Segunda-feira, 26 de dezembro de 2011
Este texto foi publicado em Espaço, O Jornal, Maceió, no mês de outubro de 2008
O que faz Luiz Felipe!
Arquiteto e Urbanista formado pela Universidade Federal
de Alagoas, mestrando em Dinâmicas do Espaço Habitado (DEHA), pela mesma
instituição. Desenvolve dissertação
sobre Teorias do Conflito e Pensamento Único no Processo de Planejamento. Também
tem interesse nos seguintes temas: Acessibilidade, História da Arte, da Arquitetura
e da Cidade e Cinema sobre os quais já apresentou trabalhos em congressos
nacionais e internacionais. Dos poucos
livros que leu, gostou da maioria; enquanto dos muitos filmes que assistiu,
gostou da minoria. É fã dos Beatles, mas sempre preferiu o Rolling Stones. Este
texto foi escrito para a disciplina Formação do Espaço Alagoano, ministrada no
Mestrado de Dinâmicas do Espaço Habitado pelo Professor Dr. Luiz Sávio de Almeida.
Umas poucas palavras
Luiz Sávio de Almeida
O texto do Luiz Felipe (jovem
pesquisador em formação) é instigante: o que deve ser o planejamento e como deve
especificar-se como urbano? Estamos
diante de uma pergunta essencial e no rastro de um perfil de timbre pavloviano ao se poder inquirir a
viabilidade de uma engenharia social montada em razão paramétrica, tendo-se a
relação direta entre a existência da
variável e uma conseqüência inexorável: dado x então y. Tendo-se o estímulo
correto, tem-se o resultado correto. Estamos também diante da possibilidade de
uma falsa democratização ou, até mesmo, da utilização de instrumentos ditos abertos
para atingir, pela manipulação, resultados fechados.
O que é planejar uma cidade? E planejar Maceió? Estás são perguntas que
necessariamente ficam em relevo quando lemos o texto de Luiz Felipe e fica, também, uma importante
inquietação: como abrir a caixa chamada estratégia para entender o seu
verdadeiro sentido? Seu texto me foi apresentado na disciplina que ministro e para efeito
de publicação em Espaço, foi lido,
também, pelo Professor Dr. Flávio
Antônio Miranda de Souza.
Bom, vale abrir uma boa interrogação sobre a
questão do planejamento urbano em Alagoas: o que vem sendo, quais as suas
raízes, o que vem propondo e o que se está conseguindo? A sugestão embutida no
texto do autor é que se tome o Plano em
questão como objeto de análise, questionando princípios e operações. Não resta dúvida que o assunto é privilegiado
para um trabalho sobre Maceió. A
hipótese levantada e os comentários que realizamos privilegiam o chamado Plano
Estratégico para matéria de investigação
em trabalhos de pós-graduação, quem sabe em uma boa dissertação de mestrado ou
mesmo - ocorrendo excelente trabalho teórico
-, em tese de doutorado que, criticando os princípios, passe pela prática
e pela significação do chamado Plano na reorganização de Maceió. No fundo tentariam responder a umas três
questões extremamente simples: o que foi isso, como foi isso, a razão de ter
sido e, finalmente, o que é isso e em que resultou... Ta aí uma sugestão.
O Planejamento Estratégico da Cidade
de Maceió: um
convite à pesquisa
Luiz Felipe Leão Maia Brandão
Ainda que trabalhos
clássicos como o de Jacobs (1961) e Berman (1983) tenham apontado debilidades
da abordagem “racionalista” do pensamento moderno sobre as cidades, poucas
rupturas com os paradigmas do urbanismo até então vigentes parecem ter acontecido ao longo dos últimos anos. Para Arantes
(2000), as mudanças resumiram-se à utilização de jargões como “gerenciamento” e
a adoção de uma postura assumidamente empresarial nas administrações
públicas. Dentre as tipologias com essas
características e, surgidas ao longo dos últimos anos, está o planejamento
estratégico.
O planejamento estratégico
tem em suas bases a promoção das cidades como “empresas”, que competem entre si
pelos investimentos do mercado global, utilizando o marketing como uma de suas
principais ferramentas de ação (SÁNCHEZ, 2003). Impulsionadas pelo sucesso comercial,
obtido com o projeto para a cidade de Barcelona na oportunidade em que sediou
os Jogos Olímpicos de 1992, várias firmas espanholas de consultoria começaram a
atuar nesse campo. Em seguida, diversas administrações municipais brasileiras
contrataram direta ou indiretamente esse
tipo de serviço, dentre elas, a de Maceió.
Do interesse de Maceió,
resultou o documento intitulado “Projetos Estruturantes” e que foi elaborado
entre os anos de 1997 e 2003, na gestão da
Prefeita Kátia Born Ribeiro. Por intermédio de uma parceria
público/privada – denominada “Consórcio Plano Estratégico Cidade de Maceió” – foi contratada a firma catalã, GFE. A
assistência prestada pelos espanhóis teve como objetivo definir linhas de
atuação, de modo que a cidade tivesse um maior “[...] aproveitamento das potencialidades existentes para a obtenção de
um desenvolvimento endógeno e sustentável” (Consórcio: 2003).
Seguindo os procedimentos
metodológicos característicos do planejamento estratégico, o documento apontou “eixos
de desenvolvimento” e potenciais áreas de investimento. Os princípios norteadores das ações do
planejamento estratégico são amplamente criticados por autores como Maricato
(2000) e Claver (2003). As críticas residem, sobretudo, na formação de
aparentes consensos em torno das deliberações dos planos, objetivando,
essencialmente, atender aos interesses do capital privado em detrimento das
reais necessidades das parcelas economicamente menos favorecidas da população.
Segundo
Vainer (2000), tais
consensos retiram do conflito entre as classes, seu papel central na
formulação de políticas
públicas. É natural que os choques de interesse dentro do espaço urbano
surjam das relações sociais e das diferentes demandas
dentro da dinâmica da sociedade de classe. Dessa forma, os conflitos têm
um
papel relevante por possibilitarem aos diferentes cidadãos que se
expressem de modo que o território seja organizado e atendendo a todos
de forma mais ampla (CASTRO,
2005).
O caso alagoano não foge
dessa perspectiva de um consenso discutível. Tomando como base relatórios
produzidos anteriormente por diversos órgãos públicos, o Plano aponta o turismo
como “eixo estruturante” para o desenvolvimento da cidade. Para tal, a
revitalização do bairro de Jaraguá e das orlas marítima e lagunar foram apontadas como caminhos para a cidade.
Para os críticos do planejamento
estratégico, termos como requalificação e reestruturação não passam de eufemismos
utilizados para camuflar um processo de gentrificação (SMITH, 2003).
Esta, nesse caso, seria um fenômeno iniciado quando os cidadãos pobres
residentes numa área a ser requalificada são de lá retirados, dando lugar a
pessoas e empreendimentos com grande poder financeiro. Isso se tornaria viável mediante investimentos
do setor público em obras de caráter estrutural no local-alvo das propostas.
Almejar-se-ia, desse modo,
uma realização de capital privado, a partir de investimentos públicos (pois as reformas são
pagas pelo o Estado e o bônus da valorização fica com os agentes do mercado) e,
finalmente, uma homogeneização social do espaço, pela estruturação de áreas
pobres e ricas, aprofundando a moldagem do espaço em função da renda. Requalificando áreas tidas como decadentes,
o poder público acaba, então, fazendo uso do erário para valorizar empreendimentos
particulares e reenviar os pobres para um local de pobreza.
Ainda que o caso da
revitalização do bairro de Jaraguá seja anterior ao Plano Estratégico de Maceió
(teve início no final dos anos de 1990), pode ser entendido como um exemplo de tentativa
de gentrificação de um espaço maceioense. Parte da localidade é, há muitos
anos, ocupada por famílias de pescadores. Quando a prefeitura e o setor privado
começaram a enxergar estes moradores como um obstáculo ao sucesso do
empreendimento, várias foram as propostas surgidas com o objetivo de retirá-los
de lá.
A experiência realizada em
Jaraguá acabou sendo um fracasso, haja vista a falência de grande parte das
empresas ali estabelecidas. Como conseqüência, foi comum observar comerciários
e representantes do setor público nos meios de comunicação, apontando a
violência como a razão para o insucesso financeiro do bairro, então
recém-reformado. Estaria, então, sugerido que a solução para os problemas seria
a remoção das famílias carentes, às quais era atribuída a culpa pelos altos índices de
criminalidade do local.
Esse caso denuncia uma
postura preconceituosa e impositiva daqueles que vêem na requalificação de
localidades, tidas como potenciais fomentadores de oportunidade e negócios, a
solução dos problemas da cidade. Essa atitude tem reflexo na forma como são
conduzidos os processos decisórios nas diversas escalas governamentais. Na
elaboração do documento Projetos Estruturantes, tal dado pode ser bem constatado.
Segundo a Professora Regina
Dulce, representante da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) no Conselho da
Cidade, as decisões tomadas na concepção do plano aconteciam em três diferentes
níveis. Num primeiro patamar, estava uma Diretoria Executiva, responsável pelo
gerenciamento dos trabalhos. Em condição intermediária, a Coordenação Executiva
(da qual a acadêmica fazia parte), que realizava debates sobre o projeto. Por
fim, havia um grupo formado por pessoas notáveis da cidade, escolhidas pela
Diretoria, que iria colaborar com assessorias em suas respectivas áreas de
atuação. Não foi dado o direito de voz, tampouco o de voto, a qualquer
representante de movimentos sociais da cidade
Ainda segundo a
representante da UFAL, houve uma atuação permanente de alguns membros da
Coordenação Executiva no sentido de propor abordagens mais progressistas e uma
maior permeabilidade à participação popular ao longo do processo. Contudo, as
decisões de fato ocorriam apenas dentro da Direção Executiva, que parecia
querer legitimar suas idéias. O conjunto de notáveis reuniu-se poucas vezes e
não participou de forma efetiva das discussões nem das decisões.
Na verdade, muitos
integrantes desse grupo sequer compareceram a alguma reunião. O Professor Luís
Sávio de Almeida afirma ter requisitado sua retirada da lista de colaboradores,
por não concordar com a maneira pela qual as atividades vinham sendo
conduzidas. Apesar disso, seu nome acabou constando no documento final. O
resultado desse processo foi um documento genérico, baseado em diagnósticos já
feitos anteriormente e com propostas pouco detalhadas, que apenas reiteram
tendências para ações já pensadas antes de sua elaboração. Em suas entrelinhas,
há a noção de que cabe ao poder público fazer os investimentos que realizarão o
capital.
Parece-nos ser possível
prosperar a hipótese de que, desde sua concepção até suas propostas, o plano
denominado Projetos Estruturantes tenta se basear em falsos consensos para
legitimar propostas que beneficiam, essencialmente, as camadas mais abastadas
da sociedade. O conflito e o debate de idéias parecem ter sido evitados, em
nome de uma consonância de interesses que parece existir apenas na fala de uma
elite interessada em ter uma cidade e não fazer uma cidade com todos.
Referências
Bibliográficas
ARANTES, Otília. Uma estratégia fatal: a cultura das novas gestões
urbanas IN: ARANTES, Otília; VAINER, Carlos & MARICATO, Ermínia. A cidade do pensamento único:
Desmanchando consensos. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2000.
BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar. São Paulo: Cia das
Letras, 2004 (1° Ed. 1983).
BORJA, Jordi & CASTELLS, Manuel.
La gestión de las ciudades en la era de
la información. Madrid:
Taurus, 1998.
CASTRO, Iná Elias de. Geografia e
Política - Território, escalas de ação e instituições. Rio de Janeiro:
Bertrand Brasil, 2005.
CONSÓRCIO PLANO ESTRATÉGICO CIDADE
DE MACEIÓ. Projetos Estruturantes: Uma contribuição para o
desenvolvimento sustentável de Maceió. Maceió, 2003.
JACOBS, Jane. Morte e Vida das
Grandes Cidades. São Paulo: Martins Fontes, 2004 (1° Ed. 1961).
SÁNCHEZ, Fernanda. A Reinvenção
das Cidades para um mercado mundial. Chapecó: Argos, 2003.
SMITH, Neil. A gentrificação
generalizada: de uma anomalia local à “regeneração” urbana como estratégia
urbana global IN: BIDOU-ZACHARIASEN, Catherine. De Volta à Cidade: Dos processos de gentrificação às políticas de
“revitalização” dos centros urbanos. São Paulo: Ana Blume, 2007.
VAINER, Carlos. Pátria, empresa e
mercadoria IN: ARANTES, Otília; VAINER, Carlos & MARICATO, Ermínia. A cidade do pensamento único:
Desmanchando consensos. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2000.
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