Dona Maria da Reitoria
Luiz Sávio de Almeida
Faz muito
tempo, já não me lembro quando, como cantava Carlos Galhardo, tenorizando
a pequenina cruz do seu rosário. Eu
trabalhava, parte do tempo , na Reitoria ali na Praça Sinimbu e foi lá que conheci
uma pessoa inesquecível. Já deve estar morta e mais do que enterrada, pois era puxada na idade àquela época. Ela trabalhava em serviços gerais e fazia
limpeza, mas tomava uma cachaça danada. Era negra, magrinha e os cabelos mais
do que salpicados do branco.
Eu não sei
como e quando começou, mas Dona e eu passamos a ficar de papo e sempre eu a esperava. Ela somente aparecia
para conversar, quando estava tungada e aí sentava na frente de minha
escrivaninha e abria o verbo, vez em quando trazendo alguma coisa para eu
comer. No mais, era amendoim torrado embrulhado em papel de jornal; às vezes eu
ficava um pouco constrangido por conta das gaitadas que ela soltava: era
repartição.
No entanto, eu
sentia a sua falta, tanto por gostar dela quanto pelo divertido que era. Nunca
avancei quanto à sua vida. Não sabia se era casada, se tinha filho, se amava... Minha relação era pequena no
sentido do espaço que tínhamos e grande no prazer de estar
juntos. Ela vinha no segredo que há em se procurar o destino. Nunca Dona chegou de cuca limpa; era sempre carregada. Existe pessoa que entra na sua vida
e não sai e Dona foi mais um acaso bom.
Aprendi muito com ela, com seu modo simples de dar suas gaitadas, com as
coisas que ela achava graça e com a partilha que fazia das coisas que
comia.
Um dia, Dona não apareceu e senti sua falta. O tempo foi passando e nada; decidi procura-la.
Será que alguma coisa havia acontecido e fui na porta e olhei para a praça e
nada da magra figura daquela senhora. Entrei... Onde encontra-la? E foi quando
a vi no pátio, encostada em uma coluna, com rosto triste. Aí eu me aproximei e
vi que estava sóbria. Ela olhou séria para mim e eu disse: Pensando na
vida, Dona? A resposta foi
desconcertante: Meu filho, se pensar resolvesse, eu até que pensava!
Vi que ela desejava ficar só; eu não cabia naquele
momento de sua vida e voltei para minha sala. Sentei e nada consegui fazer,
pensando em como a vida pode levar à situações tão intrincadas e tão fortes,
que nem pensar em solução é possível. E a gente realmente encontra isto pela
frente, ao longo da vida. Dona Maria me ensinava que às vezes a gente tem de se
render às agonias que o tempo nos traz e chega-se a viver situação do tipo que
ela vivia: pensar não adiantava nada. Não tinha direito e não tive vontade de
perguntar se poderia ajudar. Estava visto que não e que tudo já estava
resolvido por ser impossível de resolver. Minha mãe dizia: O que não tem
remédio, remediado está. Adoro este verbo e seu passado.
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