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domingo, 20 de janeiro de 2019

Crônica cotidiana (21/01/2019). As ruas e seus significados


Ao estilo das velhas cadernetas de lembranças: a molecoreba da Rua da Penha no Penedo

Luiz Sávio de Almeida


               E o que posso fazer com a Rua da Penha se ela não me larga, como se tivesse grudado na alma e eu consigo ver de onde e por onde venho a partir dela? Um amigo irmão camarada, como  o do Roberto Carlos e o de Suruagy/Guilherme,  para me fustigar e dizer que eu era um ser paroquial, gritava que eu via o mundo a partir da Capela das Alagoas e portanto eu seria mais um bestão provinciano. Era realmente um irmão que faleceu, de quem sinto saudade até do direitismo dele; suas cinzas foram espalhadas na barra de São Miguel e ainda navegam pelos oceanos, dando a ele multiplicidade e uma invulgar capacidade de tri-ubiquidade. Trata-se de Gildo Marçal Brandão de quem sinto imensa falta.
               Eu fui criado a  bem dizer solto, no meio da rua, correndo desembestado, jogando pelada, jogando barra-bandeira, brincando de mocinho e bandido, embora tivesse em casa um horário rígido. Acordar cedo, tomar o café, fazer o dever da escola, lanchar e brincar. Almoçar, vestir a farda, descer para o Colégio Diocesano, estar nas aulas, voltar e brincar. Depois do jantar podia estar na rua, mas nove horas já estava deitando na cama Patente  no meu quarto, mas, como eu gostava, vez em quando era na cama de vento que eu achava o máximo: aquela espécie de cavalete, a lona pregada. A cama de vento sempre estava ali à disposição e era para onde eu ia quando algum parente chegava lá em casa e ficava no meu quarto.
               Nunca vi acidente, nunca vi grandes encrencas e nem atentado, embora que, vez em quando, saindo do meio do nada, poderia dar umas porradas, especialmente quando era matéria de algum provocador que cuspia no chão e dizia: aqui é sua mãe, ali é a sua: quero ver quem pisa na mãe do outro.  Aí, pegava fogo, mas fora isto, somente as brigas virtuais de bandido contra mocinho. Na verdade e para este traço que escrevo, o que estou chamando de Rua da Penha era um pedaço que ia do Beco da Preguiça, no confronto com a bodega do seu Cazuza, até a Igreja da Penha, bem, abaixo, e na frente de um imenso casarão que foi ao chão, faz muito tempo.  No fundo, são dali que saem as minhas mais fortes recordações e elas deixam claras as peladas, a barra-bandeira, como ficam, também, os olhos de Nossa Senhora da Penha, pintada no teto da Igreja e que ficava nos olhando, fôssemos para onde fôssemos dentro da pequena Igreja.
               A gente seleciona pedaços do mundo para guardar e este pedaço que falei ainda se movimenta em mim, como se eu buscasse minha infância por ter gostado, imensamente do que vivi. Era uma rua estreita, mas tinha um quê de vida àquela época e de maravilha atualmente. Por isto, eu sempre me recordo,  quando penso na Rua da Penha, de uma música de Caetano que se espanta e vê uma coisa tão maravilhosa como a pena do pavão de Christina e tem de dizer: Vixe, Maria Mãe de Deus!
               Talvez eu esteja exagerando, mas nem tanto. A rua tinha menino e muitos chegavam da redondeza; chato era quando minha mãe botava a cabeça na porta; nem precisava dizer nada. Quando a brincadeira era longe, lá para perto da Igreja, ela chegava discreta e de mansinho; eu via e ela voltava abraçada a mim. Aí, era para a cama de vento ou a cama Patente, depois de lavar os pés,  escovar os dentes e pedir a benção. Era deitar e rezar a oração do Anjo da Guarda a quem Deus me confiou e que minha mãe fazia questão que eu rezasse depois de uma Ave Maria e um Pai Nosso.
Meu Anjo da Guarda, meu zeloso protetor que a ti me confiou a Piedade Divina...




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