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sábado, 19 de julho de 2014

Memória e história: onde se fala em siri e camarão

TEXTO ORIGINALMENTE PUBLICADO EM O Jornal. Maceió, 21 set. 2007





O Guia Sávio da Cozinha Alagoana
 
Onde se come um grande camarão e um belo siri

Luiz Savio de Almeida
Eu não gosto da expressão frutos do mar, embora seja mais do que utilizada. Fruto fica bem para maga, jaca, cajá; não pega em camarão, tainha e mais trecos que vivem no mar. Mar até que é palavra poética; oceano é mais geográfico. Eu nunca vi um pé de camarão, pé de peixe-espada... Se um peixe-espada fosse plantado, seria pela espada ou pelo rabo? Não sei. Um peixe-serra jamais poderia existir como árvore. Já  pensou em pé de baleia? Uma horta de siri? Coisa difícil de imaginar... Mas se necessário, podem ser possíveis. 

No entanto, é preciso reconhecer que tudo que é do mar é bom,  pois quem é do mar não enjoa e chuva fininha é garoa. Siri é de primeira; é o único bicho de casca que tem filé, parte nobre. O bom filé de siri evita que a gente fique cuspindo. E onde tem o melhor? Onde? Advinhe! No Cadoz, no Bar do Reinaldo. Tudo começa pelo passeio, no meio do coqueiral. E a gente  ganha o mundo na estrada de barro, passa pelo Buraco da Julinda,  passa por outro e chega na igrejinha dos Remédios. Eu tomo uma para esquentar e gosto de mergulhar no Rio dos Remédios. Cachaça e água fria de rio ninguém deve perder. Do lado da ponte, tem um bar; vale parar para conversar besteira com o povo. Um dia, passei mais de hora vendo um teju; eu acho uma coisa linda. Com, sorte, escuta-se passarinho, tem-se o prazer de ver macaquitos, como chamaria qualquer pândego argentino.

Toma-se a diretura do Cadoz. E, então, o caminhante encontra o Bar do Reinaldo. Bom é ficar fora, onde tinha umas mesas toscas, feitas com carretel de fio (suponho).  No mais, a beleza infinita da paisagem e um gavião  (mas é gavião mesmo)  que, desejando, aparece e fica pescando, levando os peixes para o mangue do outro lado. Vez em quando uma canoa, e vez enquanto o siri delicioso, de incontáveis pratos. Eu gosto de misturar com farinha e tascar pimenta, assoprar o fogo que ganha as entranhas misturado com aquele gosto harmonioso entre o siri e o mundo.

Depois é seguir rumo a Coqueiro Seco, parando, conversando na calçada com o povo, vendo a Igreja, tomar o rumo de Santa Luzia do Norte, ficar de papo com o povo La no oitão de outra Igreja. Quando meu amigo Wilson era vivo, eu sempre parava no bar dele.  No mais, é sair na  estrada. Quem não deseja este caminho, volta pelo outro lado. Normalmente, é a lua quem decide por onde vou.

Deve ser notada a extraordinária mistura entre um rio, luar, gavião,  cachaça e siri. Já o camarão que eu percebo como o melhor de Maceió é justamente no Bar do Camarão no final da Avenida Jatiúca. Mas que coisa boa... 0 gosto chega muito perto do caseiro, da minha casa e dos cuidados culinários da minha mãe. O camarão aparece para mim nas beiras do São Francisco, água doce, nas bandas da vetusta e leal cidade do Penedo.   O camarão cozido com casca, leite e cheiro verde, aqueles galhos de coentro que chega se enroscam nas cascas vermelhentas,  sem que o gosto do coentro espante e com as cascas quase em tom sobre tom, inclusive frente aos pedaços de tomate.

        O arroz branco equilibra o prato, como  guarnição. A tarefa da guarnição é ressaltar o principal e, também, no meu entender, complementar quanto à estética. A simplicidade do arroz absolutamente solto é capaz de dar o que vou chamar de textura ao prato. Ao lado dele, a também simplicidade da saladinha- tomate-cebola. Azeite e ai a porca torce o rabo. Havendo uma pimenta de cheiro ou olho de peixe, o mundo se encandeia. Não sei definir o sabor e nem sei se sabor é passível de definição. É bem verdade que um prato é ele e sua circunstancia, em um espírito meio orteguiano.

               Dizem que eles fazem no Bar, uma boa língua . Nunca provei. Meu negócio é o camarão. Vou sempre com a Maria Lopes que chega suspira a cada minúscula garfada. Maria Lopes é muito somítica no comer. É um amor de pessoa, mas tem suas macacoas. Um dia, com raiva, beliscou o garçom. Foi um vexame.

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