacíficos; obedientes e respeitadores das autoridades, não por
covardia; porque em abono da verdade, são eles por caráter os mais valentes em
lide; mas por índole, e educação desde a sua origem: não é fácil encontrar-se
no Penedo um indivíduo mesmo da plebe que não tenha um ofício liberal
econômico, impropriamente chamado mecânico de que subsista honestamente.
As mulheres são em extremo
recolhidas, e tímidas; trajam com gala e riqueza, porém não se deslumbram com
exageradas modas de especulação estrangeira por cujo ardil nos tem sutilmente
aliviado do peso do ouro com que se ataviavam as nossas belas.
Os oriundos desta cidade, quase no
geral, fornecem bons empregados não só à Província senão para fora dela...
Venha em abono desta asserção o seu Decano o Coronel Francisco Manoel Martins
Ramos sem receio de contradição.
É digna de visitar se neste
município a formidável fazenda da ilha grande dos Frades Beneditinos, à margem
do Rio, entre a cidade e a povoação de Piaçabuçu, é como uma aldeia formada só
domésticos, abunda em tudo que é criação principalmente de gados de todas as
espécies. Condados há no velho mundo que não valem tanto! e ainda mais seria se
andasse melhor administrada.
A famosa geografia de Moira sobre Alagoas
Luiz Sávio de Almeida
A edição e o editor
O texto de Moira é essencial para que se
perceba a construção paulatina de uma escrita sobre Alagoas. Não há assinatura
que se responsabilize por ele: aparece
como de autoria de Hum Brasileiro,
tendo sido publicado no Rio de Janeiro
pela Typ. de Berthe e Haring, que funcionava na rua do Ouvidor, nº 123. No ano
de 1845, ela estava listada no Almanaque Laemmert. O Opúsculo
encontrava-se registrado no acervo da Biblioteca Nacional sob o nº 11.449,
conforme aparece nos Anais de 1881-1882 e havia exemplar na biblioteca do
Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas, que pode ter ingressado no acervo
logo nos começos de vida da instituição. Hum
Brasileiro qualifica seu trabalho de opúsculo, livreto, coisa assim. Ele
vai ser relmente abordado pela primeira vez em Alagoas por Abelardo
Duarte. Moira escreve em um período em
que a idéia da construção de uma história do Brasil ainda não havia delineado um
de seus primeiros clássicos: Varnhagem,
1854.
Moira escreve passados oito anos
da fundação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e do Arquivo
Nacional, quando o Império procurava transmitir-se, fazendo a história nacional, conforme se pode
anotar de Rezink (2008). Aliás, este nacional
explodirá em locais, o que vai ser reforçado, posteriormente, com a criação dos
Institutos provincianos que tenderiam à
busca do local, como se pode depreender a partir de texto de Callari (2008). Em sua abordagem, Duarte
aproveita a oportunidade para realizar um repasse na produção geográfica em
Alagoas e inicia seu trabalho relembrando
que José de Alexandre Passos considerou o Opúsculo como pioneiro e dirá, também, que Dias Cabral não valorizou o conteúdo do
trabalho. Hum Brasileiro foi
identificado, segundo Abelardo Duarte, como Moira: tratava-se de Antônio
Joaquim de Moira. Abelardo Duarte é
taxativo quanto à qualidade do trabalho no que diz respeito à historiografia, e
ressalta que o objetivo de Moira
consistia em dar sua visão sobre a Cabanada.
Duarte não leu o texto, mas assumiu o que havia sido escrito por Dias
Cabral.
Uma introdução e o local
A
dedicatória feita por Hum Brasileiro
impressiona pela forma carinhosa com que se refere, possivelmente, à
filha (suponho) e, também, pela visão objetiva quanto à existência de
um
lugar chamado Alagoas que, na certa, estaria representando qualquer
lugar que
se determinasse para qualquer Clarinha.
Moira sabe de uma especificidade e sobre
ela escreverá numa abordagem em que, de modo descritivo, passará pela
topografia, estrutura física, política e história deste lugar que identifica e,
portanto, individualiza, separa. Não se trata de um elemento a mais no conjunto
do território imperial: há uma província demarcada e para a qual se tem plantada uma história; é ela, que
permite o encontro com o coletivo, por onde se
poderá estar com memória e avós.
É interessante dizer que se identificava com a província, fosse ou não
nascido nela e encontrava para Clarinha
um local a ser consagrado.
É assim que
Moira propõe individualizações; menciona a existência de memória e fala sobre
um tempo avoengo. Em última
análise, está dito que a individualidade
histórica é fundada em um tempo que se encontra com o atributo da memória e de
vidas, gerações que fazem com que o lugar exista. É claro que ele não avança
nestas considerações e nem estamos aproximando o que ele propõe como memória,
ao senso contido em Durkheim e que passa por autores como Halbwacks, conforme
discute Pollack (1989). Possivelmente,
nos simples enunciados de Hum Brasileiro,
na melhor tradição senhorial, a memória carrega a ideologia que define o grupo
e, neste sentido, não se encontram gerações passadas por acaso: há um caminho
que leva a um presente que inexistirá ao serem perdidos os laços de comando.
Estamos em
percurso similar ao realizado por Lindoso. A história teria que ser braço
senhorial e, de certa forma, o Opúsculo
ensaia uma postura que será definida pelos fins do século XIX, quando poderemos
falar de Caroatá e Dias Cabral, matrizes do pensamento alagoano, membros do
Instituto Archeologico e Geographico criado em Alagoas nos finais de 1869 e que
começa a divulgação de sua escrita em 1872.
Nós estamos próximos de uma linha de discussão que passa por Gildo
Marçal Brandão (2007), ao trabalhar o processo histórico relativo a conjuntos e
formas de pensamento sobre o viés político da construção do nacional
brasileiro.
À medida
que atinge a relação entre escrita e ideologia, Lindoso trabalha com a
categoria de classe social nesta ligação entre tempo e história. O
sentido
tomado pela obra de Moira dentro do contexto historiográfico de Alagoas
nunca
foi demarcado em profundidade e nem rastreado; aliás, nunca houve um
trabalho
de fôlego intentando uma visão da historiografia alagoana e de suas
linhas
genéticas, o que seria extremamente fértil e talvez uma urgente tarefa
coletiva. Hum Brasileiro falava em memória, história, continuidade; a
memória era vista, também, como fonte de recordação, um local para onde
se
poderia ir, um corpo de registro, como se o direito de classe estivesse
inerente ao de dizer e argumentar com a história. Neste sentido,
inclusive o
sistema obrigaria a existir, necessariamente, memórias que ficam
subterrâneas.
O termo subterrâneo é tomado de Pollack
que o implica com o construtivismo.
Na verdade, a escrita de Hum
Brasileiro opera, ao mesmo tempo, o evidente e o oculto.
É de se
levar em conta que, a rigor, a criação senhorial sobre a história edifica
mitos, sendo oportuno pensar com Baczko (1985) que a construção mitológica vai
bem mais além do que o acontecimento em termos de importância. No caso deste
tipo de historiografia, tudo é ampliado, categorizado. Isto implica voltarmos
aos paradigmas norteadores da escrita em Alagoas, desenvolvidos por Caroatá e
Dias Cabral, conforme já tratamos, até que haja a possibilidade de o
subterrâneo aflorar, o que vai acontecer com o nascimento dos filhos do
trabalho (2004), representados, grosso modo, simbolicamente, em Pedro Nolasco
Maciel. O subterrâneo estará reagindo,
enquanto um modelo de permanência aparentemente se define. Não fosse assim, a sociedade estaria sem
qualquer contradição, sem qualquer disputa em torno do poder.
A dedicatória sentimental que
Moira realiza, é tão importante quanto o que foi desenvolvido no corpo do
texto. Clarinha para chegar às individualidades de Alagoas tem um
caminho definido: a busca dos troncos e o testemunho de memória que tem de ser
avivada. Por outro lado, Hum Brasileiro determina-se de posse
das informações corretas sobre o universo das Alagoas. Ele que principia seu
texto com um terno oferecimento à Clarinha,
termina com uma firme nota de protesto quanto às incorretas informações sobre
Alagoas, dadas por um livro intitulado Geographia Brasílica.
Moira
debate a interferência da
má informação sobre a juventude e, então, sente a obrigação de dar sua
contribuição refazendo o que era dito sobre Alagoas pelo autor da
Geographia mencionada. A informação
deveria ser a mais correta possível e, nisto, jamais poderia deixar de
manter o
senso senhorial, mesmo que ele estivesse na categoria de imaginário.
Estava fechado o círculo de Hum Brasileiro, indo do doméstico ao
público, com o primeiro simbolizado na Clarinha
e o segundo na Geographia Brasilica.
Informes que repassa
Moira intenta
uma ampla descrição da província, intercalada com pequenas informações de
natureza econômica. Chama a nossa atenção o fato de que, logo após ter dado os
limites, cuide de informes com relação aos portos existentes, classificando-os
a partir das embarcações que poderiam suportar, como brigues, escunas, sumacas,
embarcações a vela. O brigue caracterizava-se por ter dois mastros redondos,
com um inclinado. A sumaca foi o substituto do caravelão de costa, o smak holandês que depois torna-se esmaca
e, então sumaca. Era fundamental, logo de início, falar das disponibilidades de
pontos para o afunilamento da produção e Moira enfatizará a enseada de Jaraguá.
Será um
relato em que pouco pesarão o semi-árido e o sertão: os dois grandes elementos
fisiográficos serão a mata e o litoral, os dois pontos propriamente açucareiros
do território. O termo que utiliza para caracterização de toda a província é pingue. Trata-se de uma imagem para
chamar a atenção para a fertilidade. É daí que, basicamente, somem sertão e semi-árido.
Ele ressalta a mata, a floresta, a indicar riqueza das madeiras provenientes de
árvores frondosas. Por outro lado, a água é posta em evidência pelos cursos e lagoas. É quase como se fosse uma
província descrita com a metade
territorial valendo como o todo. Das lagoas dará peso à de Jequiá, Manguaba e
Mundaú e, dos rios, destacará o São
Francisco. As serras ou serrotas serão também de mata.
Ele vê uma
matriz de produção já assentada, com regiões de produção correspondendo a tipos
de terras, modo de indicar sobre a relação existente da produção com o ambiente. O açúcar será de
terras ditas baixas e frescas; algodão e milho em enxutas e altas. Moira
minimiza a função da pecuária. É uma visão que restringe a matriz de produção,
esvaziando o couro e outros derivados que tinham, efetivamente, peso na pauta
de exportação provincial.
Na
oportunidade, a justiça provincial
estava alocada em cinco comarcas, e nelas distruibuiam-se cerca de três
cidades, doze vilas, sete povoações e dezoito arraiais. Do ponto de vista dos
negócios eclesiásticos existiam 18 freguesias, que tinham correspondência com
cidades e vilas, existindo apenas três soltas: Pioca, Camaragibe e São
Bento. Era deste modo, por consequência, que se encontravam distribuidos
territorialmente os serviços civis e religiosos.
Não se pode
dar absoluta validade aos dados
produzidos por Moira. Ele já se havia afastado de Alagoas e nem havia rigor na
coleta de informações, mas sem dúvida traça um retrato a ser levado em
consideração. Do ponto de vista da formação do complexo urbano no espaço
alagoano, ele é básico. Não importa se as informações estão corretas; importa,
isto sim, que ele enuncia portes e deixa antever as amarrações que vão sendo
construídas a partir dos arraias às cidades, permitindo pensar-se, também, na
qualidade da rede que estava a ser montada e faria o urbano de Alagoas,
passando, inclusive e necessariamente, pelo sertão. Moira demonstra muito bem o
que poderia àquela época ser considerado como Alagoas do Leste e do Oeste, a basicamente
do açúcar e a basicamente do algodão e do gado, embora não avance sobre a
pecuária.
É
importante verificar, também, o modo como a economia é enfocada. Como se
observa amiúde na escrita oficial – e Moira não foge à regra -, a província é
sempre vista em potencial: é a terra onde tudo poderá acontecer, uma eterna
possibilidade, mas, na realidade, àquela época do Opúsculo, a matriz de
produção de Alagoas já estava construída. Moira tem que ser enquadrado na
dinâmica que se procedia, nas definições que iriam sendo feitas e, sobretudo,
no impacto na ordem econômica que a reposição do fluxo de mão-de-obra
representaria. Ele coloca um impasse singelo: escasseava a mão-de-obra escrava
e não podia ser reposta por jornal. Ele entendia que o sistema poderia estar
incorporando a força de trabalho indígena, mas dois motivos principais
impediam: em primeiro lugar, a natureza era pródiga e, portanto, a alimentação
era farta; em segundo lugar, os índios não mais se interessavam pelo jornal, em
face de perda do controle que era exercido pelo sistema por intermédio das
direções. Moira então vai argumentar com
a solução corrente à época, em face da necessidade de colonização: era preciso
colônia, mas ela não poderia ser unicamente exótica. Toma partido, por consequência,
da solução, também, com nacionais.
Ele tece
comentários sobre três pontos sempre demarcados pela historiografia alagoana: o
bispo Sardinha, o quilombo e o cabano. O
bispo é ensaiado na faina da selvageria, sendo comentado brevemente na medida
em que Moira se refere à Barra de São Miguel. Quilombo e Cabanada jamais
poderiam surgir sem estarem atrelados à vida do açúcar, e nem os negros palmarinos e nem os cabanos
poderiam ser vistos como forças políticas.
Chama
atenção o atencioso olhar de Moira para os costumes. Ele passa pela
lenda, pelo
folguedo e pelo Natal. A lenda nos leva à Barra de São Miguel, o
folguedo nos
leva ao Quilombo e, finalmente, o natal às margens do São Francisco, no
arraial
do Piaçabuçu. Não deixa de ser
interessante encontrar estes recortes ao longo de um texto que busca
especificar o que é próprio do local. Uma
leitura atenta de Moira dará noção sobre o modo como se poderia conceber
Alagoas, em diversos setores, praticamente na metade do século XIX.
Aliás, ele
apresentou uma Falla e Relatório à Asssembléia Provincial em 10 de
janeiro de
1836 (2006), quando substituiu a José Joaquim Machado de Oliveira.
Publicou seu Opúsculo cerca de oito anos após esta Fala e, como
seria de esperar, incorpora sua experiência passada na Presidência da
Província, cargo no qual passou pouco tempo.
Não é oportunidade de repassar toda a ciscunstância vivida por Moira,
especialmente com a chamada Guerra dos Cabanos, sobre a qual escreve
algumas
páginas no Opúsculo.
D’Oliveira, seu antecessor na presidência, menciona a guerra dos cabanos onde encontra hordas de salteadores, irracionais, magotes
de salteadores, ferozes canibais... Jamais os cabanos poderiam estar sendo
vistos como sujeitos políticos de um processo cuja tensão havia explodido e levado
à prolongada luta armada. O que parecia extinção, havia trazido, agora, o
perigo de tudo estar sendo reaceso em face dos acontecimentos que se davam em
Pernambuco. O poder fundamentou esta
visão de bandidagem e ela deveria
permanecer no legado da escrita histórica, o que vai ser rompido por Manoel
Correia de Andrade, quase um século depois.
Terminando a encomenda
Uma leitura de Moira levanta
aspectos relevantes sobre um período da história de Alagoas. Ele não pode ser
dimensionado somente pelo que afirma, mas sobretudo por seus pontos de partida,
pelas suas construções, pelos seus silêncios e sugestões. Esperamos que esta
pequena introdução ajude a construir uma boa leitura do documento,
imprescindível para a pesquisa em diversas áreas sobre nosso Estado. Claro que
poderíamos ter abordado uma vasta linha
de aspectos particulares, mas preferimos assumir uma passagem por uma
linha de fronteira, onde estivesse melhor demarcado o compromisso entre texto e
ideologia na abertura de uma ciência do social, a partir dos rumos assumidos
pelo autor dentro do universo do poder.
Referências
ALMEIDA, Luiz Sávio de
(org.). Dois textos alagoanos exemplares.
Maceió: FUNESA, 2004.
BACZKO, Bronislaw. Imaginação social. In: ROMANO,
Ruggiero (org.). Enciclopédia Einaudi. Lisboa: Imprensa Nacional;
Casa da Moeda, 1985. v. 5.
BRANDÃO, Gildo Marçal. Linhagens do pensamento político brasileiro. São Paulo, Editora
Hucitec, 2007.
CALLARI, Cláudia Regina.
Os Institutos Históricos: do
Patronato de D. Pedro II à construção do Tiradentes. Revista Brasileira de
História, São Paulo, v. 21, nº 40, 2001. Disponível: Scielo. Acessado: 02 ag.
2008.
DUARTE, Abelardo. A primeira Geografia alagoana (em torno
de um centenário de sua publicação). Revista do Instituto Histórico e
Geográfico de Alagoas, Maceió, v. 24, nº
46, p. 47-65.
LINDOSO, Dirceu. Interpretação da Província. 2ª ed.
Maceió: EDUFAL, 2005, p. 36.
MOIRA, Antônio Joaquim de. Falla, e Relatório com que abriu a segunda
sessão ordinária da Assembléia Legislativa da Província das Alagoas, o
Presidente da mesma província Antônio Joaquim de Moira em 10 de janeiro de
1836. Maceió: João Simplício da Silva Maia, 1836. In: BARROS, Luiz Nogueira
(Org.). Fallas, Relatórios Provinciais e Mensagens Governamentais de Alagoas:
1835-1930. Volume I Março 1835 – Abril 1853. Maceió: Imprensa Oficial, 2006.
Disponível, também, no site Brazilian
Government Document Digitization Project: http://www.crl.edu/content.asp?l1=4&l2=18&l3=33.
POLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Rio de
Janeiro, Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 2, n. 3,
1989, p. 3-15.
REZINK, Luiz. Qual o
lugar da história local? Disponível em www. historialocal. com. br.
Acessado: 02 agt. 2008.
ROCHA, José Maria Tenório. Moira, o desconhecido autor da primeira história de Alagoas.
Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas, Maceió, v. XLIV, p.
103-108.
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