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quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

Crônica diária. Arthur Azvedo, teatro e escravo




Um pouco em torno de Arthur de Azevedo (II):  os escravos e o teatro

Luiz Sávio de Almeida


Eu gosto do teatro do Arthur de Azevedo; ele sabe perfeitamente chegar a seu  cotidiano, mesclando um fino senso de humor aos tempores e mores. No entanto, uma das suas peças  chama a minha atenção e me prende a seu texto, como se houvesse um grude espiritual. É de 1882 e seu título: O Escravocrata, peça em três atos e com um grande número de personagens, como seria do tom da época e submetido ao  Conservatório Dramático Brasileiro, entidade criada em 1843 e que funcionava como censura aos textos teatrais. O título original era  A Família Salazar. Não recebeu placet.  Nem mesmo, no veredito, foi incluída qualquer nota de esclarecimento sobre a negativa e, então, Arthur de Azevedo chega à conclusão de que somente poderia ter sido um julgamento moral, conforme seria costume daquela instituição. À época desta encrenca de Arthur de Azevedo, houve reforma e, também, o,  Conservatório datava de 1871 e vai acabar em 1897. Apesar da mudança do caráter privado para o público, Arthur Azevedo o acusava de manter seus juízos moralistas.
Desafiando a autoridade, Arthur Azevedo o publica para que leitores formassem juízo e adianta quais seriam os pontos negativos a serem tocados, do pomto de vista do Conservatório: imoralidade e inverosimilhança. O tema central é o amor de um escravo por sua iaiá e ela termina por ficar grávida com o filho sendo criado a bem dizer como se fosse legítimo; algo inesperado, revela o segredo e a violência assume o curso do drama. Onde estaria o imoral, pergunta o autor? Diz que amor entre escravo e senhora era coisa banal, comum; aduz que todo mundo conhece um caso e, então, vem uma bela discussão sobre censura, teatro e vida. É aqui, que parece tudo se tornar a conversa do mesmo tronco, quando a censura aparece para regular o que seria legítimo para uma sociedade, empestando-a com seus valores excludentes.
E então se opõe o anseio de controle da censura e a oportunidade do texto teatral. Diz então o Arthur de Azevedo:
“’SERIA MUITO BOM QUE TODAS AS MULHERES CASADAS FOSSEM FIÉIS AOS SEUS MARIDOS, HONESTAS, AJUIZADAS, E QUE OS ADULTÉRIOS INFAMANTES NÃO PASSASSEM DE FANTASIAS PERVERSAS DE DRAMATURGOS ATRABILIÁRIOS; MAS INFELIZMENTE ASSIM NÃO SUCEDE, E O BÍPEDE IMPLUME COMETE TODOS OS DIAS MONSTRUOSIDADES QUE NÃO PODEM DEIXAR DE SER A NESTE SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA – O TEATRO”.
É muito importante, onde ele coloca o tribunal de justiça: na arte. E ele atinge a questão no âmago: trata-se de esconder a questão escravocrata; era ela a incomodar ao Conservatório e se ela não estivesse na peça, ainda segundo o Arthur,  o texto perderia sentido e nem ele, o autor, não estaria colaborando com a derrocada do que chama de “a fortaleza negra da escravidão”.
Sem dúvida eu penso assim, quando escrevo minhas tolices para teatro: o mundo deve ser julgado aqui, com o rigor dos olhos e ouvidos deste imenso país que é chamado de plateia e tudo que faço, prestando ou não, procura ir contra “a fortaleza da negra escravidão”. Não fosse desta forma, para que falar em escravo? Para que a velocidade no texto, como se tudo estivesse urgente, demasiadamente urgente? Foi assim, desde o primeiro dia em que comecei e será assim no dia em que terminarei: um solene julgamento como se deu, por exemplo, em A Farinhada.

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