Publicado em 4 de Janeiro de 2009 |
Umas poucas palavras
Luiz Sávio de Almeida
É densa a contribuição de Douglas aos
estudos sobre Alagoas. São múltiplos os temas que desenvolve. Ele terminou seu
doutorado com tese sobre o período de Muniz Falcão e produziu dois outros
textos essenciais para que se discuta o século XX em Alagoas, sendo um sobre a
implantação das ferrovias e outro sobre os desdobramentos políticos do período
oligárquico. Carmem Lúcia Dantas vem se destacando como museóloga, pesquisadora ligada á cultura popular e, agora, está na companhia de
Douglas, no que vou chamar de relação entre história, memória e fotografia.
Realizaram um belo trabalho sobre
cartões-postais em Alagoas, consultando coleções em vários estados. Aliás, a
fotografia como um todo, parece estar despertando interesse atualmente em
Alagoas; tenho informações de que o Instituto Histórico e Geográfico vai publicar
sua coleção e consta-me que há tese de doutorado em desenvolvimento -
arquitetura em Recife - que privilegia o cartão-postal.
Cartão-postal e fotografia sempre
me interessaram; nem por isto, considero-me um conhecedor. A fotografia traz em
si a possibilidade de uma escrita com a luz, redução da química à ordem da
imagem, gerando um novo campo de registro e de criação. Sua invenção
incrementou a possibilidade de anotações sobre a vida em todos os seus
aspectos, sendo um dos grandes instrumentos legados pelo século XIX e nos apanha
alagoanamente e nos registra quando se tem os finais da transição do
escravismo, refazendo o capital e existindo a possibilidade de desssacralização
de valores consagrados no meio senhorial, o que a república parecia apontar e
até mesmo possibilitar. Aliás, pelo que percebo, a fotografia teria em Alagoas
umas quatro fases: a do ingresso, a da consolidação dos estúdios com os
retratos, o rompimento através da
possibilidade em massa do que se chamou de instantâneo, desde seus começos
incipientes com as máquinas caixão que
generalizou o nome Kodak, complexo que termina por isolar os estúdios e criar os pontos de
recepção para o grande capital internacional; finalmente, o momento da
digitalização, onde, basicamente, a tecnotrônica (lembrar do Darcy Rinbeiro)
passa a ser dominante. Bater uma chapa vai sendo coisa do passado, passando
pelo instantâneo e chegando na possibilidade da computação fotográfica.
O cartão-postal fascina, mormente
quando matéria de comércio, algo, portanto, posto em mercado. Há todo um
processo de decisão implicado nesta configuração, pois a imagem passa a ter
agregação de valor, capaz de dar-lhe a condição de mercadoria; além do mais, a
decisão passar pelo processo de conceber aquilo que é vendável ou como nos
podem consumir, pensando-se, no caso, em
como a produção local se argumenta face a mercado e, então, obviamente sobre
lucro. . Guardo com um carinho imenso, a coleção dos negativos de vidro do
velho Fiel do famoso Foto Fiel; toda a sua coleção de postais, demonstrando o
modo como desejou retratar Alagoas para vender as imagens que concebia. Os
negativos de vidro ainda estão perfeitos. Aliás, tenho suas primeiras fotos na
Atalaia. Um mestre na paisagem e que depois viria a ser um grande retratista, justamente
no tempo em que havia o mimo do retrato,
oferecido aqui e ali.
Parte do trabalho de Douglas e
Carmem Lúcia está aqui em estreia; uma introdução. É ler para ter vontade de
esperar.
Redescobrindo o passado: cartofilia alagoana
Douglas
Apratto Tenório e Cármen Lúcia Dantas
Entre as formas de comunicação à
distância, o cartão-postal se destaca pela aceitação e multiplicação em todos
os paises, apesar do avanço e rapidez dos meios de transmissão que surgiram no
século XX, sobretudo depois da informática. Sua história é acompanhada
cuidadosamente pêlos cartofílistas desde seu início, nos idos de 1869, na
Áustria, com a criação do Correspondenzkarte, idealizado por Emmanuel Hermann.
A partir daí, logo se espalhou pelo mundo e foi sendo aperfeiçoado em
praticidade e estética.
Nos primeiros cartões só havia
espaço para as mensagens. A gravura, o desenho e a fotografia chegaram para
melhor ilustrar essa correspondência pelo mundo e levar mensagens
rápidas que podiam ser lidas por todos que os tinham
nas mãos, sem a privacidade que as cartas oferecem aos seus destinatários. Por
isso mesmo, foram muito usados nas duas grandes guerras mundiais, já que
passavam rápido pela revista das mensagens que saíam das casernas e por serem
de fácil manuseio e dispensar envelopes. No Brasil, o bilhete postal, como era
conhecido no início, trazia estampadas as Armas do Império, o que lhe concedia
o caráter oficial por ter sido impresso pelo Correio, a mando do imperador D.
Pedro II, um entusiasta das inovações. Em poucos anos, porém, devido à grande
aceitação, os postais impressos por empresas particulares começaram a aparecer e
a circular livremente; alguns deles, sobretudo os mais antigos, foram impressos na
Europa.
Fotógrafos
de apurado olhar lhes dedicaram um espaço especial, formulando séries temáticas
que hoje enriquecem coleções e são disputadas como peças de rara importância. Entre
esses fotógrafos destacam-se, aqui no Brasil, Guilherme Gaensly, Marc Ferrez e
Augusto Malta, citados por José Carlos Daltozo em seu livro .Cartão-Postal,
Arte e Magia.. O autor detalha a direção do olhar de cada um deles, voltado
para a simplicidade da vida cotidiana de São Paulo, Rio de Janeiro e outras
capitais brasileiras, entre elas Maceió, em uma época em que o dia-a-dia dessas
grandes cidades ainda possuía uma atmosfera de romantismo e de tranquilidade.
Alagoas também se inseriu nessa trajetória
e foi fotografada nesse período, detendo a cartofília uma memória histórica da
fisionomia arquitetônica, social e cultural da sua capital e de outras cidades
interioranas. Cartões de bela feição gráfica mostram as cheias do Rio São
Francisco, a Boca de Maceió, os antigos engenhos banguês, a dança do coco no meio
rural, populares candidamente conversando nas ruas vazias de automóveis de
Maceió.
O professor emérito e também
cartofilista António Miranda, de Brasília, lembra que as mais importantes
bibliotecas do mundo reservam espaço de destaque para o acervo de cartões-postais.
Em nosso Estado, com exceção de um CD produzido pelo Museu da Imagem e do Som,
nenhum trabalho existe com o propósito de catalogar essas peças, embora se
tenha
conhecimento da grande circulação dessas mensagens
postais em nosso território. Suas imagens
abrem um leque de possibilidades para estudos em varias linhas de pesquisa como
fonte complementar de informação nas áreas de história,
arquitetura, paisagismo, sociologia, geografia, arte e fotografia, para citar
apenas as mais importantes.
Inúmeros postais sobre Alagoas
foram reunidos, gentilmente cedidos por colecionadores importantes, como Elysio
de Oliveira Belchior, do Rio de Janeiro; Luiz António Barreto, de Aracaju; José
Luiz Mota Menezes, de Recife, e os alagoanos Eduardo Guimarães, Everaldo Gama,
Maria Rocha, Milton Henio Gouveia, Fernando Antonio Netto Lobo, Lysia Ramalho
Marinho, da Fundação Raymundo Marinho, e Francisco Alberto Sales, da Casa do
Penedo. Pretendem os autores que este livro contribua para a preservação da
memória local.
POSTAIS DE ALAGOAS
Em uma perspectiva semiótica se
pode traduzir o processo histórico como um processo de comunicação durante o
qual o fluxo de informação não cessa de condicionar reações-respostas em um
destinatário social. (Uspenskij) Acreditamos ser esta a primeira vez que se
publica, em Alagoas, um trabalho sobre os antigos postais. O fazemos na certeza
de que a preserva ção dos nossos valores e bens culturais é fundamental para
afirmação de nossa identidade e que ampliará sua atuação na medida em que
possamos utilizar instrumentos auxiliares inovadores, múltiplos e flexíveis como
a cartofília, tão bem afinada com o conceito de paisagem cultural.
É uma afirmação bem aceita hoje
que a história e a cultura de um país, uma região ou uma cidade podem
socorre-se das imagens fixadas em cartões-postais, uma vez que estes
representam verdadeiros documentos da trajetória material de uma sociedade, dos
seus monumentos e seu urbanismo. Não por acaso, o historiador Vicente Chermont
afirma em um
trabalho sobre o tema que a história é mais conhecida
pelas imagens que pela escrita. Elas permitem não só uma volta ao passado
recente, ou longínquo, mas igualmente a identificação objetiva de sucessivos
fatos, em etapas diversas, que ajudarão os pesquisadores em seus estudos sobre determinados
sítios.
Elas apontam transformações que
não persistiram e outras que vingaram, ainda que em contradição com o projeto
original. O cartão-postal - ou selo postal, como era conhecido - surgiu na
Europa na segunda metade do século XIX e. com força avassaladora, tornou-se um
privilegiado instrumento de comunicação. Sua idade de ouro, segundo os
especialistas, situa-se entre os anos 1880-1920, o que no Brasil coincide com a
fase de consolidação do novo regime instituído em 15 de novembro de 1889 pelo
marechal Deodoro da Fonseca.
Uma era política turbulenta, de
tensões sociais acumuladas, mas ao mesmo tempo de ufanismo, do brilho da belle
époque, de incontida esperança no futuro, um período de transição de uma sociedade eminentemente agrária em seu anseio de
ingressar no ciclo industrial. Fiado nos ideais republicanos e na presença de
novos atores na ribalta política, como os militares, o povo buscava participar
de alguma forma das decisões do pais, até então restritas às grandes famílias
rurais e à nobiliarquia monárquica.
No ocaso do império e na alvorada
republicana, Alagoas saía de seu casulo senhorial e passava a ter. como as
demais unidades federativas recentemente constituídas. Aspirações cosmopolitas.
Apesar de sua admissão tardia no mundo urbano nessa época, o uso dos postais indica o aggionarmento da antiga pequena província imperial, agora um novo Estado
federado. Através deles podemos vislumbrar lugares, prédios, hábitos que
tiveram importância. Eles retraíam o que era a antiga parte austral da
capitania de Pernambuco no período que vai dos últimos presidentes provinciais
- os primeiros governadores republicanos - até a revolução de 1930 e o chamado
ciclo dos interventores.
Como seria a vida da antiga
Comarca das Alagoas na época do advento dos postais.? Qual a paisagem da
província naqueles momentos em que o processo de urbanização surgia finalmente
deixando para trás três séculos de isolamento e vida agrária soberana? È interessante determo-nos sobre aquelas décadas
vigorosas. O surgimento dessa novidade pode ser visto como um pano de fundo
sobre o qual se desenvolve o processo de ruptura com nosso passado colonial,
com nosso passado imperial ou monárquico, passando a constituir-se em uma
novidade, fundamental para a reconstrução do presente e porque não podemos
dizer do inicio de uma caminhada rumo a democratização de parcelas cada vez
mais amplas da população- do acesso ao conhecimento histórico e artístico, num
real processo de inserção social.
Vários estudiosos já se referiram as
enormes transformações materiais ocorridas no Império brasileiro na segunda
metade do século XIX e nas primeiras décadas da República, comparando-as com
outros períodos históricos. Se desejar-mos vê-las num estudo de caso regional,
vamos encontrar com facilidade essas transformações em Alagoas, tendo como
epicentros Maceió e os seus pólos do centro comercial, Bebedouro e
principalmente Jaraguá .porto e porta. dessas mudanças. Tudo o que a nova era
apresentou de mais significativo podemos encontrar na capital alagoana nessa
época, tendo como vitrine privilegiada o seu bairro portuário e o seu centro da
rua do Comércio: o transporte ferroviário, serviço de trainway entre os seus
três bairros principais, começando no Trapiche da Barra, a navegação a vapor,
ponte de ferro de embarque e desembarque, ruas iluminadas por lampiões a gaz
kerosen, a expansão das casas bancárias e seguradoras, calçamento das ruas mais
transitadas, estabelecimento de uma rede telegráfica em comunicação com o país.
jardins nas praças, como o construído na Praça Nossa Senhora Mãe do Povo e as
principais repartições públicas instaladas em prédios sólidos e vistosos como o
Consulado Provincial, a Alfândega, com a repartição do Selo e a Capitania do
Porto.
A exportação, antes mais ou menos
parcimoniosa, aumento gradualmente no Segundo Império, saindo do porto enseada
de Jaraguá e crescendo substancialmente com a chegada das casas inglesas que
lideravam esse tipo de comércio junto com seus colegas de outros países do Velho
Mundo. Se por um lado era benéfico o movimento exportador por outro lado
provocava o aumento dos preços dos géneros básicos, cujo cultivo foi posto de
lado, provocando dificuldade nas classes menos favorecidas, não gozando os
benefícios dos lucros de exportação, as quais lutavam com dificuldades para a
sua subsistência. A redução nos índices de produção nos géneros agrícolas de
alimentação popular determina o aumento desenfreado do custo de vida, causando
inquietação social e até agitação em Maceió.Pão de Açúcar, Imperatriz, Murici e
Quebrangulo. fazendo Alagoas provar ao lado das benesses e novidades surgidas,
do gosto amargo da crise brasileira. Junto com essa fase de esplendor material
a revolta popular nas feiras das vilas, contra a mudança do sistema métrico,
dos pesos e medidas.
Por outro lado, embora a Província
estivesse colocada entre os dois grandes pólos econômicos e comerciais da
região - Bahia e Pernambuco - através dos quais exportavam
boa parte de sua produção, o porto de Jaraguá, desde
décadas passadas, tinha demonstrado não ser uma peça desprezível no taboleiro
do xadrez económico, zarpando dele com regularidade navios de bandeiras
europeias, carregados de produtos locais, em demanda dos portos da Europa. O
nível dos produtos exportados e o consumo dos importados foi aumentando
gradativamente, a ponto de na década de 7U do século XIX, ser inaugurada a
navegação direta e regular com o Velho Continente.
Açúcar,
algodão, madeira, carne, couro, coco. azeite de mamona, arroz. aguardente, e
outros itens eram enviados a portos do poderoso império inglês, tais como
Cowes, Falmouth,
Liverpool, Gibraltar, Alexandria e Londres. Outras
nações mantiveram também intercâmbio regular com o porto de Alagoas- como
Portugal, Estados Unidos. Bélgica. Áustria, Itália e Alemanha. Alguns gêneros
esquisitos como .paina de barriguda,
sebo em rama, vinhático, óleo de copaíba, pau brasil, pedra de amolar,
complementavam a nossa pauta.
Tendo
como via de acesso o porto de Jaraguá, o comércio alagoano foi inundado por artigos
como tecido de algodão, chita, objetos de lã e seda, bacalhau, farinha de
trigo, vinhos variados, ferragens, azeite de oliva, sal, drogas medicinais,
todos procedentes dos portos europeus todos inseridos na febre de vender e
exportar inaugurada pela revolução industrial. Mas se importavam também géneros
nacionais como charque, moeda metálica, charuto, panos
de algodão, rapé e café. O comércio de confecções era
dos mais dinâmicos e sofisticados, anunciando .paletós de casimira de diversos
padrões, paletós de alpaca para meninos e
meninas, paletós de brim de
linhos de cor, chapéus franceses, de pelo, de copa alta, modernos, chapéus de sol
e seda e chita de percalinas muito finas, como anunciavam O Progressistas e outros jornais da época.
Maceió,
que era quase uma aldeia crescida ao abandono público, quando iniciara sua vida
como capital da Provinda em 1839, sem os serviços básicos de uma edilidade,
como coleta de lixo, saneamento, água encanada, calçamento, iluminação,
transporte, e também pobre de construções públicas, modificou bastante sua
feição naqueles anos de transformações
que alcançavam o pais. sintonizada, claro, com as mudanças que ocorriam no
mundo, tendo como veículo condutor o seu privilegiado
porto natural. Tantas inovações despertavam espanto, ás vezes criticas e
objeções. Novidades que surgiam inicialmente com desconfianças para uma
população conservadora, mas que pouco a pouco iam caindo no gosto dos mais
abertos e no final a adesão da maioria. O trem de ferro, as embarcações modernas,
a praça, estimulava a convivência, a troca de informações, o consumo, a moda
dos grandes centros. O postal foi uma dessa novidades trazidas do além mar e
mais rapidamente ganhou a simpatia das classes mais abastadas e depois de parte
mais ampla de seus habitantes. Caía no gosto da população como um produto
bonito, funcional, de baixo custo e charmoso.
IMAGENS
QUE ENCANTAM E FICAM
O postal, portanto, passou a fazer
parte da vida cotidiana da maioria das pessoas, evidentemente que nos setores
letrados, como os computadores hoje. Mas boa parte da população o conhecia,
manuseava ou fazia uso dele. Inicialmente produzido na Europa, passou a ser
confeccionado no sul do pais e alguns, muito mais adiante, em Maceió. Pela
Typographya Commercial e a Typographya Trigueiros. Podemos dizer que no estado
de Alagoas o conceito de turismo começou a ser desenhado com a chegada desse
instrumento de comunicação, pois além de conhecer as belezas famosas de outros
lugares do Brasil e do mundo, o postal despertou a sensibilidade do alagoano
para as nossas paisagens e atrativos.
Imagens campestres de um engenho bangúê,
da praia de Ponta Verde, com o Gogó da Ema, da cachoeira de Paulo Afonso, do
casario colonial de Penedo, do pôr do sol da lagoa no Trapiche da Barra,
colorizadas e salientadas em ângulos deslumbrantes, eram motivos de orgulho
para os locais e formas de sedução para os de fora. Os primeiros atrativos para
os
apreciadores e de notável repetição entre os
confecionadores eram, porém, os edifícios - alguns ainda mantêm inalteradas
suas linhas, como o Palácio dos Martírios, o Teatro Deodoro, a Intendência Municipal
- e logradouros interessantes da capital - a ponte de ferro de Jaraguá, a Praça
Deodoro, o Tribunal de Justiça, a Rua do Comércio, a Estação de Ferro Central,
o Hotel Bela Vista, as casas imponentes de Bebedouro, o Canal da Levada.
0 historiador é um investigador
atento, interessado e persistente. De certa forma, também é um colecionador que
procura escolher e identificar informações recolhidas ao longo dos tempos para
que sejam acessíveis a um maior número possível de pessoas. Ao buscar e
selecionar cartões postais de Penedo, Viçosa, São Miguel, Rio Largo e, claro,
da capital, Maceió, estamos incentivando, de forma didática, o grande público à
prática da organização da memória,
salvando do esquecimento precioso material, para permitir à geração
atual - e às futuras - um mergulho fascinante no passado através das várias
coleções consultadas.
Luis Antônio Barreto, ilustre
intelectual nordestino, chamou a atenção em uma de suas palestras para o
prejuízo inestimável e irrecuperável para a história de seu Estado o fato de
várias coleções de fotografias terem se perdido para sempre, tomando mais pobre
a memória da capital de Sergipe. Dizia ele que mesmo nas cidades de pequeno e
médio porte, que vivem ritmo frenético de mudanças, onde é comum que as
famílias troquem seu hábito de morar deixando as casas amplas para acomodar-se
em apartamentos de proporções limitadas, ou em condomínios urbanos que
verticalizam a paisagem, .para trás ficam não apenas as lembranças das ruas,
mas também pertences que sobram por falta de espaços nas novas moradias,
livros, revistas, objetos, retratos, fotografias em geral, incluindo
cartões-postais que são perdidos ou vão parar nas lixeiras ou nas casas que
reciclam papel.
Hoje cada um tende a viver para
si, enredado por seus múltiplos problemas. Diferente de épocas passadas, quando
as pessoas tinham tempo e enorme zelo pelo acervo familiar, verdadeiro tesouro
acumulado de gerações, e as visitas eram convidadas assim que chegavam às casas
dos amigos a folhear o álbum de fotos da família onde os postais tinham lugar destacado.
Na sala principal, convidados e donos da casa, ao tempo em que provavam as
delícias dos doces caseiros e elogiavam o talento da cozinheira, pacientemente
compulsavam
as bem cuidadas coleções, orgulho da família, lembranças de parentes queridos
ou de lugares inesquecíveis, referências visuais, imagens nostálgicas,
catalisadoras de símbolos e desejos, remetidos com afeto por alguém distante.
E foi assim que os próprios
moradores de urbes como Maceió, Pilar e Penedo, amortecidos pelo plácido dia-a-dia
de suas quietas cidades, com o aparecimento das primeiras fotografias e a
provocação colorida dos selos postais, dos álbuns familiares, passaram a
conferir mais valor aos atrativos locais, exaltando suas belezas, despertando a
sensibilidade da sociedade para suas edificações principais, como o prédio da
edilidade, o teatro, a praça ou paisagens bonitas de suas praias e lagoas.
No interessante trabalho .A Fotografia
em Maceió., dos mestres Luiz Lavenére e Moacir Medeiros de Santana, ensaio
publicado na Revista do Arquivo Público de Alagoas, em
1962, há subsídios importantes sobre o aparecimento e
trajetôria da arte fotográfica em Alagoas, desde o surgimento dos daguerreótipos
e dos fotógrafos ambulantes, no final do sé-
culo XIX, pioneiros e precursores de uma atividade hoje
tão valorizada. O mais antigo registro, segundo Santana, data de 1858, em um
anúncio da edição do Diário de Alagoas de 13 de novembro. Nele, o
daguerreotipista, sediado na Rua da Boa Vista, n. 26, informa que .tira-se em
qualquer tempo e em curto espaço esplêndidos e magníficos retratos, os mais
fiéis e perfeitos que têm aparecido. A
nova invenção não era de domínio dos locais, e a tecnologia não estava ao
alcance de amadores. Franceses e italianos disputavam a praça alagoana de forma
intensa, mas sazonal. Augusto Morean, Henriques Júnior, Albino Pereira de
Magalhães,
E, Lê Monnier, João Goston, Julien Bouquel, Vidal
Pratas são alguns nomes que ofereciam seus serviços profissionais ao público
nas páginas dos jornais ou nos almanaques da província, em Maceió, como
retratistas e fotógrafos .prontos a exercer sua arte das nove horas da manhã ás
quatro da tarde, em salão próprio para receber famílias..
Não se
tem notícia efetiva sobre incursões dos citados na produção de cartões ou selos
postais, embora uma pesquisa mais profunda possa trazer alguma surpresa. De um
deles, porém, o italiano Guilherme Rogato. natural de San Marco Argentano, sabe-se
que depois de trabalhar na Bahia, São Paulo e Rio de Janeiro, radicou-se em
Alagoas, aqui permanecendo até o último dia de sua vida, em 9 de setembro de
1966. Exímio artista da fotografia, ele foi também um dos pioneiros da
cinematografia nordestina. Em sua rica história de vida. Regato produziu uma série
de postais sobre Alagoas e outros estados, como Sergipe, marcando uma nova
etapa da cartofília alagoana que ultrapassava as fases anteriores, quando eram
confeccionados na Europa ou no Rio de Janeiro. Mais adiante, a Typographya Ramalho
e a Typographya Trigueiros foram as produtoras de postais nessa fase de afirmação
da província, época em que imprensa e cultura procuravam adaptar-se a um novo
tempo que chegava.
O selo postal que surge na capital
do Império, proposto pelo Ministério da Agricultura em 28 de abril de 1880,
quando a província era presidida pelo baiano Cincinato Pinto da Silva, vem numa
época de profundas transformações com formas de pensar e costumes elegantes,
quando as cidades maiores e as capitais ingressam na chamada .belle époque tropical..
Passadas as agitações dos Cabanos e dos Quebra-Quilos e a epidemia de
cólera-morbo no interior, Maceió, pelo Porto de Jaraguá, se vê inundada pêlos
tecidos de algodão, chitas, objetos de lã e seda. Charque, charutos, rapé e
café. Anunciavam-se no comércio paletós
de casimira e de alpaca, chapéus franceses de pêlo e copa alta, tudo .muito
fino, de gosto moderno..
A imprensa se irradia, com dezenas de
jornais em todos os lugares. O trem de ferro, que vai de Maceió até a zona do
açúcar e do algodão, e a navegação a vapor nas lagoas do Norte e do Sul e no
litoral se constituem no símbolo da tecnologia moderna dos transportes. A
abolição é um corte profundo na vida do país em 1889. O império agoniza e
morre. A República nascente cambaleia com a turbulência dos anos iniciais, mas se
consolida em seguida. O cartão-postal é vendido nos estabelecimentos da Rua do
Comércio e em Jaraguá, na Rua Sá e Albuquerque. É manuseado delicadamente por
senhores bem vestidos que mostram com orgulho a seus colegas as noticias de
parentes e amigos distantes nas portas da Maison Elegant, da Casa Eugene
Gostestchel, da Casa Zanotti, do High Life ou do Café Colombo, antes de
levá-los para suas residências e exibi-los para a família. Alguns os carregavam
no bolso para exibir como prova de status no Prado Alagoano. mais conhecido como
Jockey Clube, discutindo as belezas do Rio de Janeiro, Recife, Lisboa, Roma ou
Paris.
O postal é uma novidade de além-mar
que pouco a pouco vai ser misturada com o sabor das coisas tropicais. Ele chega
a Maceió como um dos símbolos dos novos tempos que vão mudando os costumes
antigos da época colonial e do império, em meio a tantas outras novidades que
são discutidas e aceitas pela elite urbana que frequenta diariamente os cafés,
livrarias, confeitarias e bilhares do centro da capital alagoana.
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