O Guia Sávio da Cozinha Alagoana
Onde se come um grande camarão e um belo siri
Luiz Savio de Almeida
Eu não gosto
da expressão frutos do mar, embora seja mais do que utilizada. Fruto fica bem
para maga, jaca, cajá; não pega em camarão, tainha e mais trecos que vivem no
mar. Mar até que é palavra poética; oceano é mais geográfico. Eu nunca vi um pé
de camarão, pé de peixe-espada... Se um peixe-espada fosse plantado, seria pela
espada ou pelo rabo? Não sei. Um peixe-serra jamais poderia existir como árvore. Já pensou em pé de baleia? Uma
horta de siri? Coisa difícil de imaginar... Mas se necessário, podem ser possíveis.
No entanto, é
preciso reconhecer que tudo que é do mar é bom, pois quem é do mar não enjoa e chuva fininha é
garoa. Siri é de primeira; é o único bicho de casca que tem filé, parte nobre.
O bom filé de siri evita que a gente fique cuspindo. E onde tem o melhor? Onde?
Advinhe! No Cadoz, no Bar do Reinaldo. Tudo começa pelo passeio, no meio do
coqueiral. E a gente ganha o mundo na
estrada de barro, passa pelo Buraco da Julinda, passa por outro e chega na igrejinha dos
Remédios. Eu tomo uma para esquentar e gosto de mergulhar no Rio dos Remédios. Cachaça
e água fria de rio ninguém deve perder. Do lado da ponte, tem um bar; vale parar
para conversar besteira com o povo. Um dia, passei mais de hora vendo um teju;
eu acho uma coisa linda. Com, sorte, escuta-se passarinho, tem-se o prazer de
ver macaquitos, como chamaria qualquer pândego argentino.
Toma-se a
diretura do Cadoz. E, então, o caminhante encontra o Bar do Reinaldo. Bom é ficar
fora, onde tinha umas mesas toscas, feitas com carretel de fio (suponho). No mais, a beleza infinita da paisagem e um gavião
(mas é gavião mesmo) que, desejando, aparece e fica pescando, levando
os peixes para o mangue do outro lado. Vez em quando uma canoa, e vez enquanto
o siri delicioso, de incontáveis pratos. Eu gosto de misturar com farinha e
tascar pimenta, assoprar o fogo que ganha as entranhas misturado com aquele
gosto harmonioso entre o siri e o mundo.
Depois é
seguir rumo a Coqueiro Seco, parando, conversando na calçada com o povo, vendo
a Igreja, tomar o rumo de Santa Luzia do Norte, ficar de papo com o povo La no oitão
de outra Igreja. Quando meu amigo Wilson era vivo, eu sempre parava no bar
dele. No mais, é sair na estrada. Quem não deseja este caminho, volta
pelo outro lado. Normalmente, é a lua quem decide por onde vou.
Deve ser
notada a extraordinária mistura entre um rio, luar, gavião, cachaça e siri. Já o camarão que eu percebo
como o melhor de Maceió é justamente no Bar do Camarão no final da Avenida Jatiúca.
Mas que coisa boa... 0 gosto chega muito perto do caseiro, da minha casa e dos cuidados
culinários da minha mãe. O camarão aparece para mim nas beiras do São
Francisco, água doce, nas bandas da vetusta e leal cidade do Penedo. O camarão cozido com casca, leite e cheiro
verde, aqueles galhos de coentro que chega se enroscam nas cascas vermelhentas,
sem que o gosto do coentro espante e com
as cascas quase em tom sobre tom, inclusive frente aos pedaços de tomate.
O arroz branco
equilibra o prato, como guarnição. A tarefa
da guarnição é ressaltar o principal e, também, no meu
entender, complementar quanto à estética. A simplicidade do arroz absolutamente
solto é capaz de dar o que vou chamar de textura ao prato. Ao lado dele, a também
simplicidade da saladinha- tomate-cebola. Azeite e ai a porca torce o rabo.
Havendo uma pimenta de cheiro ou olho de peixe, o mundo se encandeia. Não sei
definir o sabor e nem sei se sabor é passível de definição. É bem verdade que
um prato é ele e sua circunstancia, em um espírito meio orteguiano.
Dizem
que eles fazem no Bar, uma boa língua . Nunca provei. Meu negócio é o camarão.
Vou sempre com a Maria Lopes que chega suspira a cada minúscula garfada. Maria
Lopes é muito somítica no comer. É um amor de pessoa, mas tem suas macacoas. Um
dia, com raiva, beliscou o garçom. Foi um vexame.
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