Luiz Sávio de Almeida
E
o que posso fazer com a Rua da Penha se ela não me larga, como se tivesse
grudado na alma e eu consigo ver de onde e por onde venho a partir dela? Um
amigo irmão camarada, como o do Roberto
Carlos e o de Suruagy/Guilherme, para
me fustigar e dizer que eu era um ser paroquial, gritava que eu via o mundo a
partir da Capela das Alagoas e portanto eu seria mais um bestão provinciano.
Era realmente um irmão que faleceu, de quem sinto saudade até do direitismo
dele; suas cinzas foram espalhadas na barra de São Miguel e ainda navegam pelos
oceanos, dando a ele multiplicidade e uma invulgar capacidade de tri-ubiquidade.
Trata-se de Gildo Marçal Brandão de quem sinto imensa falta.
Eu
fui criado a bem dizer solto, no meio da
rua, correndo desembestado, jogando pelada, jogando barra-bandeira, brincando
de mocinho e bandido, embora tivesse em casa um horário rígido. Acordar cedo, tomar
o café, fazer o dever da escola, lanchar e brincar. Almoçar, vestir a farda,
descer para o Colégio Diocesano, estar nas aulas, voltar e brincar. Depois do
jantar podia estar na rua, mas nove horas já estava deitando na cama Patente no meu quarto, mas, como eu gostava, vez em
quando era na cama de vento que eu achava o máximo: aquela espécie de cavalete, a
lona pregada. A cama de vento sempre estava ali à disposição e era para onde eu ia quando algum parente chegava lá em casa e ficava no meu quarto.
Nunca
vi acidente, nunca vi grandes encrencas e nem atentado, embora que, vez em
quando, saindo do meio do nada, poderia dar umas porradas, especialmente quando
era matéria de algum provocador que cuspia no chão e dizia: aqui é sua mãe,
ali é a sua: quero ver quem pisa na mãe do outro. Aí, pegava fogo, mas fora isto, somente as
brigas virtuais de bandido contra mocinho. Na verdade e para este traço que escrevo, o que
estou chamando de Rua da Penha era um pedaço que ia do Beco da Preguiça, no
confronto com a bodega do seu Cazuza, até a Igreja da Penha, bem, abaixo, e na
frente de um imenso casarão que foi ao chão, faz muito tempo. No fundo, são dali que saem as minhas mais fortes
recordações e elas deixam claras as peladas, a barra-bandeira, como ficam,
também, os olhos de Nossa Senhora da Penha, pintada no teto da Igreja e que
ficava nos olhando, fôssemos para onde fôssemos dentro da pequena Igreja.
A
gente seleciona pedaços do mundo para guardar e este pedaço que falei ainda se
movimenta em mim, como se eu buscasse minha infância por ter gostado,
imensamente do que vivi. Era uma rua estreita, mas tinha um quê de vida àquela
época e de maravilha atualmente. Por isto, eu sempre me recordo, quando penso na Rua da Penha, de uma música
de Caetano que se espanta e vê uma coisa tão maravilhosa como a pena do pavão
de Christina e tem de dizer: Vixe, Maria Mãe de Deus!
Talvez
eu esteja exagerando, mas nem tanto. A rua tinha menino e muitos chegavam da
redondeza; chato era quando minha mãe botava a cabeça na porta; nem precisava
dizer nada. Quando a brincadeira era longe, lá para perto da Igreja, ela
chegava discreta e de mansinho; eu via e ela voltava abraçada a mim. Aí, era
para a cama de vento ou a cama Patente, depois de lavar os pés, escovar os dentes e pedir a benção. Era
deitar e rezar a oração do Anjo da Guarda a quem Deus me confiou e que minha mãe fazia questão que eu rezasse depois de uma Ave Maria e um Pai Nosso.
Meu Anjo da Guarda, meu zeloso protetor que a ti me confiou a Piedade Divina...
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