O menino desasnado e a escola
Luiz Sávio de Almeida
Comecei a
estudar em casa; minha mãe desejava que eu fosse desasnado para a escola, não fosse cru; deveria saber alguma
coisa, para não chegar inteiramente asno. O verbo desasarnar é pesado e vem d’atanho.
Então, para a tarefa de me dar um pouco de letras e de tabuada, minha mãe
escolheu uma professora gentil que morava a bem dizer vizinha, no Cajueiro
Grande, em frente ao Hospital. Chamava-se Maria José e lembro-me perfeitamente
do dia em que fui à sua casa pela primeira vez. Era uma calça azul marinho com
espécie de suspensório do mesmo pano andando e o dono dela levava uma folha de
papel almaço, um tinteiro e uma caneta de pena. Tinha que começar a fazer as
coisas sozinho e fui sozinho.
Fui muito bem
recebido e ela me ajeitou num canto de uma pequena sala, onde estava a mesa em
que deitei tinteiro, caneta e papel almaço. Ela disse que iria fazer um ditado,
para ver como eu estava e foi falando e eu escrevendo. Jamais esqueci... Ela
leu, sorriu e disse que eu não precisava escrever a palavra vírgula, mas
colocar um rabinho. Não sei se foi vergonha ou qualquer coisa que passe por aí.
Sei apenas que jamais me esqueci do fato e foi o grande começo de uma
dificuldade que carrego comido: a vírgula. Vírgula é muito chata, mas se não
fosse ela, a gente desembestava na leitura até chegar no ponto e depois no ponto
dos pontos que é o final. Não é fácil colocar a vírgula.
De lá é que a
dúvida: para onde levar o menino? Para o Ginásio Diocesano ou para o Gabino
Besouro? E terminei indo para o Jegue Doido, segundo Francisco Salles dizia que
chamavam o Ginásio à época dirigido pelo Padre Jefferson, que depois, não sei o
motivo foi transferido para Arapiraca. Onde acho que tive duas professoras,
sendo que lembro o nome de uma delas: Lurdes Cruz. Era o ritual; vestia a farda, saia de casa
sozinho, andava com uma pequena pasta e uma lancheira e nela um copo de
refresco e um sanduíche de queijo ou com um pedaço de goiabada cascão ou os
dois misturados. Jamais eu soube o que era presunto, mortadela, salame...
Talvez até existisse em Penedo.
O sanduíche
era comido no recreio que, na verdade, era a correria no campo e o cuidado para
não levar uma cama de gato; um ficava de quatro atrás da pessoa e outro vinha
pela frente e empurrava, dando-se uma perigosa queda. A gente entrava pela
lateral, entregava a caderneta, carimbavam e na saída carimbavam também. A
caderneta era a comunicação do Ginásio com as famílias. Os pais veriam se o filho comparecia e as
partes também eram escritas. Claro que
fiquei muitas vezes de castigo e foi ali que começou a minha encrenca com as
escolas que frequentei. Não me lembro do nome de qualquer colega da época, mas
uns poucos respingos de tempo ficaram.
Lembro-me das
aulas de catecismo para a primeira comunhão que eram dadas pelo Padre e de meu
entrevero com ele. Dizia que Deus era bom, magnífico e eu perguntei então a
razão de nos deixar pecar. Isto ficou na minha cabeça, como as redações que nos
mandavam fazer. Colocavam uma figura pendurada perto do quadro negro e a gente
descrevia. Houve um problema. Uma das redações era um sapateiro e uma menina e
escrevi que o sapateiro estava segurando o sapato daquela forma, pelo fato da menina ter chulé. O negócio foi
reclamado a meu pai mas venci o velho Manoel de Almeida. Como foi uma
reclamação também, por conta do exagero de uma professora: ela começou a dar exemplos de transportes e
dizia: como o navio, como o caminhão, como o trem. Eu não me aguentei e
perguntei se ela comendo tudo aquilo não iria ter dor de barriga. Foi outra e
sempre existiram, outras. A professora inesquecível foi a Lurdes Cruz. Não me
parece que era de Penedo; sei apenas que guardo seu nome com carinho e depois
perdi todas as notícias.
Era bom voltar
para casa e esta volta eu não gostava de fazer pela Rua da Penha; não sei o
nome da outra; era a primeira depois da Penha, sem calçamento, e um caminho a
bem dizer direto, menos rampa ou quase nenhuma conforme me recordo. Saía no oitão da bodega do Seu Cazuza, passava
pela frente da casa do Dr. Agnelo e entrava em casa.
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