Luiz Sávio de Almeida
Eu gosto do
teatro do Arthur de Azevedo; ele sabe perfeitamente chegar a seu cotidiano, mesclando um fino senso de humor aos tempores e mores. No entanto, uma das suas peças chama a minha atenção e me prende a seu texto, como se houvesse um grude
espiritual. É de 1882 e seu título: O Escravocrata, peça em três atos e com um
grande número de personagens, como seria do tom da época e submetido ao Conservatório Dramático Brasileiro, entidade
criada em 1843 e que funcionava como censura aos textos teatrais. O título
original era A Família Salazar. Não
recebeu placet. Nem mesmo, no veredito, foi incluída qualquer
nota de esclarecimento sobre a negativa e, então, Arthur de Azevedo chega à conclusão de que
somente poderia ter sido um julgamento moral, conforme seria costume daquela
instituição. À época desta encrenca de Arthur de Azevedo, houve reforma e, também, o, Conservatório datava de 1871 e vai acabar em 1897.
Apesar da mudança do caráter privado para o público, Arthur Azevedo o acusava de manter seus juízos moralistas.
Desafiando a
autoridade, Arthur Azevedo o publica para que leitores formassem juízo e
adianta quais seriam os pontos negativos a serem tocados, do pomto de vista do Conservatório: imoralidade e
inverosimilhança. O tema central é o amor de um escravo por sua iaiá e ela
termina por ficar grávida com o filho sendo criado a bem dizer como se fosse
legítimo; algo inesperado, revela o segredo e a violência assume o curso do
drama. Onde estaria o imoral, pergunta o autor? Diz que amor entre escravo e
senhora era coisa banal, comum; aduz que todo mundo conhece um caso e, então,
vem uma bela discussão sobre censura, teatro e vida. É aqui, que parece tudo se
tornar a conversa do mesmo tronco, quando a censura aparece para regular o que
seria legítimo para uma sociedade, empestando-a com seus valores excludentes.
E então se
opõe o anseio de controle da censura e a oportunidade do texto teatral. Diz
então o Arthur de Azevedo:
“’SERIA MUITO
BOM QUE TODAS AS MULHERES CASADAS FOSSEM FIÉIS AOS SEUS MARIDOS, HONESTAS,
AJUIZADAS, E QUE OS ADULTÉRIOS INFAMANTES NÃO PASSASSEM DE FANTASIAS PERVERSAS
DE DRAMATURGOS ATRABILIÁRIOS; MAS INFELIZMENTE ASSIM NÃO SUCEDE, E O BÍPEDE
IMPLUME COMETE TODOS OS DIAS MONSTRUOSIDADES QUE NÃO PODEM DEIXAR DE SER A
NESTE SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA – O TEATRO”.
É muito
importante, onde ele coloca o tribunal de justiça: na arte. E ele atinge a
questão no âmago: trata-se de esconder a questão escravocrata; era ela a
incomodar ao Conservatório e se ela não estivesse na peça, ainda segundo o
Arthur, o texto perderia sentido e nem
ele, o autor, não estaria colaborando com a derrocada do que chama de “a
fortaleza negra da escravidão”.
Sem dúvida eu
penso assim, quando escrevo minhas tolices para teatro: o mundo deve ser
julgado aqui, com o rigor dos olhos e ouvidos deste imenso país que é chamado
de plateia e tudo que faço, prestando ou não, procura ir contra “a fortaleza da
negra escravidão”. Não fosse desta forma, para que falar em escravo? Para que a
velocidade no texto, como se tudo estivesse urgente, demasiadamente urgente?
Foi assim, desde o primeiro dia em que comecei e será assim no dia em que
terminarei: um solene julgamento como se deu, por exemplo, em A Farinhada.
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