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terça-feira, 15 de janeiro de 2019

Crônica diária. As menina do cafetão e eu nos States

Steve, let me in ou o cafetão e suas meninas

Luiz Sávio de Almeida

Andei uma boa temporada pelos Estados Unidos, mas minha demora mesmo foi no Estado de Michigan, East Lansing, onde fui estudar. É uma grande experiência,  a de arrancar-se de seu lugar e levar uma vida completamente diferente. Não nego o choque, a dificuldade com a cultura com a própria língua.  Pisei o chão americano e fiquei pensando no que fazer no saguão do Kennedy, de onde eu teria de voar para Washington.  Este pequeno pedaço de tempo foi incrível e teve para mais de três séculos de tamanho. Eu havia feito o célebre exame Toefl e até me saído bem, mas o aeroporto era outra coisa, com o fanhoso de muito americano no pé de ouvido e ele mesmo– o ouvido – travou e eu fiquei  abestado. Onde estava meu inglês?  Eu estava lendo e escrevendo, mas falar?
Vai que pego o caminho de East Lansing e,  depois de um avião, bato na pequena cidade onde passaria a viver um bom tempo na velha Universidade Estadual de Michigan, a Michigan State University onde tive, sem dúvida, uma grande experiência de vida e devo dizer que vez em quando bate saudade dos amigos. Todas as pessoas constroem seus lugares e eu tive de montar o meu.  O Alberto Passos Guimarães me gozava, dizendo que eu era um homem de Michigan nas Alagoas. É que ele brincava com o complexo americano da alma mater, com o nome da Universidade grudando-se ao seu: um homem de Harvard, um homem de Princenton, um homem de Michigan como se a Universidade terminasse por definir a pessoa e automaticamente lhe transferisse excelência. Eu tinha de arrumar o meu jeito de estar na MSU e caminhar para viver a meritocracia americana.
Cheguei e tinha de arrumar um lugar para ficar; não queria quarto em casa de família e nem de ficar em quarto repartido.  Tenho meus hábitos e os carregava de Maceió para Michigan: eu fumava, detesto sujeira... No fundo, eu somente poderia dividir um quarto comigo mesmo e ainda hoje não tenho ideia de como divido-me.  Termino por alugar um quarto, pequeno apartamento, com uma cozinha tão pequena que até as panelas se incomodavam. Era em uma pousada,  American qualquer coisa Inn e dava para ir a pé para a Universidade. Devia ser American Out. Foi onde conheci Steve e suas meninas.
Meu quarto era o 18, o do Steve era o 19 e suas meninas moravam no 17. Eu vivia imprensado entre o cafetão e as meninas dele. E era muita confusão; dava meia noite por aí assim, as meninas voltavam do serviço e quando não traziam dinheiro, Steve largava a porrada e bufo-bufo e eu com medo, acossado no quarto e muitas vezes estudei no banheiro e sentado no vaso sanitário. Steve dava as porradas e se fechava no quarto e algumas das meninas (eram 4) ficavam desesperadas e a gritarem: Steve, let me in! Steve let me in e batiam na porta e era aquela doideira. E o Steve abria e bufo-bufo. Eu não desejava sair de lá, pois esperava vaga na casa do estudante e aguentava o peneiro.  Quase em frente havia um bar, onde vez em quando a polícia batia e cheguei a ver morto estirado. Bem na minha frente havia um casal de alcoólatras; eles se pegavam e a polícia também chegava. Eu havia encontrado um belo lugar para morar e me tornar um homem da Michigan State University.
Vai que em um domingo, saí para comprar jornal e voltei e tudo estava calmo. Sentei  e comecei a ler; o sol brilhava na fronteira com o Canadá, um sol frio. Num de repente, escuto uma camioneta saindo velozmente e um tiro. Era uma das meninas atirando no Steve e a desgraça é que ela erra e quando olho para cima (minha janela estava aberta) vejo o buraco, mais ou menos um palmo acima de minha cabeça. Barbaridade! Aquilo me revoltou! Não passa quase nada de tempo, chega a polícia, desce um investigador com uma cadernetinha e eu  já estava na porta: não queria que ele visse o buraco.  O próprio policial já foi dizendo: você não viu nada, né? E a resposta foi que não vi.
Apois bem,  eu tinha que dar um jeito na história e ter uma conversa com o Steve: não dava mais. Vi que ele havia saído, saltitando tal qual em filme policial americano. Peguei o jornal, fiquei sentado na porta e uma “peixeira” escondida e lá vinha Steve e chegou perto.  Aí eu disse:  Você nasceu hoje novamente né! E ele riu. Se o cara me desse um murro, eu passava o mês cuspindo osso e depois caía feito saco vazio. Eu disse: Cara, quando suas meninas atirarem em você, mande acertar a pontaria, pois a bala veio parar aqui! A polícia veio e fiquei calado. Respostinha do Steve: Obrigado brother, vai ficar maneiro! E ficou mesmo e convivemos bem até quando fui para a casa do estudante.
Posso esquecer o Steve e suas meninas que, por sinal, eram tristemente lindas?

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