A Rua da Penha, costureiras, modistas e a leitura M. Deli
Luiz Sávio de Almeida
Naquele meu tempo, a costura era algo importante, pois não existia
esta facilidade de hoje com as confecções. Então costurar era um verbo
obrigatoriamente conjugado em quase todas as casas e aquelas que podiam tinham o
quarto de costura. Muita casadas eram prendadas e se entretiam na costura, mas
o seu forte era bordar e, realmente, fazia coisas maravilhosas. Primeiro ela
fazia o risco e o transferia para o pano, a partir de um papel carbono que ela
comprava na própria Penedo. Depois era
bordar toalhas maravilhosas, com os pés ritmando o pedal da velha máquina
Singer, que ainda hoje guardo com cuidado. Foi comprada quando ela morava em
Quebrangulo, lá pelos anos trinta. Ela colocava o vestido preso no bastidor,
pedalava e cantava. Tenho uma toalha que ela bordou para a mesa do dia de
Natal. É um verdadeiro encantamento.
Costureira
ruim era a que fazia cu de pinto; costureira de primeira chegava a ser chamada
de modista, era fina e somente fazia roupas importantes e de quem podia pagar
mais. Era a roupa de formatura, a roupa do casamento, a das festas. Esqueço o
nome dela, mas na própria Rua da Penha, no correr de cima, havia uma costureira
ou modista de fama. Foi quem fez a roupa da minha irmã na formatura de ginásio
de minha irmã, roupa falada lá em casa, pois era solenidade de primeira. Isso no
Colégio das freiras, na entrada do Cajueiro Grande. O tecido se comprava mesmo em Penedo e um
deles, gente de família não gostava de usar pois, curiosamente, era chamado de puta ligeira,
cheio de bolinhas. A razão eu não sei, mas o puta ligeira chamava atenção.
Minha
avô Dondon na Capela, sustentou as filhas com a máquina de costura e a arte deve
ter passado para as filhas, dentre ela a minha mãe que mantinha uma coleção de
Jornal das Moças, onde tirava ideias para
vestidos e bordados. Ele existiu
de 1914 as 1868, mas somente lembro dele em nossa casa de Penedo. Mamãe
colecionava e encadernava na casa do Seu Joãozinho, quase vizinho e que trabalhava,
também em uma farmácia no comércio. Uma outra leitura de minha mãe, era uma
coleção de capa verde e publicada pela Editora Nacional. Eu pegava e devolvia
livros para ela, na Biblioteca que existia – se não me engano – na Ordem Terceira.
De tanto ver lá em casa, decorei o nome
de um escritor chamado M. Dely, onde vidas de lords e o meloso europeu chegava
ao Brasil através de Monteiro Lobato e em Penedo através de não-sei-quem.
M. Dely ficou
em minha cabeça sempre em capa verde. Era o pseudônimo de dois irmãos franceses;
Monteiro Lobato criou a Biblioteca das Moças e tome de M. Deli com seus amores,
sofrimentos, o tipo do que poderia ser considerado um folhetim fácil. Deveria
vender bem e a Biblioteca das Moças existiu por uns trinta anos. Veja-se a
recorrência da palavra Moça. Jornal das Moças, Bibliotecas das ditas cujas... E
era assim que seguia a vida de minha mãe: costurava, lia M. Dely, não perdia a soirée
dos domingos e me dava purgante de óleo de rícino.
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