Andei uma boa
temporada pelos Estados Unidos, mas minha demora mesmo foi no Estado de
Michigan, East Lansing, onde fui estudar. É uma grande experiência, a de arrancar-se de seu lugar e levar uma vida
completamente diferente. Não nego o choque, a dificuldade com a cultura com a
própria língua. Pisei o chão americano e
fiquei pensando no que fazer no saguão do Kennedy, de onde eu teria de voar
para Washington. Este pequeno pedaço de
tempo foi incrível e teve para mais de três séculos de tamanho. Eu havia feito
o célebre exame Toefl e até me saído bem, mas o aeroporto era outra coisa, com
o fanhoso de muito americano no pé de ouvido e ele mesmo– o ouvido – travou e
eu fiquei abestado. Onde estava meu
inglês? Eu estava lendo e escrevendo,
mas falar?
Vai que pego o
caminho de East Lansing e, depois de um avião,
bato na pequena cidade onde passaria a viver um bom tempo na velha Universidade
Estadual de Michigan, a Michigan State University onde tive, sem dúvida, uma
grande experiência de vida e devo dizer que vez em quando bate saudade dos
amigos. Todas as pessoas constroem seus lugares e eu tive de montar o meu. O Alberto Passos Guimarães me gozava, dizendo
que eu era um homem de Michigan nas Alagoas. É que ele brincava com o complexo
americano da alma mater, com o nome
da Universidade grudando-se ao seu: um homem de Harvard, um homem de Princenton,
um homem de Michigan como se a Universidade terminasse por definir a pessoa e
automaticamente lhe transferisse excelência. Eu tinha de arrumar o meu jeito de
estar na MSU e caminhar para viver a meritocracia americana.
Cheguei e
tinha de arrumar um lugar para ficar; não queria quarto em casa de família e
nem de ficar em quarto repartido. Tenho
meus hábitos e os carregava de Maceió para Michigan: eu fumava, detesto
sujeira... No fundo, eu somente poderia dividir um quarto comigo mesmo e ainda hoje
não tenho ideia de como divido-me.
Termino por alugar um quarto, pequeno apartamento, com uma cozinha tão
pequena que até as panelas se incomodavam. Era em uma pousada, American qualquer coisa Inn e dava para ir a
pé para a Universidade. Devia ser American Out. Foi onde conheci Steve e suas
meninas.
Meu quarto era
o 18, o do Steve era o 19 e suas meninas moravam no 17. Eu vivia imprensado
entre o cafetão e as meninas dele. E era muita confusão; dava meia noite por aí
assim, as meninas voltavam do serviço e quando não traziam dinheiro, Steve
largava a porrada e bufo-bufo e eu com medo, acossado no quarto e muitas vezes
estudei no banheiro e sentado no vaso sanitário. Steve dava as porradas e se fechava
no quarto e algumas das meninas (eram 4) ficavam desesperadas e a gritarem:
Steve, let me in! Steve let me in e batiam na porta e era aquela doideira. E o
Steve abria e bufo-bufo. Eu não desejava sair de lá, pois esperava vaga na casa
do estudante e aguentava o peneiro. Quase em frente havia um bar, onde vez em
quando a polícia batia e cheguei a ver morto estirado. Bem na minha frente
havia um casal de alcoólatras; eles se pegavam e a polícia também chegava. Eu
havia encontrado um belo lugar para morar e me tornar um homem da Michigan
State University.
Vai que em um
domingo, saí para comprar jornal e voltei e tudo estava calmo. Sentei e comecei a ler; o sol brilhava na fronteira
com o Canadá, um sol frio. Num de repente, escuto uma camioneta saindo
velozmente e um tiro. Era uma das meninas atirando no Steve e a desgraça é que
ela erra e quando olho para cima (minha janela estava aberta) vejo o buraco,
mais ou menos um palmo acima de minha cabeça. Barbaridade! Aquilo me revoltou!
Não passa quase nada de tempo, chega a polícia, desce um investigador com uma
cadernetinha e eu já estava na porta: não
queria que ele visse o buraco. O próprio
policial já foi dizendo: você não viu nada, né? E a resposta foi que não vi.
Apois bem, eu tinha que dar um jeito na história e ter
uma conversa com o Steve: não dava mais. Vi que ele havia saído, saltitando tal
qual em filme policial americano. Peguei o jornal, fiquei sentado na porta e
uma “peixeira” escondida e lá vinha Steve e chegou perto. Aí eu disse: Você nasceu hoje novamente né! E ele riu. Se o
cara me desse um murro, eu passava o mês cuspindo osso e depois caía feito saco
vazio. Eu disse: Cara, quando suas meninas atirarem em você, mande acertar a pontaria,
pois a bala veio parar aqui! A polícia veio e fiquei calado. Respostinha do
Steve: Obrigado brother, vai ficar maneiro! E ficou mesmo e convivemos bem até
quando fui para a casa do estudante.
Posso esquecer
o Steve e suas meninas que, por sinal, eram tristemente lindas?
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