Um pouco em torno de Arthur de Azevedo (I): Eu sou a Celina!
Luiz Sávio de Almeida
Tirei este mês
de dezembro de 2018 para reler, o máximo possível, a obra de Arthur de Azevedo,
de quem sou fan de carteirinha assinada. Preferi ler os contos; na verdade,
teatro eu gosto de ver e não ler textos
pois a cabeça navega muito. Eu chamaria
e não sei o que me dirão os críticos, que estou diante da mesma sociedade posta
por Machado de Assis, mas vista de cabeça para baixo ou quem, sabe, mas
fortemente demarcada por seus escondidos, aquele universo que o vetusto senhorial
sempre tende a vivenciar e ao mesmo tempo negar sob a ótica da moral invejada e
jamais alcançada.
Impressiona
nos contos de Arthur que andei lendo, como se fornicava e como se traía e se
constituía amantes e como as verdades do corpo se delineiam. Seus caixeiros e
seus comendadores, seus pequenos funcionários públicos e seus artistas de
teatro, viviam de paixões arrebatadores e desejos incontáveis e, por outro
lado, senhoras casadas que deveriam ser castas, chegavam a enumerar amantes de
alcova, cartas e entrevistas. É um saboroso Rio de Janeiro devasso que aparece
aqui e ali no meio de desfechos inusitados; e Arthur de Azevedo escancara este
universo, na sua prosa livre de quem escolheu um modo de escrita para lidar com
os padrões morais, em seus contos que mais parecem pequenas peças teatrais.
Confesso que
às vezes fico rindo, às vezes pensativo, às vezes pasmo com a realidade de uma
Miloca Pontes e que havia sido a senhora Praxedes. Fico de boca aberta para a
pobre velha costureira que aconselha à bela atriz, cortejada, a proteger-se.
Nem sei o que dizer sobre este conto, de tão intrigante que é. Um dos grossos em dinheiro, era apaixonado
por atrizes e as colecionava; era uma amante aqui e outra ali. Um dia ele entra
a cortejar para uma nova conquista; senta-se no camarim da nova predileta, como
diria a minha mãe, e começam a conversar, quando entra uma costureira,
miserável, acabada, vestida com apenas um raio de roupa. Ela humilde, senta-se
para trabalhar e fica ouvindo a conversa entre o conquistador e a belíssima
atriz que pergunta ao próspero comerciante
sobre a vida que levava e sobre o que comentavam por seu gosto por
atrizes. Ele narra e fala de sua primeira aventura, pelo amor que
verdadeiramente teve por Celina mas que não deu certo e ele prosseguiu a
carreira. Amou Celina.
E ele sai e
ficam as duas; quando a velha fica dando
conselhos à beldade, dizendo que é necessário precaver-se, que a beleza passa,
e que tudo muda com as graças terminando em desgraças. E tanto falava a velha e
maltratada costureira que a belíssima atriz foi enchendo a paciência e a
interrogou firme: quem era ela, uma simples e marcada velha para falar sobre
aquelas coisas que ela jamais poderia saber? Então a velha e maltratada
costureira, virou-se para ela e simplesmente disse: Eu sou a Celina!
Isto
sinceramente me deu o que pensar e vez em quando a Celina vinha à minha cabeça,
enchendo as minhas medidas de tempo. Sobre o quê, eu poderia dizer a alguém: Eu
sou o Sávio? Sobre quase tudo e sobre quase nada. Entendi que sou sempre um
quase, que não me termino, que não tenho coragem de olhar para o tempo e dizer:
Eu sou Sávio!
Você é a
Celina?
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