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quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

Crônica diária. Se pensar resolvesse...


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Dona Maria da Reitoria
Luiz Sávio de Almeida

Faz muito tempo, já não me lembro quando, como cantava Carlos Galhardo, tenorizando a  pequenina cruz do seu rosário. Eu trabalhava, parte do tempo , na Reitoria ali na Praça Sinimbu e foi lá que conheci uma pessoa inesquecível. Já deve estar morta e mais do que enterrada, pois  era puxada na idade àquela época. Ela trabalhava em serviços gerais e fazia limpeza, mas tomava uma cachaça danada. Era negra, magrinha e os cabelos mais do que salpicados do branco.
Eu não sei como e quando começou, mas Dona  e eu passamos a ficar de papo e  sempre eu a esperava. Ela somente aparecia para conversar, quando estava tungada e aí  sentava na frente de minha escrivaninha e abria o verbo, vez em quando trazendo alguma coisa para eu comer. No mais, era amendoim torrado embrulhado em papel de jornal; às vezes eu ficava um pouco constrangido por conta das gaitadas que ela soltava: era repartição.
No entanto, eu sentia a sua falta, tanto por gostar dela quanto pelo divertido que era. Nunca avancei quanto à sua vida. Não sabia se era casada, se tinha filho,  se amava... Minha relação era pequena no sentido do espaço que tínhamos e grande no prazer de estar juntos. Ela vinha  no segredo que há em se procurar o destino. Nunca Dona  chegou de cuca limpa; era sempre carregada. Existe pessoa que entra na sua vida e não sai e Dona  foi mais um acaso bom.  Aprendi muito com ela, com seu modo simples de dar suas gaitadas, com as coisas que ela achava graça e com a partilha que  fazia das coisas que comia.
Um dia, Dona  não apareceu e senti sua falta. O tempo foi passando e nada; decidi procura-la. Será que alguma coisa havia acontecido e fui na porta e olhei para a praça e nada da magra figura daquela senhora. Entrei... Onde encontra-la? E foi quando a vi no pátio, encostada em uma coluna, com rosto triste. Aí eu me aproximei e vi que estava sóbria. Ela olhou séria para mim e eu disse: Pensando na vida, Dona?  A resposta foi desconcertante: Meu filho, se pensar resolvesse, eu até que pensava!
Vi  que ela desejava ficar só; eu não cabia naquele momento de sua vida e voltei para minha sala. Sentei e nada consegui fazer, pensando em como a vida pode levar à situações tão intrincadas e tão fortes, que nem pensar em solução é possível. E a gente realmente encontra isto pela frente, ao longo da vida. Dona Maria me ensinava que às vezes a gente tem de se render às agonias que o tempo nos traz e chega-se a viver situação do tipo que ela vivia: pensar não adiantava nada. Não tinha direito e não tive vontade de perguntar se poderia ajudar. Estava visto que não e que tudo já estava resolvido por ser impossível de resolver. Minha mãe dizia: O que não tem remédio, remediado está. Adoro este verbo e seu passado.

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