Domingo, 1 de janeiro de 2012
[HISTÓRIA: MEMÓRIA: BICAS: MINAS GERAIS] Luiz Sávio de Almeida. Bicas. Minas Gerais: Futebol, Mortes e outros babados
Perto de minha
casa, morava um cara que seria meu melhor amigo em Bicas. Eram dois irmãos: Jair e Jari, ambos filhos
de Seu Edgard Machado, alfaiate e célebre
treinador de futebol do Leopoldina. A alfaiataria era em direção á praça da
Matriz, lado direito e muitas vezes fiquei sentado lá, conversando
com o Jaii que era um espécie de aprendiz e ajudante do pai.
Era gente fina. Jogava bola que não era brincadeira. E talvez por eu ser seu amigo, é que o velho
Edgard me treinava no time. Alias, de jogador daquele tempo, eu lembro do
Jair, Marcinho e do Azeitona. O Azeitona
era um raio com a bola nos pés, passava
fulminante e ninguém batia pelo fato de ser um menino mesmo; quem sabe Azeitona
teria sete anos? Marcinho era especialista
em bicicleta; franzino, mas bom de bola. O outro era o Jair, também
franzino. Jogavam na frente. Eu era muito ruim, mas até que dava certo na
lateral direita.
A área da primeira casa |
Houve um jogo que não esqueço: sustentei a parada. Saí satisfeito da vida.
Vou ao cinema, era um sábado, dia de ir ao cinema à noite. Na porta, um outro menino falou: “Você comeu a bola
hoje!”. Era a sensação agradável de quem
cumpriu a missão. Mas normalmente, eu
era o que se chamava de perna de pau. Não tinha velocidade. Nas peladas em
campo pequeno, dava para alguma coisa, mas em um campo mesmo, barbaridade,
nada conseguia fazer. E aí ficava aquele lateral recuado, baixo, correndo pouco, indo pela linha dos half e
pronto. O campo do Leopoldina era tão careca quanto seu Edgar, cujo apelido era
Testa de Amolar Machado. A cerca era quase inexistente, mas era olímpico para nós.
Acho que Bicas tinha uma Liga de futebol organizada e promovia campeonato
regular. Pelo menos recordo três times: Leopoldina, o seu grande rival,
parece que branco e vermelho, Sport, qualquer coisa assim e o Serrano que tinha
a camisa do mesmo padrão do Flamengo. Por isso, eu era Serrano. Para ir ao
campo do Sport (?), era andar um bocado, ficava para além da Matriz e
muito. O Serrano não tinha campo, e
treinava às vezes no Ginásio.
Os grandes
times do Rio repercutiam em Bicas. Eu não recordo dos paulistas e,
engraçado, nem mesmo dos grandes mineiros, mas lembro de uma exceção: um torcedor
do Madureira. Naquela época, alguns
tinham esmero com suas bicicletas e elas eram enfeitadas com as flâmulas, que saíram
de moda.
O cara, eu encontrava vez em quando, numa lanchonete quase inexistente
de tão pequena. Havia a ladeira da
lateral esquerda da Prefeitura. Era uma
porta em frente e, lá, o próprio dono vendia refrigerante, sorvete da Kibon e
um fantástico sanduiche de mortadela além de revistas em quadrinhos. O Madureira (ou será Bomsucesso?) era amigo
dele e ficava peruando vez em quando, numa bicicleta com uma flâmula em cada
guidon e um selim com o escudo do clube. Não me lembro, também, de muita paixão por
times de Juiz de Fora e deles guardei apenas
o Tupan que foi, inclusive, jogar em Bicas.
heroisdomengao.blogspot.com
Deste negócio
de futebol, eu tinha tornozeleira, colhãozeira,
joelheira, chuteira e jogava um nada. Azeitona pegava a bola e dava
show: tava-aqui-estava-ali e seguia indo e vindo numas firulas de me
deixar doido. Na
verdade, eu tinha medo de seu talento. Não sei nada de sua vida, mas
foi
uma figura que me ficou ligada ao futebol, como Jair ficou ligado a uma
verdadeira amizade. Aliás, futebol em
Bicas leva ao
conhecimento de dois grandes ídolos do futebol. Conhecer é um verdadeiro
exagero. Um deles foi Dequinha, do Flamengo. Disseram-me na rua que ele
estava
em um ônibus que seguiria para o Rio
de Janeiro. Corri; ele estava cercado de menino, em pé, na calçada da
lanchonete
vizinha ao cinema, a mesma do Cremona. Fiquei olhando, vendo o ídolo. O
outro,
eu não sei se é invenção minha, foi o Barbosa do Vasco; estava com o pé
quebrado, qualquer coisa assim. Bicas
era próxima do Rio.
Engraçado, não
sei e nunca soube onde ficava o cemitério em Bicas. Isso significa que
nunca acompanhei qualquer
morte e elas devem ter acontecido. Para
falar mesmo de morte, recordo de uma, que nem sei se aconteceu de fato
em Bicas.
Era um funcionário do Banco do Brasil, gente fina, jogava pelo Serrano.
Acho
que o suicídio foi em Juiz de Fora. E sei que meu pai gostava dele e
foi ao enterro. Ele costumava mandar arroz de forno. Meu pai
reclamava, mas
tinha vergonha de rejeitar. Era gostoso. Acho que papai o protegia; ele
nunca foi de punir. Ouvia o zumzum lá em
casa sobre os motivos. Estava aí, uma
ligação especial entre futebol e morte.
Uma vez, fui a
um jogo de futebol, no campo que fica depois da Igreja. Eu ia com um amigo e seguramente era o Jair. Lembro do detalhe
de estar usando uma boina, que eu gostava; uma boina preta. Talvez por isso, eu
use chapéu até hoje. Pois íamos conversando e de repente passamos na porta de
um bar. Gente na calçada e um corpo coberto dentro do salão, com vômitos ao
redor. Ele amava, e terminou seu amor, tomando uma dose mortal de formicida.
Foi o segundo morto que vi em toda a minha vida. Um no caixão, os pés para a
porta. O outro coberto, possivelmente, com tolhas de mesa de bar. A namorada
disse adeus ele encontrou a morte que as formigas têm quando são
violentadas.
Uma outra
violência que vi, foi no campo do Leopoldina. Eu fico imaginando como tudo
poderia ter acontecido na época da inquisição, da Santa Inquisição. De repente,
era aquela quantidade impressionante de menino correndo para o campo e
vinha era de todo lado. Eu aqui embarquei na correria. Chego lá, um louco todo amarrado de corda.
Impressionante; era o espetáculo a que se costuma chamar de dantesco. Mas
amarrado mesmo. Como se fosse improvisada uma camisa de força miserável para um
miserável. Éramos todos miseráveis na
mais crassa ignorância.
Houve um jogo que não esqueço: sustentei a parada. Saí satisfeito da
vida.
Vou ao cinema, era um sábado, dia de ir ao cinema à noite. Na porta,
um outro menino falou: “Você comeu a bola!”. Era a sensação agradável
de quem
cumpriu a missão. Mas normalmente, eu
era o que se chamava de perna de pau. Não tinha velocidade. Nas peladas
em
campo pequeno, dava para alguma coisa, mas em um campo mesmo,
barbaridade, eu
nada conseguia fazer. E aí ficava aquele lateral recuado, baixo,
correndo pouco, indo ali pela linha dos half e
pronto. O campo do Leopoldina era tão careca quanto seu Edgar cujo
apelido era
Testa de Amolar Machado. A cerca era quase inexistente, mas era olímpico
para nós.
Nessa época,
nós havíamos saído da rua que ficava à mercê do córrego. Vivemos uma amarga cheia, a casa invadida de uma hora para outra,
acho que mais de metro dentro de casa. Meu pai com receio de cobras que sempre
aparecem nessas ocasiões, a perda de muita coisa, eu em cima da mesa... Sairmos
para pernoitar na casa do alto da colina... Imagino, como não estava nas casas da frente,
lá nos lados onde era a residência de seu Elcio Muniz, ligado a meu pai, também
funcionário do Banco, casado com Dona Alice, pai de Elcinho e de Rosaly. Seu
Élcio tinha uma irmã, que vez em quando passava uma temporada em Bicas; e vivia na Itália e era cantora lírica.
Tinha uma filha belíssima. Nunca mais os vi, apesar de terem sido absolutamente
familiares em nossa vida biquense.
Ele morava no
fim da rua e acho que o terreno chegava a ir próximo ao que penso ser uma praça
na frente do Francisco Peres. O córrego era estreito e logo as águas subiam. Eu
não me lembro para onde ele seguia. Eu o conhecia bem melhor para cima. Se eu não
me engano, eu pegava à esquerda do Ginásio e andava um bom pedaço, até a um
ponto do córrego em que foi feita uma pequena barragem e ali a gente tomava
banho. Nadava. Se também não me engano,
era o caminho para o sítio de um senhor, talvez Victor Cúgola, que tinha um
filho colega de classe no grupo. Uma vez nossa turma foi passar o dia no sítio
e é daí que vem a lembrança.
Foi por conta
das enchentes, que nós saímos da casa. E
fomos morar em outra, bem maior, que dava os fundos para a Leopoldina, tinha um
grande quintal, uns cinco a seis imensos pés de Eugênia como se chamava o
jambo. Eram árvores enormes e suponho que ainda existam. Os fundos davam para a região da oficina da Leopoldina. Ficava em
frente ao Forum que ainda estava em construção. Quem sabe o nome da rua era
Baeta Neves? Sei que tinha um pé de pêssego e uma pequena mangueira.
Nada mais sei
da rua, mas fiz amizade com os meninos de uma casa assobradada, vizinha ao Forum,
um deles parece que chamado Bertoldo. A casa foi importante, por quanto era o
lugar de campeonato de futebol de botão.
No fim da rua, havia um cafezal com uma casa grande e me lembro da
pessoa mas não sei o nome. Antes de
chegar até à casa e ao cafezal, havia qualquer coisa assim como uma beneficiadora
de mica, malacacheta.
Uma das cenas inesquecíveis nas andadas e
em termos de violência, presenciei na rua central de Bicas. Bicas tinha
um valentão oficial: esqueci o nome. Era também ligado a jogo de azar e
parece que morava em algum povoado. Perto do Hotel, escuto "Lá vem
Fulano". Olhei, vinha pelo meio da rua, sangrando e diziam que tinha um
canivete enfiado na cabeça.
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