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domingo, 20 de julho de 2014

Urbanismo: Paisagem e cotidiano: Maceio: Periferia:

Sexta-feira, 30 de dezembro de 2011




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AMARAL, Vanine Borges. Iluminação Natural e Componentes Arquitetônicos: nas janelas da pobreza. O Jornal,  Maceió, 28 Set. 2008.
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[URBANISMO: periferia: arquitetura: Maceió (Al)]


Umas poucas palavras
Luiz Sávio de Almeida

Vanine é jovem pesquisadora em formação. Ela aceitou um desafio que fiz: discutir uma aparente dualidade na arquitetura, no que diz respeito à carência e à abundância. Foi ao Feitosa, conversou com o povo, sentiu que se elaborava uma estética e uma prática associada à carência e explorou o assunto nesta matéria. É uma aproximação do saber  acadêmico à realidade da pobreza de um país que Octávio Ianni considerava inacabado. Não deixa de ser um ajuste de contas do saber com o poder. Para a publicação deste texto, ela contou com observações críticas do Professor Dr. Leonardo Salazar Bittencourt.
Um dos ponto altos do texto é a incorporação da fala do povo, o que é um sinal de modernização da pesquisa. É necessário reforçar que  Espaço trabalha uma linha que soma os cacoetes acadêmicos e a divulgação. O assunto é sobejamente importante e lida com a possibilidade de se discutir a existência de uma arquitetura de carência e uma arquitetura de abundância ou, em linguagem popular, construir e se virar.


Vanine Borges Amaral, graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Alagoas. FAU/UFAL(2007). Durante a graduação participou do Programa de Educação Tutorial de Arquitetura e Urbanismo,  PETARQ e do Grupo de Pesquisa em Iluminação. GRILU. Atualmente é mestranda do Programa de Pós-Graduação Dinâmicas do Espaço Habitado - DEHA/UFAL e participa do Grupo de Estudos Representações do Lugar, RELU, atuando na linha de Percepção e Conceituação do Espaço Habitado. Escreveu este artigo para a disciplina intitulada Formação do Espaço Alagoano, ministrada pelo Professor Luiz Sávio de Almeida e sob sua orientação.





Iluminação Natural e Componentes Arquitetônicos: nas Janelas da Pobreza
Vanine Borges Amaral



O presente artigo discute a utilização dos recursos arquitetônicos para o aproveitamento de luz natural pela população de baixa renda. Longe de chegar a uma conclusão, almeja traçar apontamentos sobre a questão, a partir do exame de uma área da cidade de Maceió. Tomou-se como área de estudo uma pequena extensão do bairro do Feitosa, em que se verificou o uso da janela nas autoconstruções, a partir de visitas, registros fotográficos e entrevistas com os residentes, levantando- se a hipótese de que este universo iria repetir-se nas diversas áreas urbanas do mesmo nível de renda.
A maneira pela qual a luz penetra nos ambientes, a orientação do edifício, a tipologia das aberturas, localização e dimensão, a existência ou não de elementos de proteção e de transição para o ambiente interno, interferem na interação entre o espaço e o homem, e no modo pelo qual o primeiro é sentido, apreendido e percebido pelo segundo. Esses elementos também determinam as relações entre o meio interior e exterior à construção e entre o meio natural e o construído.
O uso de janelas tem sido bastante empregado nas edificações por atender, além das exigências de iluminação, às necessidades de ventilação e de visão do exterior. Sua tipologia foi se modificando ao longo da história de acordo com as necessidades humanas, bem como das técnicas construtivas disponíveis em cada época. O tamanho e a disposição das janelas variam de acordo com as condições locais. Por exemplo, enquanto em climas frios as janelas são projetadas a fim de admitir uma maior quantidade de radiação solar, garantindo ganho térmico no interior da edificação, nos climas áridos as janelas servem para eliminar calor, acolhendo uma menor quantidade de luz.

O que todas essas possibilidades significam para a classe pobre? No Feitosa, assim como nos demais bairros de periferia de Maceió, a população de baixa renda adquire ou se apropria e ocupa um pequeno lote, sem infra-estrutura, e inicia um extenso processo de autoconstrução de casa, geralmente no tempo livre entre as jornadas de trabalho. Devido à carência de recursos, modelos construtivos, participantes da experiência comum, são repetidos. Deste modo, por exemplo, as casas geminadas provenientes da herança colonial portuguesa são as formas mais comuns nas áreas periféricas da cidade.
O modelo conhecido como casa de meia-morada ou casa de porta e janela organiza a residência unifamiliar em uma sala de estar ladeada por corredor que dá acesso aos quartos de dormir . também chamados de alcovas, na literatura especializada, por não possuírem janelas . e leva à cozinha e ao banheiro, na parte posterior da casa. Um pequeno quintal aos fundos completa a ocupação do lote.


Diante desse padrão residencial se apresentam muitas questões acerca do conforto ambiental, já analisadas por diversos pesquisadores como Reis Filho e Philips Derek. O fato de as casas serem geminadas impede a disposição de janelas laterais, exigindo instalação de grandes janelas verticais na fachada, a fim de iluminar ao máximo a extensão longitudinal da edificação. A escuridão nas alcovas é minimizada com o uso de domos e paredes  descoladas do teto, artifícios que além de proverem alguma iluminação, proporcionam a circulação do ar entre os ambientes. A ausência de forro sob a coberta em estrutura de madeira e telha do tipo canal também influencia no movimento de ar interno.
Ao observarmos os modos de construir no bairro do Feitosa, percebemos a extensa utilização da casa de meia-morada, independentemente da orientação do terreno ou das condições ambientais de uma maneira geral. A
aparente similitude entre as residências é desfeita a partir de uma maneira mais atenta de olhar o lugar, que expõe as adaptações realizadas pelos moradores, adequando o modelo construtivo conhecido às realidades individuais, onde se somam necessidade e estética. Durante as entrevistas, não houve relato de uso das janelas para observar o exterior. Tal fato é compreensível, já que esta parcela da população da cidade ainda tem o hábito de conversar nas portas de casa, ficar nos quintais, ir às casas dos vizinhos, enquanto as crianças brincam soltas na rua.
O ventorzinho na casa de baixo

Na casa de Cristina, havia a possibilidade de abrir uma janela lateral, pois, situada no topo de uma encosta, a casa é geminada em apenas uma das laterais. Isso permitiria a ilumina ção de outros ambientes da casa. No entanto, neste caso, foi dado prioridade ao caráter plástico-espacial, a fim de concretizar a idéia que se tem de casa:
Porque essa janela assim, a gente pensou pela questão da frente da casa, né? Como geralmente é usado nas casas, geralmente tem a janela em vista e a porta, pra identificar que é uma casa. A gente queria que a janela fosse no corredor, mas ele achou melhor que a janela ficasse na frente da casa. (grifo nosso)
Nesta casa, só há uma janela horizontal, em ferro e vidro, na sala de estar. A porta de acesso, feita com os mesmos materiais da janela, funciona também para iluminar o interior da residência. Os dois quartos possuem as paredes descoladas do teto e não apresentam janelas, mas este fato não chega a ser um incômodo aos moradores. Ao final do corredor, tem-se a cozinha, também sem janelas. Para permitir iluminação ou ventilação em seu interior, é preciso abrir a porta dos fundos. A segunda abertura encontra-se no banheiro, preenchida por cobogós, tipo de elemento vazado bastante utilizado nas aberturas das casas visitadas. Além de possuir baixo custo, o cobogó funciona como protetor solar, amenizando a radiação direta do sol no interior do ambiente e permitindo a ventilação natural.
O emprego de um modelo de edificação pela baixa renda, como é o caso da meia-morada, denota a existência de uma teoria subjacente a este processo de repetição. Além de as estratégias utilizadas proporcionarem uma satisfação mínima aos usuários, seja do ponto de vista do conforto ambiental, seja do plástico-espacial da residência, é fundamental destacar a inteligência existente no processo de autoconstrução. Mesmo diante da reprodução de um modelo  que associado à escassa renda diminui as possibilidades construtivas, ao observar um pouco mais de perto tais moradias percebe-se a variedade de soluções encontradas para responder às situações cotidianas no que vamos chamar de arquitetura da carência, fundada na ausência de meios e de recursos em geral. Deste modo, a população ajusta a arquitetura ao seu próprio modo de vida, construindo a sua própria ordem de conhecimento e de construção, havendo, sem dúvida, uma engenharia e uma arquitetura absolutamente diferenciadas da versão acadêmica e fundadas na necessidade angustiante de sobreviver. A carência e a sobrevivência fundam um modo de perceber a vida e, nele, aparecem formas específicas de estar na construção do espaço.


Na casa de D. Carmela, que está em fase de construção há algum tempo, o menor comprimento do lote levou a locar um dos quartos na frente da casa. Deste modo, a janela que seria da sala de estar, passou a ser do quarto. Todas as aberturas ainda estão fechadas com tábuas ou panos, mas D. Carmela já define os horários que acredita serem os ideais para abrir as janelas:
Quando é no quarto eu sempre num abro ela, só vez em quando, agora quando taí numa sala, a sala assim, tem que abrir, né, um pouco, né?, assim, pra num ficar...mas quando é pro quarto,né?, eu sempre deixo fechado. Só abro assim um momento que eu vou fazer limpeza.
Atualmente, têm-se definido os níveis de iluminação adequados para os espaços construídos conforme a atividade desempenhada no recinto. De acordo com a atividade desenvolvida, são exigidas diferentes iluminâncias, que aumentam em função dos requisitos da visão. No entanto, estas normas baseiam-se apenas em condições de iluminação artificial, desconsiderando as variações inerentes à iluminação natural, bem como à subjetividade do ato de percepção por parte dos usuários.
Mais do que normas estabelecidas, é o cotidiano que orienta a  quantidade de iluminação necessária no interior da residência. Sendo a moradia um contínuo processo de construção, a população vale-se das experiências adquiridas no dia-a-dia para intervir no espaço. A influência do cotidiano é percebida na casa de D. Branca. Para ela, que é aposentada e tem o hábito de cochilar durante um período da tarde, o ideal é que não houvesse janela em seu quarto, contrariando qualquer normalização ou padrão construtivo ensinado nos cursos de arquitetura. Já acima do fogão, em sua sala-cozinha, há urgente precisão de uma abertura, a fim de permitir, com a entrada de mais luz, a perfeita visualização do conteúdo das panelas.
Abrir uma janela na parede onde se encontra o fogão de D. Branca é possível devido à existência de uma passagem externa entre esta e a casa vizinha, que permite o acesso às edificações situadas na encosta, abaixo do nível da rua. Uma janela semelhante a esta foi aberta no pavimento inferior da casa de D. Branca e Seu Joaquim, que o alugam para outra família. A janela serve para iluminar a cozinha e fica na base da parede lateral, ao lado do caminho de acesso. No entanto, seu Joaquim discorda da esposa sobre a instalação do ventorzinho, priorizando a segurança do casal e sugerindo a instalação de uma telha transparente. A discussão entre o casal continua, e D. Branca afirma ser muito melhor um .ventorzinho., pois a telha .enloda. e  nenhum dos dois tem condições de realizar a limpeza periódica.




REFERÊNCIAS
BITTENCOURT, Leonardo Salazar. Uso das Cartas Solares:
Diretrizes para arquitetos. 4ª ed. rev. e ampl. Maceió: EDUFAL,
2004
DEREK, Philips. Lighting Historic Buildings. Oxford:
Architectural Press, 1997.
REIS FILHO, Nestor Goulart. Quadro da Arquitetura no Brasil.
10ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2004




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