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domingo, 27 de julho de 2014

Rio São Francisco: Transposição: Uma antiga entrevista e um tema atual

Segunda-feira, 26 de dezembro de 2011


O bom amigo Plínio Lins
                  blog.tudonahora.com.br


Este é um texto antigo e data de 2007.  Foi uma entrevista que deve ter sido publicada em setembro de 2007 em O Jornal.  Pelo menos, é a data em que remeti o imêio para Plínio Lins, que era Editor Geral do periódico. Plínio é um jornalista de primeira linha e a quem devoto admiração. Um cara honesto.  A entrevista foi publicada na página de Economia que era da responsabilidade da Milena Andrade. Ela demonstra e ainda hoje deve ser assim, a verdadeira angústia do povo quando a questão aflora. Eu julgo o texto muito atual. 


Como  acha que se encontra a discussão da transposição?

A transposição do Rio São Francisco parece ter sido retirada da grande pauta do momento político, de evidência na ordem do dia.  Não se escuta mais falar nela, com o alvoroço político que merece. Faz tempo que sou um curioso sobre a questão e um devotado defensor da revitalização.  A história do rio de São Francisco se arrasta na medida em que se teve a montagem da matriz de produção da economia branca;  ela resignifica  as  águas que vão assumir, mormente na metade do século XIX, posição central no processo econômico que lidaria com a idéia de modernização, compra de vapor financiado pelo capital inglês. Depois, as águas assumem a nítida condição de mercadoria,  pois o processo fundamenta a sua ligação com a energia. Posteriormente, elas vão ser objeto das interferências do Poder Público através da idéia de mudança social deliberada e, finalmente, colocada na matriz salvacionista do nada; nada passa a ser um lugar por onde o rio deve satisfazer sua nova história de mercadoria.

Tem lido material interessante sobre o assunto?

Andei começando a querer estudar a questão e, procurando material para ler,  terminei encontrando algo interessante no fundo das coisas da Biblioteca da Secretaria de Planejamento. Trata-se  do resultado de uma sondagem de opinião pública que foi realizada no primeiro semestre de 2005 e cujos resultados, sem dúvida, ainda hoje seriam válidos. Foram ouvidas 494 pessoas em áreas urbanas e rurais vinculadas  ao baixo curso do rio em nosso Estado, mas nada impede de considerar que haveria posição semelhante em Sergipe, afinal de contas o baixo curso tem características homogêneas, não poderia ser considerado um mosaico. O resultado desta pesquisa fala sobre Alagoas e também sobre Sergipe.


Qual foi sua primeira sensação de leitura?

Li com interesse e fiz uma série de anotações. Entendob que os resultados deveriam ser urgentemente repassados para o grande público. Talvez ajudassem a sentir que a população tem algo efetivamente a dizer, que não são as audiências, somente, que trazem a possibilidade da opinião pública se manifestar. E quem sabe, elas podem inclusive esconder a posição de toda uma gente humilde que se espalha nas beiras do rio. Praticamente, todo ano passo uma semana dentro do rio, subindo e depois descendo, conversando com o povo, aprendendo e, sobretudo, ouvindo e vendo as crianças passarem carregando um futuro que tem muito da água e da sede que passam sobre o que fizerem com um rio.


Qual era a característica desta pesquisa?

A amostra do levantamento ou do survey (termo tão ligado à sociologia americana) levantou informações com 494 pessoas tanto da zona rural quanto da zona urbana que estava representando 52% do total. Em termos de gênero, 55% dos entrevistados eram mulheres. Há uma boa proporcionalidade entre os gêneros e também ocorre quanto à localização. É importante verificar como a amostra aponta para a incrível distorção na distribuição da renda regional.  Estamos diante de um rio cujas águas se transformaram em mercadoria acionada para a  riqueza e, na realidade, diante de um povo paupérrimo. Praticamente, a metade da população ganha até um salário mínimo (48%); até dois salários temos 78%. Isto se liga ao nível de escolaridade: 27% de analfabetos e 53% de primário incompleto.  Na verdade, portanto, tem-se na pesquisa uma manifestação - a presumir-se verdadeira - do conjunto da população, com igual possibilidade de expressão dos pobres. Não é uma expressão de confronto como se dá em audiências, passeatas e quejandos: é uma expressão em situação de mais calama, mais ponderação. Infelizmente, os dados não foram cruzados. O relatório é extremamente simples; não se pode comparar posições, mas o peso das escolhas é de tal forma significativo, que parece ter ocorrido homogeneidade. Homem e mulher, jovem e idoso, pobre e rico tendem a pen(s)ar da mesma forma quando se pede posições sobre a transposição do rio.

Qual um ponto vital que a pesquisa enfoca?

Inicialmente, é preciso considerar uma questão que poderia parecer o óbvio: a região não se pode conceber sem o rio. Ele é um elemento que está presente, portanto, na identidade de todo um conjunto da população. Sem rio há um vazio ou, se permite a licença poética, um va(r)io. Praticamente, 100% das pessoas afirmam a importância do rio em suas vidas e, portanto, é possível deduzir como  a transposição está deixando uma imensa expectativa no seio da população. Trata-se de uma população que vê, enfaticamente, piorando as condições de emprego e renda, pesca, meio ambiente. Chamados a ponderar passado e presente,  38% afirmaram que para a renda e emprego a situação não havia mudado e 43% que havia ficado pior. Emprego e renda são elementos que atingem a um largo espectro de informações sobre o processo social.

A transposição é um tema corrente?

A informação de que o governo pretende a transposição circula ao longo do rio. 95% dos entrevistados ouviram  falar da transposição e o grande meio foi a televisão, seguindo uma rede informal de relacionamento, composta por amigos, conhecidos e parentes: respectivamente 51% e 23%. Os meios de comunicação de massa, em conjunto, foram responsáveis por 74% da circulação da  informação.  As duas idéias gerais que foram fornecidas revelam que há uma base sobre a qual se raciocina: água, leito, desvio.  50% das pessoas que se consideraram informadas, definem  a transposição como levar a água do rio para outros locais, enquanto 12% falam em mudança do curso: desvio. É interessante notar que em torno de um terço não sabe definir o que ela significa. Pelo que sinto, jamais houve um trabalho conseqüente de informação e discussão. Vi barqueiro chorar, sem saber o que seria o futuro. Vi homem de oitenta anos, olhando velha foto de uma canoa de tolda com os olhos marejados. É triste.

A população acredita em políticas públicas?

Existe uma tendência que demonstra o modo como a população da área vem sendo tratada. Ela vem dividindo o espaço em categorias de espaço que operam na transposição com uma lógica  a que vou chamar de desespero; quanto maior for o benefício que tenha possibilidade de ocorrer, quanto mais  longe do local ele ocorrerá. Ninguém acha, por conseqüência, que o Estado beneficie o local na medida em que ele argumenta com a transposição; se  por acaso resultar algum benefício ele será improvável e acontecerá longe do local. Também entende a população que o prejuízo corre a ordem inversa: ocorrerá mais perto.  É o que acontece com a visão geral da transposição.  Para a amostra no total (composto por pessoas que sabem e que não sabem o que significa a transposição do rio), 52% acreditam que a área de sua cidade será prejudicada. Quando se trata dos que afirmam saber da transposição, cerca de 88% afirmam que o local  será prejudicado.

O que se delineia, portanto, para a população é um abalo no cotidiano local?

                                              flickriver.com
Não é mole. Em torno de um quinto da população entende que na sua área, infalivelmente acontecerão prejuízos na linha do  cotidiano. Se os dados são verdadeiros, há um sentido plebiscitário nos resultados desta pesquisa. A pesca por exemplo é vista como  radicalmente ameaçada. Ela que já vinha deteriorada pelas transformações introduzidas no rio, agora é vista mais ameaçada ainda: praticamente a totalidade dos que dizem saber da transposição consideram que em seu local a pesca será mais prejudicada ainda. Nesta mesma linha, posiciona-se 70% com relação à agricultura, percentual aproximado (71%) do que se relaciona com emprego e renda. Quanto à navegação e transporte, 81% consideram o local prejudicado. De fato é de se perguntar se o Governo efetivamente ouviu a este povo. Na última viagem que fiz na área, o povo estava espantado com o que poderia acontecer; este foi um dos maiores desrespeitos que já observei em toda a minha vida. 

E a idéia de revitalização como correu na área?

A idéia da revitalização do rio não circulava na região da mesma forma que a da transposição; tanto é que 62% da amostra não ouviram falar desta proposição. Então, é possível pensar que a discussão jamais existiu no volume que merecia e que foi escamoteada. Os que disseram ter ouvido falar na transposição, abrem um verdadeiro leque para a elaboração de um grande processo de recuperação do rio. É interessante como o local ressurge com a revitalização. Com ela, a população encontra benefícios a serem lançados no cotidiano. 90% das pessoas que ouviram sobre a revitalização,  entendiam que o local seria beneficiado e que beneficiaria também os espaços mais abrangentes, como o Baixo São Francisco, o Estado de Alagoas e o Nordeste. É alta também a expressão de confiança na revitalização como alicerçando a pesca local e nos demais espaços. A mesma posição é assumida para com a agricultura e para o emprego e a renda. Taxativamente, o povo do Baixo São Francisco condena a transposição e defende a revitalização.

O que deveria acontecer?

O balanço dado nesta pesquisa sugere que se retome urgentemente a colocação do problema junto ao povo. O povo parece-me que efetivamente jamais foi ouvido. Houve muito barulho, fogo de artifício, mas a julgar pelos dados se realmente o povo fosse ouvido, não se teria uma posição de cúpula atingindo com "mão-de-ferro" toda uma região.  Talvez fosse melhor dizer que  houve tentativa de ouvir e daí a audiência, mas não houve o proposto de escutar e daí a sandice. O povo entende bem o que significa para seu cotidiano a diferença entre o transpor e revitalizar. Pelo menos é o que revela esta pesquisa. Os termos da questão não se modificaram; duvido que este quadro da opinião pública tenha se transformado neste quase um ano. O Governo Federal está absolutamente mesquinho e irreconhecível neste apagar a população para escrever um resultado.

E o que o senhor tem a dizer sobre o Canal do Sertão?

Pouco sei. Possivelmente, estarão construídos em torno de 25 km. Nada indica que obrigatoriamente terá continuidade. E, tendo, nada indica quando e como serão desenvolvidas  obra e suas consequências. Suponho que uma série de definições preliminares jamais foram tomadas.  É preciso que o Governo do Estado esclareça o que de fato quer com a obra. Para mim,  é preciso ter um cuidado imenso e o canal não ser o caso típico da culatra saindo pelo tiro; nem mesmo do tiro saindo pela culatra... Será mais uma composição do capital no campo que poderá desalojar, por exemplo, o pequeno proprietário? Até onde o Estado poderá ir com aportes capazes de neutralizar o poder que o capital terá?  Ou será que o Estado, deliberadamente, está pensando em favorecer o capital que poderá investir em irrigação, sob argumentos cansados como a formação de renda regional?  Passar água por um canal é uma coisa; dar destinação social à água que passa é outra completamente diferente.  Deveria ser aberta uma boa discussão publica; suponho que não seria bom que a discussão ficasse na esfera dita técnica, se é que ela está existindo. Infelizmente, o assunto não vem tendo evidência pública, como merecia ter. É preciso que a sociedade civil assuma o tema.  Melhor agora, do que depois quando Maria já terá ido com as outras.

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