Em torno da comenda
Viventes das Alagoas (I)
Luiz Sávio de Almeida
I – Uma pequena introdução
Minha
intenção neste texto, tem duplo aspecto. Em primeiro lugar, agradecer a
lembrança que se teve de meu nome para
receber a comenda Vivente das Alagoas. Sinceramente fiquei lisonjeado
pela recomendação e, de certa forma, emocionado em face de uma série de motivos entre os quais
ressalto o de sempre ter entendido que Alagoas deveria contar com uma editora
oficial, tê-la como elemento capaz de
dinamizar com material de alta qualidade, a produção de pessoas de nosso Estado e sobre
nosso Estado. Participei ativamente da
criação da Editora Graciliano Ramos, coisa feita na época em que o Sérgio
Moreira era Secretário de Planejamento. Infelizmente, não houve muito
ajustamento na cúpula e terminei saindo para nunca mais voltar: nem
tenho saudades e nem tenho maldades.
O sonho era
que a Editora tivesse como uma das finalidades essenciais, abastecer a nossa
rede escolar. Talvez seja importante pensar que nossos alunos pesquisam, quando podem, no
“mínimo” – é uma aproximação – 30 anos passados em nossa rede de bibliotecas.
Por mais dedicação e capacidade que a direção da Biblioteca Pública de Alagoas
tenha, por exemplo, sempre será de acervo desfasado na qualidade do material de
pesquisa, agora “suprimido” pela facilidade, inclusive, de se ler tolices em sites de internet. Era este o meu
objetivo ao querer estruturar a Editora e a tê-la proposto ao Sérgio Moreira:
coloca-la a serviço da ciência, da pesquisa e fundamentalmente do próprio
Estado e foi por isto e para isto que, inclusive, foi fundada a revista Graciliano que teria por
finalidade um grande público leitor (tamanho alagoano) e apoiar as escolas.
Aliás, diga-se
de passagem que, não havendo engano de minha parte, o nome da revista foi por mim sugerido e
apoiado pelo Presidente da Cepal à época e pelo grande companheiro de viagem
que foi o Rizotto, depois saído e depois voltado. Então, passamos tempo testando a revista,
Rizotto e eu, sem encontrar um modelo satisfatório, aceitando apenas que
deveria ter um dossiê temático e que deveria ser buscada excelência em seus autores, o fino,
sendo possível, de áreas científicas em
alguns textos, pois a revista aportaria nas escolas e deveria ajudar a romper o
atraso da bibliografia nelas disponível.
Depois disto, a própria Editora iria se capacitar para entrar no mundo
da internet, lançando textos que subsidiariam o primeiro e o segundo graus,
além de suprir o interesse universitário e sempre buscando, como foi dito,
nível de excelência: juntar a produção de mestres e doutores e produzir com
eles, em linguagem apropriada, textos de cobertura à defasagem de informações.
Faz tempo que
argumento e incentivo a produção de ensaio, dissertação ou tese, sobre a vida
cultural de Alagoas. E isto é
especialmente necessário, para entendermos uma série de circunstâncias que
cobre a nossa produção cultural em forma, inclusive, livresca. Seria necessário
alguém interessado em fazer uma espécie de sociologia histórica do livro em
Alagoas e da própria “administração” que o Estado realiza do que alguns chamam
de vida cultural, algo absolutamente difícil de caracterizar e, somente, pela
prática se pode começar a entender o que efetivamente ela significa e a que campo
se alude ao usar-se o termo, sem dúvida, absolutamente esvaziado de seu senso
antropológico.
O fato é que o
livro tem uma trajetória histórica em Alagoas e aparece, em grande parte,
associado à montagem do parque gráfico que sempre foi presente em Alagoas,
desde os tempos do Iris Alagoense. É,
aliás, um parque quer nasce pela necessidade política e pela efervescência que
se dava em face da circulação acelerada de ideias naquele recanto do Século
XIX, época em que se inicia com maior
peso a saída do partidismo pela montagem de estruturas de sustentação política,
como foi a famosa Sociedade Federal, uma força à esquerda em torno da
Abdicação. Por aí se começa a notar que a histórica das gráficas, da imprensa e
do próprio livro se confundem no
andamento político da vida alagoana, juntando-se as livrarias, como seria de
esperar devendo ser dito algo talvez trivial: e se havia produção e livraria,
havia quem consumisse. E hoje? Esta
colocação é viável, é possível?
II – Das pessoas homenageadas, da comendadoria e do futuro
Claro
que a comenda não foi somente para mim, pois pouco ou nada efetivamente
represento: foram nomes que merecem
destaque. Deles eu quero ressaltar, de imediato, dois: Dirceu Lindoso e Renata Calheiros.
Dirceu pela nobreza de sua vida dedicada a pensar o Brasil e Renata Calheiros
pela sua postura simples,. inteligente e agradável e pelo que pode fazer. Ela é
uma pessoa a quem apresento meus respeitos. Dirceu é uma obra consagrada;
Renata o começo, e que pode ser – Alagoas – de grande valia pelo que tem
condições de fazer e fomentar. Não
preciso falar em Primeira Dama e aqueles que me conhecem sabem que eu não faria
este elogio, se não tivesse razão para tanto. Não sou, não pertenço e nem quero
ser de qualquer sociedade de corte ou palaciana. Mas não é por isto, que
negarei as pessoas, e não é por isso que eu deixaria de agradecer a quem esteve
ao derredor das homenagens, dentre eles, a moça simples e discreta que é a
senhora Renata e que tomará se engaje em nossa vida cultural. Foi gratificante
sentir duas missões presentes: a de bem findar-se – que era a minha e a do
Dirceu – e a de bem fazer-se, que era a da cidadã mencionada.
É
uma situação que me parece inusitada para a história política de Alagoas: um
governo foi eleito e contra as posições do Presidente que também foi eleito, e
elas me parecem marcadas por um salvacionismo e por um forte conteúdo
ideológico que confronta com a experiência da Vivente das Alagoas. Não posso deixar de perguntar-me sobre como
serão as relações, especialmente, diante das distorções do federalismo
brasileiro. A imagem que construímos com o fazer-se e o findar-se ajudam a
ressaltar a expectativa. A Vivente das
Alagoas vem de um programa editorial que consagra minorias e trabalha
diferenças. Como será isto no futuro? Um exemplo é claro: o Presidente eleito
considera o movimento dos semterra como terrorismo. O governo, pelo que sei,
sempre tratou bem e deu seus ouvidos ao movimento e, aliás, cheguei a ouvir elogios ao modo como o
governador discutia a questão.
Como será o
encontro destas duas situações? Os semterra – que eu não considero
terrorismo, mas expressão das
contradições agrárias no Brasil que nunca fez a famosa reforma –
ilustram os pontos de encontro que se darão. Os negros, os índios, os
quilombolas, as minorias que se fazem neste país, foram e estão no programa
editorial que se realizou, na verdade, em decorrência de uma vasta posição universitária
que produziu e produz dezenas de textos, marxistas ou não. Como a FAPEAL irá
pronunciar-se e estar com o que o governo federal pensará e intentará quanto à
Universidade? Alguns poderão dizer que estou a inventar um futuro e não teria
dúvida em responder que o futuro já está inventado. No entanto, sei apenas, que
tudo se delineará, mas não tenho qualquer ideia do que será. Talvez eu esteja
querendo ajudar aos que farão a sociologia histórica deste momento, pois são
eles que analisarão e responderão a estas perguntas.
A Viventes das
Alagoas está em um limiar histórico. Acredito que até ela, temos um momento
político e depois dela teremos outro para a vida científica e cultural das
Alagoas. E duas contradições são ilustrativas: a) semterra como terrorista e b)
o diabólico dos culto afro-brasileiros. Aduzo: como será a expressão de uma
história e de uma ciência social? Posso estar errado, mas deixo este depoimento
para o futuro, ficando a dica de examinar o ponto de transição que enuncio. Em meu modo de ver a história, é fundamental
encontrar os pontos de transição, onde as contradições exemplarmente aparecem.
Neste trânsito das Alagoas, o que
acontecerá? O que se dará com a composição à esquerda que se encontra com o
Governador? Será mantida e como será mantida? Não sei se serão tempos difíceis;
sei apenas que serão tempos diferentes. E que a expectativa é grande para saber
como ficarão nossas políticas culturais e científicas, havendo o pressuposto de
que aceitar as práticas não seria aceitar as teses? Sinceramente, não tenho
resposta e ela não será dada por mim. Talvez o melhor modo de colocar a
pergunta será: qual a estratégia que o governo do Estado de Alagoas utilizará
para trato com o governo federal?
III – O programa editorial
O
PROGRAMA de edições foi um marco na vida cultural e científica das Alagoas e eu
até poderia entendê-lo como um dos momento civilizadores para Alagoas. Por mais
que eu discorde de uma série de pontos, é orgulho ter tomado parte deste capítulo da
vida alagoana e dizer que tudo que aconteceu de problemas, grandes ou
pequenos, fica na linha do aprendizado
que devemos ter para sermos coletivos.
A nossa
história cultural – no seu viés de produção acadêmica – tem na Editora da
Universidade Federal de Alagoas um de seus principais marcos no século XXI,
semelhante ao que se desenhou na década de trinta do século XX, a partir do
trabalho de um editor inovador e corajoso que foi o Professor Joaquim Ramalho;
dentre outros pontos a merecer relevo, a
famosa Casa Ramalho inaugurou uma coleção intitulada Autores Alagoanos, iniciando-a com o texto de Humberto Bastos
que, ainda nos tempos do Estado Novo reforçou a produção historiográfica nas
Alagoas, ao colocar o econômico no seio
das discussões. Não se trata de um clássico no sentido de livro essencial para
a discussão do que fomos e do que somos, mas, sem dúvida, era diferente e isto
era de extrema importância ao mostrar que a história louvatória poderia ser
substituída por outra e que fosse capaz de discutir e ampliar o conhecimento
sobre nossa formação, fosse qual fosse o
matizamento teórico.
Este
o sentido do livro do Humberto Bastos e
ele veio das mãos do Professor Joaquim Ramalho que, aliás, já deveria ter recebido homenagem de gratidão por parte de nossos
governos; e isto, pelo que seu trabalho significou para todos nós, ele mesmo
herdeiro da tradição da Casa Ramalho, vinda do século XIX: ela foi fundada em
1893. Foram anos de uma tipografia e uma livraria seculares. Imagine, no efêmero de Alagoas, secular é
arqueológico. Aliás, deve ser visto, que
o trabalho de Bastos foi recebido como estudo sócio-econômico e ele saudado na
categoria de sociólogo.
Na
mesma oportunidade em que se falava do livro de Humberto Bastos, mencionava-se
um outro a ser incluído na coleção Autores Alagoanos e era da lavra de Rocha
Filho: Loucos e delinquentes. Em
1938, o nº 2 da fantástica revista Alagoas dava uma lista de publicações que
haviam sido lançadas pela Casa Ramalho e sobre a direção do Professor Joaquim
Ramalho, ele mesmo sendo geógrafo e autor: um livro de poesia de Aristeu de
Andrade intitulado Noivado; Açúcar e algodão do Humberto
Bastos; do próprio Joaquim Ramalho
aparecia Geografia de Alagoas; e de
Jaime de Altavilla era mencionado Estudos
de literatura brasileira. Era matéria recente: havia uma listagem
anterior e grande. O próprio Jayme de Altavilla havia publicado um livro pela
casa e intitulado Da vida e do Sonho,
conforme de pode ler no Diário do Povo, edição de 4 de Fevereiro
de 1917.
Mas tudo, em
termos de Autores Alagoanos começa com
Humberto Bastos que esteve implicado na vida política contra a ditadura, nos
embates da Aliança que era uma frente contra a ditadura de Getúlio Vargas. Os anos trinta de Alagoas ainda não foram
efetivamente estudados e são vitais para a nossa vida cultural; naquela
ambiência, Joaquim Ramalho encontra – e deve ter amadurecido nas suas conversas
– que existia a possibilidade de iniciar sistematicamente a produção de autores
que fossem ou estivessem nas Alagoas. E
a comemoração do sucesso do livro e do mensário Alagoas foi devidamente
realizada com a presença de diversos intelectuais da praça, em uma confeitaria
que devia ser altamente conceituada:
Três Coroas.
O que levava à
uma síntese das Alagoas nos salões daquela confeitaria? E no que se louvava
Joaquim Ramalho para encontrar produção e mercado para o que ele chamava de
autores alagoanos? A resposta pode ser
extremamente simples: um punhado de
pessoas pode ser suficientemente expressivo para inaugurar um tempo. Joaquim
Ramalho era, como dissemos, um audacioso e liberal editor em plena
institucionalização do Estado Novo. Juntou-se a nomes como Afrânio Melo tido e
havido como comunista; juntou-se a André
Papini, outro de militância direta na esquerda, com o Rui Palmeira de ligações com o Partido,
expressivo liberal que era; e as páginas de Alagoas, a revista fantástica, estavam
abertas para nomes e temas diferentes da pauta intelectual de direita ou
conservadora, em uma época em que Alagoas ainda vivia a eleição de uma nobreza
intelectual, com o Príncipe disto e
daquilo e baronatos subsequentes.
Era um tempo
onde pessoas como Afrânio Melo feriam profundamente a arquitetura do
intelectual cultuado como assumidade, palavra doirada nas homenagens cotidianas
das Alagoas, cuja sociedade era pródiga em solenização de confirmação de
elites. Era de bom grado os rompantes de
citações em grego mal decorado, em latim forjado às pressas, e tudo isto era
consagrador, como era a figura do tribuno
penalista a chamar o réu de palavras que ele, o réu, jamais poderia
entender: energúmeno. Era uma sociedade que precisava ficar de boca aberta,
magistral forma de calar-se e, assim, Alagoas sucedia-se na bolinação da
mesmice. Era assim, mas isto não quer dizer que jamais tivemos excelência: pelo
contrário.
Tivemos homens
notáveis, como o extraordinário Francisco Dias Cabral de quem sou fan de carteirinha e acho que merece muito
mais de reverência alagoana. Sou absolutamente fan da história dos umbrais senhoriais d’Alagoas escrita pelo
Caroatá, fanzoca do Oiticica no seu Memorial Biográfico do Comendador José
Rodrigues Leite Pitanga, fanzoca do Moreno Brandão, do Abelardo Duarte, babão
pelo Diégues, fan de carteirinha do meu imenso amigo Theo Brandão, a quem sempre
louvo a memória.
Todo este povo
merece bem mais do que uma hom
enagem, agradecendo a eles pelo que fizeram. Discordo,
humildemente, deste povo todo que citei,
mas admiro, respeito o modo como contribuiu para discutir nossas tais e quais
Alagoas. Sem eles, eu não teria
aprontado as minhas parcas contribuições e nem pessoas como Lindoso poderiam
enfrentar a grande obra. É muito bom, que exista gente honesta diferente de
nós. As obras principais destes
intelectuais deveriam ser reeditadas, com textos inicias orientadores de
leitura, escritos por especialistas de alta envergadura acadêmica. Talvez fosse
interessante que a CEPAL ao definir suas posições editoriais, tomasse o assunto
como prioritário. Eu não sei se a CEPAL antes de lançar seus Editais, definiu
sua linha editorial, os princípios que informam o andamento de sua programação.
Na certa sim e na certa esta temática está incluída, mas vale a pena insistir.
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