Translation

sexta-feira, 25 de julho de 2014

Stela Valéria CAVALCANTI. 5 ANOS DA LEI MARIA DA PENHA: CONQUISTAS E DESAFIOS








Esta matéria foi publicada no tablóide Contexto do jornal Tribuna Independente, Maceió, na edição de  9  de Outubro de 2011

              
                                                                                            rodolfopamplonafilho.blogspot.com
         




A violência contra as mulheres é um problema que atinge crianças, adolescentes, mulheres adultas, e idosas em todo o mundo. Decorre, principalmente, das desigualdades nas relações de poder entre homens e mulheres, bem como da discriminação de gênero ainda presente tanto na sociedade como na família.
                                                                       
            
      Até poucas décadas, a sociedade e o poder público não tinham grande preocupação em prevenir e reprimir a violência doméstica. O assunto era tratado como um problema privado das famílias, que dispensava a intervenção do Estado. O movimento feminista teve participação marcante na conquista dos direitos civis e políticos,  lutado em defesa da igualdade de direitos entre homens e mulheres, dos ideais de direitos humanos, defendendo a eliminação de todas as formas de discriminação e violência, tanto nas leis como nas práticas sociais.

            A violência doméstica e familiar destaca-se no panorama mundial como um dos maiores obstáculos à efetivação dos direitos humanos das mulheres. Dela decorrem as seguintes espécies: violência física, psicológica, sexual, moral e patrimonial.

            A partir da Constituição de 1988 houve uma grande mudança de paradigma, pois o Estado saiu da condição de mero espectador para assumir o dever de promover ações preventivas e repressivas destinadas a combater a violência no âmbito das relações familiares. Entretanto, o art. 5o. da Constituição Federal de 1988 que instituiu a igualdade formal entre homens e mulheres, não conseguiu diminuir as desigualdades e os índices de agressões praticadas contra as mulheres, pois, especialmente a violência doméstica continua em patamares epidêmicos no país.

                                                          ultimasdejoinville.blogspot.com
            Dados da Organização Mundial de Saúde - OMS, insertos no relatório divulgado pela Anistia Internacional, aponta que 70% dos assassinatos de mulheres no mundo são cometidos por homens com quem elas tinham ou tiveram algum envolvimento amoroso e que no Brasil, de cada 100 mulheres brasileiras assassinadas, 70 são no âmbito de suas relações domésticas.

            Pesquisa realizada em 2009 pelo Instituto Ibope/ Avon concluiu que a violência doméstica está no topo das preocupações das mulheres brasileiras 56%, seguido da Aids 51%, violência urbana 36% e câncer de mama 31%.

            A violência doméstica compromete 14,6% do Produto Interno Bruto (PIB) da América Latina e 10,5% do PIB do Brasil, já que a mulher agredida falta ao trabalho e ainda faz uso do sistema de saúde pública para tratamento médico, sendo considerada, portanto, problema de saúde pública.

                                                                               cienciahoje.uol.com.br
           
          Vários fatores contribuem para isso, entre eles: a ineficiência do atendimento prestado às vítimas pelo sistema de justiça; a exigência de representação oferecida exclusivamente pela mulher; a insuficiência das políticas públicas de proteção e assistência às vítimas e seus familiares, bem como pela ausência de programas sociais voltados ao tratamento dos agressores.

            A efetiva proteção dos direitos humanos demanda não apenas políticas universalistas, mas específicas, endereçadas a grupos socialmente vulneráveis, enquanto vítimas preferenciais da exclusão. Isto é, a implementação dos direitos humanos requer a universalidade e a indivisibilidade destes direitos, acrescidas do valor da diversidade.

            O grande desafio do novo milênio é como atuar para que o reconhecimento dos direitos humanos seja capaz de gerar políticas públicas e ações eficazes que concretamente contribuam para a plena fruição desses direitos por parte das mulheres, proporcionando-lhes uma vida livre da violência.

            A Lei Maria da Penha, n. 11.340/2006, foi idealizada com o objetivo geral de contribuir para o efetivo combate às várias formas de violência doméstica e familiar. Seus objetivos específicos são: prevenir, coibir, punir com maior rigor e contribuir para a proteção das vítimas da violência doméstica no Brasil, cumprindo, assim, com os tratados e convenções internacionais já ratificados pelo país.

            A Lei Maria da Penha consagra um novo microssistema jurídico de enfrentamento da violência doméstica e familiar. Embora se trate de diploma recente, muito já foi feito por sua efetivação: criação de juizados de combate à violência doméstica e familiar em vários Estados da Federação; núcleos de atendimento especializado nos Ministérios Públicos e nas Defensorias Públicas; ampliação das redes assistenciais de proteção; aplicação das medidas protetivas de urgência em favor das vítimas e contra os agressores, entre outras. Pesquisas recentes apontam que 68% da população brasileira conhece a lei, dos quais 83% reconhece sua eficácia no enfrentamento à violência doméstica e proteção da unidade familiar (Instituto Patrícia Galvão).

                O tratamento legal diferenciado em favor da mulher em situação de violência doméstica está em consonância com os objetivos fundamentais estabelecidos na Constituição Federal, como a cidadania e dignidade da pessoa humana, impondo a intervenção do Estado, voltada para erradicar a violência de gênero e promover a igualdade material entre os homens e mulheres.

                                                                                                                mds.gov.br

                Não é somente a integridade física da mulher que é protegida, mas a sua própria dignidade. Nesta situação específica de violência contra a mulher, a lei especial é necessária, bem como é legítima a atuação do Estado.

            Após cinco anos de vigência, a Lei Maria da Penha foi considerada pelo UNIFEM – Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher - como uma das 3 legislações mais avançadas no mundo (Relatório Global “Progresso das Mulheres no Mundo de 2008/2009).

            Segundo o Superior Tribunal de Justiça (STJ), o número de processos de mulheres contra a violência doméstica aumentou 150% entre 2006 e 2011. De lá para cá, foram mais de 110 mil processos, que condenaram quase 12 mil homens agressores.

            A lei, que conta com 80% de aprovação da população, segundo pesquisa da Fundação Perseu Abramo realizada em 2011, aumenta, por exemplo, em três vezes a pena para lesão corporal leve em âmbito doméstico. Além disso, acabou com a troca de detenção para autuados por pagamento de multa ou cestas básicas.

                Desde a criação da lei, a central de atendimento à mulher, o Ligue 180, do Governo Federal, já recebeu 240 mil denúncias. A maioria relatou ser agredida pelo marido e na frente dos filhos. 

                São cinco anos de paz para uma das vítimas. Antes da Lei Maria da Penha, ela não conseguia se livrar da violência do ex-marido. “Antes, ele me agrediu, eu dei parte, ele pagou uma cesta básica e voltou a me agredir. Logo depois que a Lei Maria da Penha entrou em vigor, ele foi preso”, lembra. Outra vítima espancada durante a gravidez, conta que conseguiu que o marido fosse proibido de chegar perto dela. “Não tenho contato nenhum. É uma nova vida. É uma vida sem violência”. 

                Nesses cinco anos, a Lei Maria da Penha já deixou uma lição: o mais importante para quem sofre violência doméstica é denunciar logo, denunciar cedo e evitar que uma ameaça ou uma agressão verbal se transformem em uma tragédia.

            Não há dúvidas que a Lei Maria da Penha trouxe instrumentos importantes para uma postura pró-ativa do Estado brasileiro perante o problema da violência contra a mulher, dando-lhe instrumentos de atuação mais eficientes para a realização da justiça em seu significado mais profundo, não apenas como a aplicação fria e cega de regras, mas como um instrumento de mudança social em prol da emancipação do ser humano em sua completude.

Nenhum comentário:

Postar um comentário