Segunda-feira, 26 de dezembro de 2011
[
O amigo Chaves a quem me refiro neste artigo, faleceu. O blog presta homenagem à sua vida aventureira como embarcado, à sua mania de encontrar formas em galhos e pedras, a sua apuração de cachaça,no preparo de seu polvo em São Bento.
turismo.culturamix.com
Um
dos mais belos locais de Maceió são as pedras da Ponta Verde, embora
agredido por
monstrengo de concreto que enche a área de ângulos. Os olhos devem
levar diretamente para o horizonte, onde se encontra a África.
Contaram-me
que havia um homem em Maceió e que sempre vestido de branco passava o
dia sentado na Avenida,
olhando para o horizonte. Quando
perguntavam o que fazia, respondia: estou vendo as torres de marfim da
África.
No caso, o cara estava invadido pelo
marfim e não pela África. Não sei o que se passou com ele; sei apenas
que, pelo
menos a minha África, não tem torres de
marfim.
O lugar pode ser contemplado, mesmo sem estar sendo visto. Há
uma geografia do potencial; é a que faz parte do imaginário e nele que cada
local pode ser multiplicidade, uma
possibilidade sempre aberta. O lugar é diferente do espaço, mas não é hora de
discuti-los, é claro que existam um lugar e um espaço
das pedras e, portanto, existem
as gentes das pedras. Foi o que primeiro me chamou atenção: as gentes.
São
pessoas que vivem no compasso das marés; gente que pesca, gente que
pega polvo... Abomino os que usam a água sanitária para fazê-lo
sair da toca; não gosto de vê-lo puxado por gancho. Gosto de vê-lo
livre, mas, estranhamente, adoro arroz de
polvo. E nisso, vez em quando viajo para São Bento, onde como o melhor
polvo
das Alagoas, no Bar do Chaves. Vale a pena andar sem parar l7 léguas e
meia para comer o polvo, conversar
com o dono, ver suas peças, escutar suas histórias de marinheiro de
alto-mar.
Já comi polvo em tudo quanto é canto: o dele
recebe o prêmio.
seresvivosdorn.blogspot.com
A mututuca |
Na minha
cabeça e na área das pedras, foi construída uma estrada da praia ao
pequeno farol. Penso que a Marinha deve ter feito uma
estrada para um jeep passar. Doidice, que ninguém iria fazer uma estrada
e nem
dar manutenção ao farol usando jeep garassuma.
É que traçei um rumo e a invenção da estrada me ajuda a não esquecê-lo.
O farol é meu objetivo, mas a pessoa deve ter cuidado com o tempo,
não deixar a maré enchendo pegar. Tem-se que ficar de olho na
arrebentação, na
correnteza que vai se formando e enchendo poças, nos pescadores que saem
da
arrebentação. No mais, é um extremo cuidado ao pisar, evitando escorrego
e os
espinhos dos ouriços. Espinho de ouriço somente sai com uma espécie de
compressa de querosene esquentado no
fogo; ele quebra que é uma beleza e diz o povo que o querosene puxa. Já
experimentei: puxa.
O resto é procurar beleza nos corais, nas pedras e,
sobretudo, nas poças, com algumas delas, especialmente à esquerda do farol , sendo
de bom tamanho para um mergulho com
direito à máscara, pé-de-pato, respirador. Claro que não tenho mais condições para tal
proeza, mas ainda sei me sentar e ficar pacientemente louvando os peixes que
enfeitam as águas. Um dia, maravilhado vi uma mututuca passando
veloz pelos meus pés. Mergulhei e fiquei olhando aquela coisa linda, como é
lindo o beiço-de-boi, como é linda a moréia com sua cara de cobra.
antoinacio-rio.com.br
Moreia |
Não é da culinária alagoana. Culinária é o polvo do Chaves,
mas não posso deixar de dizer que - no
tempo quando não havia a poluição das águas - eu apanhava alface do mar para
tomar caldo. É preciso ter cuidado ao apanhar algas, pois dizem que muitas são
tóxicas. Apanhava somente a alface que dá um caldo gostoso, depois de
devidamente cuidada. Mas o que eu
adorava mesmo, era comer o ouriço cru. Puxava, quebrava e comia, acompanhando tudo
com goles de um bom conhaque. Bom conhaque mesmo. Colocava os pedaços na palma
da mão e dava aos pequenos peixes que vinham de todos os cantos.
Cada um tem seu peixe. Peixe é um particular. Apesar de ter
sido criado – de acordo com minha mãe – comendo pirão de carapeba, meu peixe é
a tainha fresca e frita. Não tem outro
para mim. Ela deve estar totalmente
enxuta, rolada na farinha de mandioca e
jogada no óleo fervendo, sempre renovado
para não pegar ranço. Depois é farofa
d'água com um belo cheiro verde e rasgar a tainha com as mãos, fazendo o que o
povo chama de capitão, rompendo com a civilização ocidental colherosa, garfosa
e facosa segundo expressões da Maria Lopes. Ela desafia a que se diga farofa
com a boca cheia de farofa.
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