Esta
matéria foi publicada no tablóide Contexto do jornal Tribuna Independente,
Maceió, na edição de 9 de Outubro de 2011
rodolfopamplonafilho.blogspot.com
A
violência contra as mulheres é um problema que atinge crianças, adolescentes,
mulheres adultas, e idosas em todo o mundo. Decorre, principalmente, das
desigualdades nas relações de poder entre homens e mulheres, bem como da
discriminação de gênero ainda presente tanto na sociedade como na família.
Até
poucas décadas, a sociedade e o poder público não tinham grande preocupação em
prevenir e reprimir a violência doméstica. O assunto era tratado como um
problema privado das famílias, que dispensava a intervenção do Estado. O
movimento feminista teve participação marcante na conquista dos direitos civis
e políticos, lutado em defesa da igualdade
de direitos entre homens e mulheres, dos ideais de direitos humanos, defendendo
a eliminação de todas as formas de discriminação e violência, tanto nas leis
como nas práticas sociais.
A
violência doméstica e familiar destaca-se no panorama mundial como um dos
maiores obstáculos à efetivação dos direitos humanos das mulheres. Dela
decorrem as seguintes espécies: violência física, psicológica, sexual, moral e
patrimonial.
A partir
da Constituição de 1988 houve uma grande mudança de paradigma, pois o Estado
saiu da condição de mero espectador para assumir o dever de promover ações
preventivas e repressivas destinadas a combater a violência no âmbito das
relações familiares. Entretanto, o art. 5o. da Constituição
Federal de 1988 que instituiu a igualdade formal entre homens e mulheres, não conseguiu
diminuir as desigualdades e os índices de agressões praticadas contra as
mulheres, pois, especialmente a violência doméstica continua em patamares
epidêmicos no país.
ultimasdejoinville.blogspot.com
Dados da
Organização Mundial de Saúde - OMS, insertos no relatório divulgado pela
Anistia Internacional, aponta que 70% dos assassinatos de mulheres no mundo são
cometidos por homens com quem elas tinham ou tiveram algum envolvimento amoroso
e que no Brasil, de cada 100 mulheres brasileiras assassinadas, 70 são no
âmbito de suas relações domésticas.
Pesquisa
realizada em 2009 pelo Instituto Ibope/ Avon concluiu que a violência doméstica
está no topo das preocupações das mulheres brasileiras 56%, seguido da Aids
51%, violência urbana 36% e câncer de mama 31%.
A violência doméstica compromete
14,6% do Produto Interno Bruto (PIB) da América Latina e 10,5% do PIB do
Brasil, já que a mulher agredida falta ao trabalho e ainda faz uso do sistema
de saúde pública para tratamento médico, sendo considerada, portanto, problema
de saúde pública.
cienciahoje.uol.com.br
Vários fatores contribuem para isso,
entre eles: a ineficiência do atendimento prestado às vítimas pelo sistema de
justiça; a exigência de representação oferecida exclusivamente pela mulher; a
insuficiência das políticas públicas de proteção e assistência às vítimas e
seus familiares, bem como pela ausência de programas sociais voltados ao
tratamento dos agressores.
A efetiva proteção dos direitos
humanos demanda não apenas políticas universalistas, mas específicas,
endereçadas a grupos socialmente vulneráveis, enquanto vítimas preferenciais da
exclusão. Isto é, a implementação dos direitos humanos requer a universalidade
e a indivisibilidade destes direitos, acrescidas do valor da diversidade.
O grande desafio do novo milênio é
como atuar para que o reconhecimento dos direitos humanos seja capaz de gerar
políticas públicas e ações eficazes que concretamente contribuam para a plena
fruição desses direitos por parte das mulheres, proporcionando-lhes uma vida
livre da violência.
A Lei Maria da Penha, n.
11.340/2006, foi idealizada com o objetivo geral de contribuir
para o efetivo combate às várias formas de violência doméstica e familiar. Seus
objetivos específicos são: prevenir, coibir, punir com maior rigor e contribuir
para a proteção das vítimas da violência doméstica no Brasil, cumprindo, assim,
com os tratados e convenções internacionais já ratificados pelo país.
A Lei Maria da Penha
consagra um novo microssistema jurídico de enfrentamento da violência doméstica
e familiar. Embora se trate de diploma recente, muito já foi feito por sua
efetivação: criação de juizados de combate à violência doméstica e familiar em
vários Estados da Federação; núcleos de atendimento especializado nos
Ministérios Públicos e nas Defensorias Públicas; ampliação das redes
assistenciais de proteção; aplicação das medidas protetivas de urgência em
favor das vítimas e contra os agressores, entre outras. Pesquisas recentes
apontam que 68% da população brasileira conhece a lei, dos quais 83% reconhece
sua eficácia no enfrentamento à violência doméstica e proteção da unidade
familiar (Instituto Patrícia Galvão).
O tratamento legal
diferenciado em favor da mulher em situação de violência doméstica está em
consonância com os objetivos fundamentais estabelecidos na Constituição Federal,
como a cidadania e dignidade da pessoa humana, impondo a intervenção do Estado,
voltada para erradicar a violência de gênero e promover a igualdade material
entre os homens e mulheres.
mds.gov.br
Não é somente a
integridade física da mulher que é protegida, mas a sua própria dignidade.
Nesta situação específica de violência contra a mulher, a lei especial é
necessária, bem como é legítima a atuação do Estado.
Após
cinco anos de vigência, a Lei Maria da Penha foi considerada pelo UNIFEM –
Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher - como uma das 3
legislações mais avançadas no mundo (Relatório Global “Progresso das Mulheres
no Mundo de 2008/2009).
Segundo o Superior Tribunal de
Justiça (STJ), o número de processos de mulheres contra a violência doméstica
aumentou 150% entre 2006 e 2011. De lá para cá, foram mais de 110 mil
processos, que condenaram quase 12 mil homens agressores.
A lei, que conta com 80% de aprovação da população,
segundo pesquisa da Fundação Perseu Abramo realizada em 2011, aumenta, por
exemplo, em três vezes a pena para lesão corporal leve em âmbito doméstico.
Além disso, acabou com a troca de detenção para autuados por pagamento de multa
ou cestas básicas.
Desde
a criação da lei, a central de atendimento à mulher, o Ligue 180, do Governo
Federal, já recebeu 240 mil denúncias. A maioria relatou ser agredida pelo
marido e na frente dos filhos.
São
cinco anos de paz para uma das vítimas. Antes da Lei Maria da Penha, ela não
conseguia se livrar da violência do ex-marido. “Antes, ele me agrediu, eu dei
parte, ele pagou uma cesta básica e voltou a me agredir. Logo depois que a Lei
Maria da Penha entrou em vigor, ele foi preso”, lembra. Outra vítima espancada
durante a gravidez, conta que conseguiu que o marido fosse proibido de chegar
perto dela. “Não tenho contato nenhum. É uma nova vida. É uma vida sem
violência”.
Nesses
cinco anos, a Lei Maria da Penha já deixou uma lição: o mais importante para
quem sofre violência doméstica é denunciar logo, denunciar cedo e evitar que
uma ameaça ou uma agressão verbal se transformem em uma tragédia.
Não há
dúvidas que a Lei Maria da Penha trouxe instrumentos importantes para uma
postura pró-ativa do Estado brasileiro perante o problema da violência contra a
mulher, dando-lhe instrumentos de atuação mais eficientes para a realização da
justiça em seu significado mais profundo, não apenas como a aplicação fria e
cega de regras, mas como um instrumento de mudança social em prol da
emancipação do ser humano em sua completude.
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