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domingo, 27 de julho de 2014

Luiz Sávio de Almeida. Bicas. Minas Gerais: Futebol, Mortes e outros babados

Domingo, 1 de janeiro de 2012

[HISTÓRIA: MEMÓRIA: BICAS: MINAS GERAIS] Luiz Sávio de Almeida. Bicas. Minas Gerais: Futebol, Mortes e outros babados




Perto de minha casa, morava um cara que seria meu melhor amigo em Bicas.  Eram dois irmãos: Jair e Jari, ambos filhos de Seu Edgard Machado,  alfaiate e célebre treinador de futebol do Leopoldina. A alfaiataria era em direção á praça da Matriz,  lado direito e muitas vezes fiquei sentado lá, conversando com o Jaii  que  era um espécie de aprendiz e ajudante do pai. Era gente fina. Jogava bola que não era brincadeira.  E talvez por eu ser seu amigo, é que o velho Edgard me treinava no time. Alias, de jogador daquele tempo, eu  lembro do Jair,  Marcinho e do Azeitona.  O Azeitona era um raio com a bola nos pés,  passava fulminante e ninguém batia pelo fato de ser um menino mesmo; quem sabe Azeitona teria sete anos?  Marcinho era especialista em bicicleta; franzino, mas bom de bola. O outro era o Jair, também franzino. Jogavam na frente. Eu era muito ruim, mas até que dava certo na lateral direita.



A área da primeira casa 

Houve um jogo que não esqueço:  sustentei a parada. Saí satisfeito da vida. Vou ao cinema, era um sábado, dia de ir ao cinema à noite.  Na porta,  um outro menino falou: “Você comeu a bola hoje!”.  Era a sensação agradável de quem cumpriu a missão.  Mas normalmente, eu era o que se chamava de perna de pau. Não tinha velocidade. Nas peladas em campo pequeno, dava para alguma coisa, mas em um campo mesmo, barbaridade,  nada conseguia fazer. E aí ficava aquele lateral recuado, baixo,  correndo pouco, indo  pela linha dos half e pronto. O campo do Leopoldina era tão careca quanto seu Edgar, cujo apelido era Testa de Amolar Machado. A cerca era quase inexistente, mas era olímpico para nós.

Acho que Bicas tinha uma Liga de futebol organizada e promovia campeonato regular. Pelo menos recordo três times: Leopoldina, o seu grande rival, parece que branco e vermelho, Sport, qualquer coisa assim e o Serrano que tinha a camisa do mesmo padrão do Flamengo. Por isso, eu era Serrano. Para ir ao campo do Sport (?), era andar um bocado, ficava para além da Matriz e muito.  O Serrano não tinha campo, e treinava às vezes no Ginásio.


Os grandes times do Rio repercutiam em Bicas. Eu não  recordo dos paulistas e, engraçado, nem mesmo dos grandes mineiros, mas lembro de uma exceção: um torcedor do Madureira.  Naquela época, alguns tinham esmero com suas bicicletas e elas eram enfeitadas com as flâmulas, que saíram de  moda.  O cara, eu encontrava vez em quando, numa lanchonete quase inexistente de tão pequena.  Havia a ladeira da lateral esquerda da Prefeitura.  Era uma porta em frente e, lá, o próprio dono vendia refrigerante, sorvete da Kibon e um fantástico sanduiche de mortadela além de revistas em quadrinhos.  O Madureira (ou será Bomsucesso?) era amigo dele e ficava peruando vez em quando, numa bicicleta com uma flâmula em cada guidon e um selim com o escudo do clube.  Não me lembro, também, de muita paixão por times de Juiz de  Fora e deles guardei apenas o Tupan que foi, inclusive, jogar em Bicas.



heroisdomengao.blogspot.com

Deste negócio de futebol, eu tinha tornozeleira,  colhãozeira, joelheira, chuteira e jogava um nada. Azeitona pegava a bola e dava show: tava-aqui-estava-ali e seguia indo e vindo numas firulas de me deixar doido. Na verdade, eu tinha  medo de seu talento. Não sei nada de sua vida, mas foi uma figura que me ficou ligada ao futebol, como Jair ficou ligado a uma verdadeira amizade.  Aliás, futebol em Bicas leva ao conhecimento de dois grandes ídolos do futebol. Conhecer é um verdadeiro exagero. Um deles foi Dequinha, do Flamengo. Disseram-me na rua que ele estava em um ônibus que seguiria para o  Rio de Janeiro. Corri; ele estava cercado de menino, em pé, na calçada da lanchonete vizinha ao cinema, a mesma do Cremona. Fiquei olhando, vendo o ídolo. O outro, eu não sei se é invenção minha, foi o Barbosa do Vasco; estava com o pé quebrado, qualquer coisa assim.  Bicas era próxima do Rio.

Engraçado, não sei e nunca soube onde ficava o cemitério em Bicas.  Isso significa que nunca acompanhei qualquer morte e elas devem ter acontecido.  Para falar mesmo de morte, recordo de uma, que nem sei se aconteceu de fato em Bicas. Era um funcionário do Banco do Brasil, gente fina, jogava pelo Serrano. Acho que o suicídio foi em Juiz de Fora.  E sei que meu pai gostava dele e foi ao enterro.  Ele costumava  mandar arroz de forno. Meu pai reclamava, mas tinha vergonha de rejeitar. Era gostoso. Acho que papai o protegia;  ele nunca foi de punir. Ouvia o zumzum lá em casa sobre os motivos.  Estava aí, uma ligação especial entre futebol e morte.

Uma vez, fui a um jogo de futebol, no campo que fica depois da Igreja. Eu ia com um amigo  e seguramente era o Jair. Lembro do detalhe de estar usando uma boina, que eu gostava; uma boina preta. Talvez por isso, eu use chapéu até hoje. Pois íamos conversando e de repente passamos na porta de um bar. Gente na calçada e um corpo coberto dentro do salão, com vômitos ao redor. Ele amava, e terminou seu amor, tomando uma dose mortal de formicida. Foi o segundo morto que vi em toda a minha vida. Um no caixão, os pés para a porta. O outro coberto, possivelmente, com tolhas de mesa de bar. A namorada disse adeus  ele encontrou a morte que as formigas têm quando são violentadas.

Uma outra violência que vi, foi no campo do Leopoldina. Eu fico imaginando como tudo poderia ter acontecido na época da inquisição, da Santa Inquisição.  De repente,  era aquela quantidade impressionante de menino correndo para o campo e vinha era de todo lado. Eu aqui embarquei na correria.  Chego lá,  um louco todo amarrado de corda. Impressionante; era o espetáculo a que se costuma chamar de dantesco. Mas amarrado mesmo. Como se fosse improvisada uma camisa de força miserável para um miserável.  Éramos todos miseráveis na mais crassa ignorância.

Houve um jogo que não esqueço:  sustentei a parada. Saí satisfeito da vida. Vou ao cinema, era um sábado, dia de ir ao cinema à noite.  Na porta,  um outro menino falou: “Você comeu a bola!”.  Era a sensação agradável de quem cumpriu a missão.  Mas normalmente, eu era o que se chamava de perna de pau. Não tinha velocidade. Nas peladas em campo pequeno, dava para alguma coisa, mas em um campo mesmo, barbaridade, eu nada conseguia fazer. E aí ficava aquele lateral recuado, baixo,  correndo pouco, indo ali pela linha dos half e pronto. O campo do Leopoldina era tão careca quanto seu Edgar cujo apelido era Testa de Amolar Machado. A cerca era quase inexistente, mas era olímpico para nós.


Nessa época, nós havíamos saído da rua que ficava à mercê do córrego. Vivemos uma amarga  cheia, a casa invadida de uma hora para outra, acho que mais de metro dentro de casa. Meu pai com receio de cobras que sempre aparecem nessas ocasiões, a perda de muita coisa, eu em cima da mesa... Sairmos para pernoitar na casa do alto da colina...  Imagino, como não estava nas casas da frente, lá nos lados onde era a residência de seu Elcio Muniz, ligado a meu pai, também funcionário do Banco, casado com Dona Alice, pai de Elcinho e de Rosaly. Seu Élcio tinha uma irmã, que vez em quando passava uma temporada em Bicas;  e vivia na Itália e era cantora lírica. Tinha uma filha belíssima.   Nunca mais os vi, apesar de terem sido absolutamente familiares em nossa vida biquense.


Ele morava no fim da rua e acho que o terreno chegava a ir próximo ao que penso ser uma praça na frente do Francisco Peres. O córrego era estreito e logo as águas subiam. Eu não me lembro para onde ele seguia. Eu o conhecia bem melhor para cima. Se eu não me engano, eu pegava à esquerda do Ginásio e andava um bom pedaço, até a um ponto do córrego em que foi feita uma pequena barragem e ali a gente tomava banho. Nadava.  Se também não me engano, era o caminho para o sítio de um senhor, talvez Victor Cúgola, que tinha um filho colega de classe no grupo. Uma vez nossa turma foi passar o dia no sítio e é daí que vem a lembrança.



Foi por conta das enchentes, que nós saímos da casa.  E fomos morar em outra, bem maior, que dava os fundos para a Leopoldina, tinha um grande quintal, uns cinco a seis imensos pés de Eugênia como se chamava o jambo. Eram árvores enormes e suponho que ainda existam. Os fundos  davam para a  região da oficina da Leopoldina. Ficava em frente ao Forum que ainda estava em construção. Quem sabe o nome da rua era Baeta Neves? Sei que tinha um pé de pêssego e uma pequena mangueira.

Nada mais sei da rua, mas fiz amizade com os meninos de uma casa assobradada, vizinha ao Forum, um deles parece que chamado Bertoldo. A casa foi importante, por quanto era o lugar de campeonato de futebol de botão.  No fim da rua, havia um cafezal com uma casa grande e me lembro da pessoa mas não sei o nome.  Antes de chegar até à casa e ao cafezal, havia qualquer coisa assim como uma beneficiadora de mica, malacacheta.


Uma das cenas inesquecíveis nas andadas e em termos de violência, presenciei na rua central de Bicas. Bicas tinha um valentão oficial: esqueci o nome. Era também ligado a jogo de azar e parece que morava em algum povoado. Perto do Hotel, escuto "Lá vem Fulano".  Olhei, vinha pelo meio da rua, sangrando e diziam que tinha um canivete enfiado na cabeça.

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