Luiz Sávio de Almeida
As coisas e as situações existem e desaparecem e, por isto, a lembrança é algo fantástico pois faz a emoção
juntar-se e, sem o atualizar, traz o passado à mostra, embora um passado
diferente do que efetivamente foi, mas, sem dúvida, presente em você, agora
como lembrança, recordação e evocação. Vez em quando, fico amoroso com o
sentido de evocar e, para dizer a verdade, gosto do senso coloquial da palavra memory. Qual seria uma boa tradução?
Talvez seja a minha idade, o que me faz puxar mais pelo passado do que pelo
presente. Sou fascinado pelo passado e pelo miolo de pote e é assim que vou
levando a vida no rumo dos meus oitenta. Será que chegarei vivo aos oitenta, ou
estarei na cidade dos pés juntos? Até hoje, soube que o gps do diabo está quebrado no inferno. Ainda bem.
Apois, havia a mania das duas cidades maiores terem
rixa e ditos e piadas. Era o caso de Natal e Mossoró no Rio Grande do
Norte, João Pessoa e Campina Grande na
Paraíba. Natal sempre foi impiedosa com Mossoró, sentada lá no sertão, às
margens do rio do mesmo nome, bonita e onde Lampião mandou bala, mas não entrou. Havia uma churrascaria chamada O
sujeito que eu frequentava muito. Lembro-me que, no banheiro das mulheres, havia uma placa com o desenho de uma Maçã e no
dos homens: um Abacaxi. Pelo menos, o
dono tinha senso de humor. Foi ali em Mossoró, que algumas coisas aconteceram e
que jamais esquecerei. São tolas, mas sagradas para mim, que àquela época
trabalhava com a implantação do chamado método de Paulo Freire no Rio Grande do
Norte, tempo em que Aloísio Alves era
Governador.
A
primeira foi a ida de uma jornalista do Time-Life para cobrir o trabalho.
Fizemos amizade; nem me lembro do nome dela. Bonita, o português arrevesado e
um majestoso equipamento fotográfico; foi ela quem me ensinou, nos dias em que
passou, muito sobre como fotografar. E depois comprei minha primeira máquina,
uma pequena Yashica, 36 mm. A segunda
foi numa madrugada. O calor era imenso, o sertão estava abafado; pelas três horas da manhã, saí do hotel e os
feirante estavam arrumando suas coisas. Um homem estava fazendo um pequeno
monte de abacaxi e comecei a conversar com ele; conversa vai e conversa vem,
ele disse que ia escolher um abacaxi para comer e dividir comigo. Apois saiba: nunca comi outro igual. A
terceira foi incrível: eu estava na beira do rio e passava um pescador me uma
pequena canoa. Fotografei e ele gritou que eu estava roubando a alma dele.
Fiquei pensando em como a fotografia pode invadir.
Dizia o povo de Natal, que fazia
sucesso um filme chamado O Último tiro
e o cinema, em Mossoró, começava a exibição às 20 horas. Às 16, o cinema estava lotado, pois
ninguém queria perder o primeiro. Pior foi quando passou E o vento
levou, pois amarraram todas as cadeiras do
cinema e por aí seguiam as lorotas com Mossoró que tinha um clube cuja sigla era ACDP e que ficava depois de
uma ponte e onde a estrada fazia uma curva. O pessoal de Natal dizia que era adepois da curva da ponte.
O fazia isto acontecer? Necessidade de diminuir o outro e por qual razão? Engraçado que isto terminou,
mas eu lembro que em Maceió se desancava Arapiraca, dizendo ser terra de gente da
pestana roída; falava-se também que ao inaugurarem o sistema de telefone, ninguém conseguia
utilizar, pois todo mundo estava querendo ligar ao mesmo tempo e tudo dava
ocupado. Contavam, também, duas histórias altamente repetidas.
Todas as duas
são notáveis. Uma delas dizia que um plantador de fumo levou o filho para a
feira da Arapiraca e nenhum dos dois havia visto gelo. O menino sumiu e o pai
encontrou e gritou: “Fio, e tu tás comendo vrido?”. E a resposta: “Tou não pai; tou chupando uma pedra
d’água pai!”. A segunda é a história de um fumicultor que veio a Maceió e viu
um picolé; gostou, comprou cinco para
levar para os filhos. Comprou, botou na
mala, fechou e o calunga colocou na carroceria da sopa. Chegou em casa, chamou
os meninos para mostrar o presente, abriu a mala e tava aquela poça dentro. Então
ele com ódio começou a gritar: “Aquele calunga fio da peste, roubou os picolés e ainda mijou na mala!”.
Apois, qual a
razão desta rivalidade ter existido, ter sido expressa desta forma e depois
ter desaparecido?
Perguntinha.
Obv. Grande parte destas crônicas estava entulhando o arquivo; nem mais recordo quando foram escritas. Na verdade elas são o exercício diário que faço para me habituar a não ter preguiça de escrever. Decidi ir pegando e colocando no blog: pelo menos fica um registro de memória e daquilo que era chamado de usos e costumes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário