Dois dedos de prosa sobre Mácleim
Luiz Sávio de Almeida
Campus traz hoje, um músico de extrema
importância na atualidade de Alagoas, por uma série de motivos, dentre eles o
talento, a excelência e o senso profissional. Somos amigos e, para honra minha,
parceiros. Ele consegue, de modo excepcional, lançar em som o que pretendo com
ação, luz e palavras em teatro, sendo parceiro em A Farinhada e Uma noite em
Tabariz. Isto mostra a sua versatilidade, conseguindo dar sentido com sua
música, a um lastro rural a a um urbano.
Eu estava com um problema sério em A
Farinhada; pela forma como concebi o desenvolvimento do texto, saindo do
“despirocado” para o plano da tomada de consciência. Teria de acontecer um
momento de síntese de todo o espetáculo para que as consequências das cenas
anteriores chegassem ao ápice sem despertar uma catarse, mas distanciamento.
Minha opção foi fazer dança e a música deveria ser a síntese. Não dando certo,
acabaria tudo. Então, Mácleim chega com uma música magistral, cuja melodia
trazia tudo o que eu desejava e, então, os atores cantaram:
A
farinhada é assim...
A vida
inteira que passa
Pingando
fino
Nos
buracos da peneira!
Mácleim
salvou o texto, o espetáculo. Depois fizemos cerca de vinte músicas para um
musical. Uma delas está publicada aqui; é uma espécie de ária cantada em louvor
das prostitutas, trazendo a desesperança
para o palco ou o cansaço de anoitecer e amanhcer o dia. Novamente ele foi
magistral. Desculpem os modestos de passagem, mas ficou belíssima e
enternecedora, esta nossa homenagem a
quem sofre a tal ponto que diz: “O amor não consola o coração de quem vive
amargurado”.
Mácleim,
eu quero dizer de público: Obrigado, meu parceiro!
Clave
de sol, maio de 2014
QUEM
É QUEM
Cantor
e compositor alagoano de larga atuação em nosso universo cultural, com presença
em setores como jornal, rádio, teatro e, sobretudo, músico de primeira linha.
Mácleim marca posição de destaque.
AMOR NÃO CONSOLA O CORAÇÃO
Tema de Uma Noite em Tabaris
Luiz Sávio de Almeida e Maclém Carneiro
Amor não consola o coração
De quem nasce amargurada
Eu sigo na vida vivendo
Amando sem ser amada
Sou uma roupa lavada
Pendurada no varal
Que o vento bate e suja
No rolo do vendaval
Sou um pedaço de vida
Pingando de maresia
Um pedaço de tecido
Que já foi fantasia
Se gemo , gemo tristonha
Como geme uma fronha
Que não tem mais serventia
Como geme o lençol
Em que amor se acabou
A cama não se tem
Um quarto de vintém
Um quadro de Virgem Maria
O cansaço de anoitecer
E amanhecer o dia
UMA
INFORMAÇÃO SOBRE A CARREIRA DE MÁCLEIM
Cantor,
arranjador, produtor musical e autor de trilhas para teatro, Mácleim vem da
linhagem dos Festivais Universitários,
na década de 80. Depois, seguiu para o Rio de Janeiro, onde estudou no Conservatório Villa Lobos e alternou
apresentações na noite com trabalhos em vários estúdios (Master, Drum, Verde).
Isso lhe deu a oportunidade de trabalhar junto a artistas importantes da música
brasileira, como Antonio Adolfo, Djavan, Elba Ramalho, Milton Nascimento, entre
outros.
Neste
período além de trabalhar com Antônio Adolfo em bários shows, fez a produção do
disco Conexões do mesmo. Ainda como produtor fonográfico, produziu os
dois últimos discos do alagoano Carlos Moura.
Para
o teatro, compôs as trilhas das peças: "A Farinhada“, “A Ilha Se Fez Verbo
e Habitou Entre Nós”, Pluft o Fantasminha, O Patinho Feio, O Acendedor de
Estrelas e o musical “Uma Noite em Tabaris”.
Em
98, ganhou com a música "Nigromantes"
o primeiro lugar de melhor
arranjo do I Festival SESC de
Música Alagoana. Ainda em 98, fez uma turnê de 28 shows pela
Europa. Apresentou-se nos seguintes festivais: Schelde Jazz Festival,
Festival de Utrech, Festival BD, Montreux Meets Brienz Jazz
Festival e no Montreux Jazz Festival; no qual a música “Retalhos de Azul” foi escolhida para
fazer parte do primeiro CD do Montreux Jazz Festival Off, que teve lançamento
mundial.
Em 99, Mácleim participou de um projeto
no Centro Cultural Cidade de São Paulo, junto com Hermeto Pascoal, Leila
Pinheiro, Duo Fel entre outros artistas alagoanos. Apresentou-se também na Sala
Funart, do Rio de Janeiro, e no programa Jô Onze e Meia (SBT), junto
com Hermeto Pascoal e vários músicos de Alagoas.
Foi
colunista no jornal alagoano Edição Extra e foi selecionado
para integrar o Projeto Pixinguinha pela terceira vez – A
primeira em 1986, a
segunda em 1997 e a terceira em 2006, no qual a
caravana foi composta por Mácleim, Ezequiel Lima e o grupo vocal Nós
Quatro.
São quatro os seus álbuns lançados: Panambivera,
que saiu pelo selo francês Bongo Records, com participação de Jaques
Morelembaum e João Lira.
De maio a julho de 2001, Mácleim fez
uma nova turnê internacional de lançamento do seu segundo CD, "Internet
Coco". Na ocasião, foi entrevistado em programas de rádio e TV na
Suíça e Holanda
De volta ao Brasil, fez uma turnê pelo
Nordeste com o compositor Tunai, abriu o Show de Paulinho Moska no Sururu de
Capote e fez concertos em Brasília.
Durante uma apresentação no Teatro
Jofre Soares, ainda em 2001, mês de fevereiro, foi gravado o seu terceiro CD: “Ao
Vivo e Aos Outros”.
O álbum apresenta com vitalidade sua
proeminente mistura de MPB, jazz e ritmos regionais, além de contar com algumas
interferências de leve caráter eletrônico.
Em 2012 aconteceu o seu mais recente
lançamento, o CD “Esses Poetas”, no
qual o artista musicou 13 poetas alagoanos.
MEU ENTENDIMENTO DA ATIVIDADE
ARTÍSTICA QUE EXERÇO
Mácleim
Bem,
provavelmente, aqui, mais do que em qualquer outro lugar,
santo de casa não faz quase nenhum milagre. Portanto, não é valorizado e reconhecido
como deveria. Por
certo, este é o princípio básico de uma questão ainda a ser resolvida. A nossa
baixa auto-estima, enquanto povo, a nossa falta de pertencimento, não nos
permite olhar para o espelho que é a nossa cultura. Por
isso, todos os ícones da cultura
alagoana, desde Graciliano e Jorge
de Lima, passando por Djavan e Hermeto Pascoal, em algum momento tiveram que se
auto-exilarem, por falta de reconhecimento local e da crueldade que isso significa para
qualquer artista, além da falta de um mercado que possibilitasse a
sobrevivência digna pela arte.
Dito
isto, e sendo mais objetivo, por definição, toda produção musical que visa o
mercado, necessariamente, passa por três parâmetros bem definidos: produção,
divulgação e distribuição. Aqui, no nosso aquário, o segundo elo dessa cadeia é
rompido imediatamente. Portanto, paralisa uma engrenagem que deveria girar azeitada,
da seguinte forma: o artista produz seu disco, as emissoras tocam sua música, o
público toma conhecimento e compra os discos, vai aos shows e assim capitaliza
o artista para um próximo trabalho.
Na
produção musical a maior
dificuldade é financeira. Trata-se de um brinquedinho caro e quase nunca você
encontra com facilidade alguém disposto a bancar o seu produto, sob
a ótica de um investimento que dará retornos.
Na divulgação, aí o problema é mais amplo e chega a ser uma questão que
vai além da bossa realidade e o seu
aleijão cultural e educacional. É evidente que estou me referindo à música que,
por sua qualidade estético-musical, não está incluída na bagaça que nos
empurram ouvido abaixo, como se nossos ouvidos fossem pinico e,
perniciosamente, é consumida sob o auspício excludente, antidemocrático e
criminoso do JABA. Prática comum nas nossas (nossas, sob o ponto de vista da
concessão pública) emissoras comerciais.
Vejo
na atitude dessas rádios (e esse é o nosso maior calo), seus diretores e donos (todos, políticos, evidentemente),
algo maquiavélico e perverso, quando tentam subverter suas responsabilidades dizendo que tocam o que o povo quer ouvir.
Ora, se são eles, os diretores/programadores, que escolhem (através do jabá) o
tipo de música que será executada
em suas emissoras... Costumo dizer que cachorro só come osso porque não lhe dão filé.
Dessa maneira, a ignorância cultural se estabelece e o resultado se vê nas eleições
e nos representantes de um povo
que consome, aleatoriamente, de maneira acrítica, o que lhes empurram goela abaixo.
Eu
diria que faltam políticas públicas
responsáveis e comprometidas com a evolução cultural desse povo subjugado, sob
todos os aspectos. Falta, também,
mais responsabilidade cidadã de cada um que teve o privilégio do aprendizado
acadêmico e que prefere
o comodismo da manada acrítica. Falta o entendimento dos artistas
sobre o papel social que podem e devem exercer, posto
que qualquer segmento artístico não se preste apenas ao entretenimento. E falta aos
profissionais de comunicação, recém saídos das universidades, ou não, um olhar
mais atento e menos preconceituoso para a produção cultural alagoana. Só assim
será possível reverter o desconhecimento banal, que se torna pura ignorância,
que conduz a uma mediocridade hegemônica
e contribui para o vergonhoso establishment da
baixa auto-estima do povo alagoano.
O
trabalho autoral de um artista desconhecido como eu, principalmente se tiver
qualidade estética e musical, diante da mediocridade que reina desde os
docentes nas universidades até o cidadão de nenhuma escolaridade, enfrenta
maiores dificuldades de aceitação, sem dúvida. Algo já consagrado é o que as
gravadoras chamam de fórmula certa. Não me interessa fórmulas certas. Se fosse
assim eu estaria trabalhando na bioquímica, ou iria para um grupo de pagode
meloso, ou essas bandas de forró de plástico, ou ainda esse funk podreira, que
reproduz um produto de prateleira como um sabonete barato, ou uma aguardente de
péssima qualidade.
Costumo dizer que não fui eu
quem escolheu ser um compositor, ter a música como profissão. Ela, a música, é
quem escolhe seu hospedeiro. Portanto, se em Alagoas eu não consigo viver da
música, em um plano mais amplo e espiritual, eu diria que a pergunta não é bem
a que me fazem com recorrência: viver de música em Alagoas vale à pena? O
correto é se eu conseguiria viver sem ela, a música? E, sinceramente, Alagoas é
muito pequeno diante dessa questão.
TEATRO
Foi
pelos bastidores que saí da condição privilegiada de fruidor e,
profissionalmente, o teatro amalgamou-se em minha vida. Precisamente, no Teatro
Vanucci, Rio de Janeiro, no final dos anos 80. Fui conduzido pelo mestre
Antonio Adolfo, que me convidou para trabalhar como sonoplasta do musical
infantil “Passa Passa Passará”, com músicas dele. Naquela época eu não poderia
supor, nem tinha a menor noção, que a partir dali o teatro iria exercer uma
significativa importância em minha parca verve criativa e, principalmente, em
minha trajetória profissional. Foi um encontro feliz e inesperado. Fiz toda a
temporada do musical e depois continuei como sonoplasta do Teatro Vanucci, em
várias montagens que por lá passaram.
De
volta a Maceió, os deuses da ribalta, através dos discípulos de Linda
Mascarenhas, sob a sigla ATA (Associação Teatral das Alagoas), me
proporcionaram o que seria de fato a experiência mais fantástica e
inesquecível, só possível pelo contato direto com a essência da nobre arte: a
interpretação. De quebra, antes do início de cada espetáculo, pude entender o
significado das batidas de Moliere. Ao lado de atores talentosos, pacientes,
generosos e consagrados na cena alagoana, ousei, morrendo de medo, aceitar o
convite do Ronaldo de Andrade, do Otávio Cabral e do Homero Cavalcante para
pisar o palco do Teatro de Arena interpretando dois personagens do clássico de
Maquiavel, A Mandrágora.
Mais
uma vez não tive a noção de como eu já havia sido cooptado pelo teatro e de
como poderia desbravar novos caminhos pelos urdimentos dessa nobre arte. Porém,
logo percebi que como ator teria vida limitadíssima. Tal qual uma hiena faminta
a mediocridade estaria sempre rondando minha ousadia, pois este não era o meu
ofício e meu papel não estava no palco, talvez, nos bastidores.
A
temporada da Mandrágora acabou e eu fiquei quieto no meu canto com a minha
música, mais uma vez. No entanto, me sentia realizado pela sensação de ter
vivido um sonho bacana, dentro de um universo mágico, que acabou lentamente
como a cortina que desce ao final de cada espetáculo. Mal sabia eu que o melhor
ainda estava por acontecer. Outra vez, generosamente, os deuses da ribalta
fizeram chegar um convite tão inesperado como o que me havia feito o Antonio
Adolfo. Aliás, foi muito mais do que um convite, era um desafio daqueles que,
antes de qualquer decisão, da vontade mesmo é de fugir e a primeira pergunta
que vem à mente é: por que eu?
Pois
bem, o hoje parceiro e grande amigo, Sávio de Almeida, aquele da Igreja Verde,
de Comeram o Bispo Dom Pero Fernando Sardinha, de A Farinhada e Uma Noite em Tabaris, sim, ele mesmo, o
grande dramaturgo alagoano, do nada, me convidou para compor a trilha sonora
daquela que viria a ser uma das peças mais premiadas e de maior sucesso do
teatro alagoano.
Assim,
nasceu a nossa primeira parceria: A Farinhada e tempos depois o musical Uma
Noite em Tabaris. Assim, nasceu à descoberta de um espaço onde ouso trafegar,
convicto de ter encontrado a possibilidade privilegiada de propor sonoridades
capazes de intuir signos sensoriais à nobre arte. Assim, nasceu a minha
compreensão da importância que tem a trilha sonora como elemento construtor no
fazer teatro, onde, como em qualquer expressão artística híbrida, cada elemento
não é uno e sim parte do todo. Portanto, agora, em mim, habita um devir que se
estende além do proscênio e se ilumina todas às vezes que, humildemente, tenho
a honra de emparelhar o diálogo entre seres apolíneos e dionisíacos.
CARREIRA
Existe
um momento no qual damos de cara com a nossa vocação. Este é um momento único.
Bem diferente daquele em que descobrimos nossa aptidão, ou, como queira, dom.
Quando a vida nos concede esta dádiva, temos um instante de escolha, uma
decisão a ser tomada. Não raro, carece certa dose de coragem para fazermos a
opção pelo rumo a ser seguido, o desvio de rota necessário para toda uma vida.
Pelo menos, comigo foi assim. Quando de fato me deparei com o que considero ser
a minha vocação, corria os idos do século passado, no final dos anos 70 e
começo dos anos 80. Foi o palco sagrado do Theatro Deodoro que me deu o norte,
a noção exata do meu propósito neste plano. Acontecia o III Festival
Universitário de Música, o III FUM, patrocinado pelo DCE/UFAL.
Cursava
eu um dos últimos períodos de arquitetura, na Universidade Federal de Alagoas
(UFAL) e, como diz a cação: “aquela altura, arquitetura era uma loucura”. Ainda
vivíamos sob um regime político ditatorial, com pessoas sendo sequestradas,
torturadas e mortas nos porões do aparato repressivo do regime militar.
Vivíamos e lutávamos pela esperança de uma abertura democrática, onde a livre
expressão, enfim, prevaleceria sem ter que passar pelo carimbo da censura. Foi
nesse clima que, pela primeira vez, me vi no palco do Deodoro como um dos
concorrentes do III FUM, defendendo o xote, de minha autoria, Sem Remédio e Sem Doutor.
Não
precisei de engajamento político-partidário – aliás, nunca tive e nunca terei –
para perceber que aquele era o momento propício em que eu poderia, através da
minha música pueril, posicionar-me ideologicamente e, ao mesmo tempo, tentar
agregar à arte algo reflexivo e pertinente ao contexto social no qual vivíamos.
Mas, claro, este era e é um ponto de vista meu, uma opção de cunho estritamente
particular. Foi o que preferi fazer naquele momento, ao invés da suposta
alienação que alguns dos meus colegas, à época, optaram. Aliás, diga-se de
passagem, todos com absoluto sucesso.
O
engajamento ideológico da canção Sem
Remédio e Sem Doutor, que está no disco do Festival – relançado em 2009 –,
entre outros fatos pitorescos, me rendeu uma convocação para prestar
esclarecimentos ao departamento de censura da Polícia Federal, responsável pela
liberação, ou não, das canções que seriam gravadas. Aliás, lembro-me desse fato
agora, pois recentemente relembramos a triste memória do golpe militar de 64.
Pois bem, o refrão do xote diz: “e chora fio, chora muié / e vem dizer que é
Deus que qué / e me abuso sei que não é / se tá na cara que é coisa dos
coroné”. A pronúncia, cantada, é exatamente a mesma que está grafada. Portanto,
‘coroné’ não é o mesmo coronel de patente, não tem o mesmo significado. Fui bem
recebido pelo agente da PF que, cordialmente, me pediu para sentar e até me
ofereceu um cafezinho. Eu ainda não tinha lido O Capital, nem o Manifesto
Comunista, de Karl Mark, e nem precisava para entender o significado da ação do
poder econômico sobre o proletariado. Eu vinha de Murici, vivi o tempo todo
cercado pelas usinas de cana-de-açúcar e suas relações esdrúxulas com os
trabalhadores. Conhecia de perto a exploração desumana, a crueldade e
arrogância dos usineiros e seus asseclas. Recordo-me que me preparei para a
rebordosa na PF. No entanto, para minha surpresa, o agente foi direto ao
assunto: “a que coronel o senhor se refere nesta letra? Do Exercito ou da
Aeronáutica?”. Bem, nem lembro mais qual foi mesmo a minha resposta. Porém,
lembro-me, como se fosse hoje, que fiz um esforço tremendo para não cair numa
gargalhada incontrolável, diante de tamanha besteira, além de ficar sabendo que
na Marinha não existe a patente de coronel.
A
canção foi liberada, gravamos no LP do festival, e agora faz parte de um
contexto histórico muito mais relevante que o seu significado ou pretenso valor
musical. Eram
tempos difíceis, mas tínhamos objetivos, tínhamos criatividade e uma
efervescência cultural pulsante. Tínhamos ideologia para viver. Aliás, como bem
provocou e sintetizou Cazuza, tempos depois. Tínhamos também, já como
consequência do Festival Universitário, o Beira
Banda da Lagoa. Provavelmente, a primeira banda híbrida de Alagoas, que
fazia uma mistura de Rock e MPB. Nelson Braga, Jatiúca e eu – todos, alunos do
curso de arquitetura –, fizemos do Beira Banda um prolongamento do Festival
Universitário, com as mesmas esperanças e devaneios de quem goza os arroubos da
juventude e decide, utopicamente, dar os primeiros passos concretos por este
universo apolíneo, tão difícil e ao mesmo tempo prazeroso. Assim, sem o mínimo
de planejamento futuro e estrutura material, gravamos o que também deve ter
sido o primeiro compacto duplo (veja como cíclicas são as coisas. Hoje temos o
CD, que bem poderia ser abreviação de Compacto Duplo) de uma banda alagoana.
Bem,
eu permaneço fiel – ás vezes um tanto relapso – àquela trajetória de vida que
me foi apontada pelo III Festival Universitário de Música da UFAL. Não tenho do
que me arrepender. Caminhei e não me deixei enferrujar, cruzei fronteiras
levando e sendo levado pela música que faço. Com ela e por ela conheci lugares
e pessoas afins, aqui e alhures. Lancei dois discos na Europa e, lá, fiz shows
memoráveis em alguns dos maiores festivais de musica do mundo. Hoje, tenho uma
relação tranqüila e eterna, que me permite continuar tentando deixar um rastro
que, sobretudo, me orgulhe. Eu seria mesmo um péssimo arquiteto se a música,
generosamente, não houvesse me cooptado para outro mundo que me leva a outros
mundos. No entanto, usei régua e compasso – parafraseando o Gil – não para
erguer edifícios, mas, sobretudo, para traçar o esboço da minha sina. Para isso, simplesmente, um pentagrama me foi
suficiente delinear. A partir daí a vida que escreva a melodia que me cabe e
que foge ao meu alcance. Porém, sei que a origem está naquele Festival
Universitário dos idos de 80, que foi grafitado no muro da capa do LP e que
agora sobrevive tatuado em minha existência.
Mácleim (25/04/2014)
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