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domingo, 27 de julho de 2014

Manoel de Almeida. A agência do Banco do Brasil em Bicas (MG) os primeiros anos da década de cinquenta do século XX

Sexta-feira, 23 de dezembro de 2011














Esta é uma pequena parte do diário do meu pai falando sobre seus tempos em Bicas, Minas Gerais. Ele tinha a mania de registrar o que acontecia e, como era sistemático, deixou uma imensa pilha de anotações. Sobre Bicas, utilizou umas poucas e escreveu duas páginas de seu livro cuja referência encontra-se abaixo. 




ALMEIDA, Manoel. Mémórias de um homem comum. Maceió: Instituto Arnon de Mello/Sindicato da Indústria do Açúcar do Estado de Alagoas/ Cooperativa Regional dos Produtores de Açúcar e de Álcool de Alagoas/ Associação dos Produtores Independentes de Açúcar e Álcool, 1992, p. 168/169.



Capa do livro do meu pai

Bicas era uma cidadezinha da Zona da Mata do Estado de Mina Gerais, com cerca de seis mil habitantes, a quarenta e poucos quilômetros de Juiz de Fora, cidade centro da região. Atividade econômica pouco expressiva, comércio pouco desenvolvido [...] Não havia estabelecimento industrial de maior porte [...[, as oficinas da Estrada de Ferro Leopoldina  [...] davam emprego a uns quinhentos operários. A agricultura era inexpressiva, destacando-se, apenas,  algumas plantações de café de baixa produtividade.  O que representava alguma coisa na economia era a criação de gado leiteiro, cuja produção era [...] despachada para o Rio de Janeiro.

Embora eu houvesse concordado em ir para lá como gerente, não posso dizer que a escolha tenha sido espontânea. É que não mais me interessava ficar em Penedo como contador mas não  queria afastar-me muito do Recife, onde minha filha Sávia desejava prosseguir no colegial e depois no de medicina, não me sendo possível, assim, voltar a trabalhar em Minas. Mas ao fim de 1951 eu estava ansioso por voltar ao Nordeste.

Já tinha então três filhos, dos quais Sávia era a mais velha, Luiz Sávio com 9 anos e Rita Maria, a mais nova, com seis meses de idade.  Sávia teve de ser internada novamente, daquela vez em Juiz de Fora, no Stela Matutina. O menino concluiria o primário lá mesmo em Bicas, no Ginásio Francisco Peres.

A agência acompanhando  a situação da Zona,  era de porte modesto e pequeno em tudo.  Em número de funcionários, em depósitos, no número de operações e no montante das aplicações, vindo, de muito tempo, apresentando resultados deficitários.


                                                                                                                     bicasturismo.blogspot.com
O Banco do Brasil ficava neste trecho, um pouco mais à esquerda, pelo que me lembro. Vizinho, uma loja de fazendas de um libanês, pai de um menino que foi um grande amigo meu: Kamal.  Ele migrou para Volta Redonda. Tinha um irmão mais novo chamado Hassid.  Tentei aprender árabe com o pai deles. Não saí da primeira letra do alfabeto ( LSA)

Eu não pretendia demorar-me muito no cargo, mas, nem por isso, me conformaria em deixar as coisas como estavam. Eram escassas as oportunidades da economia local, mas, mesmo assim, não estavam aproveitadas sequer pela décima parte. O trabalho foi árduo e cansativo mas contei com a cooperação irrestrita das classes produtoras e do funcionalismo da agência, merecendo destaque especial o sub-gerente Wilson Mendes de Freitas, que muito me auxiliou em tudo.

O êxito que alcancei nos dois anos e meio que permaneci na gerência da filial não atingiu, sob alguns  aspectos, o que eu desejava.  Não consegui eliminar o crônico defict operacional, mas reduzi à décima parte do que encontrei.  Porém isto, olhado por alguns ângulos, era muito além do que se poderia esperar pois o movimento das aplicações  multiplicou-se por dez e o número de rurícolas atendidos subiu a cerca de cinquenta vezes mais, mediante créditos normais e adequados. Face ao pessimismo que vigorava antes de minha gestão, o que aconteceu foi verdadeiro milagre e eu estava satisfeito com o trabalho realizado. 

Mas cada dia se acentuava a necessidade de voltar ao Nordeste e assim candidatei-me à remoção para diversas agências. Do ponto de vista funcional, muita coisa eu teria a dizer sobre  aquela fase, se me fosse cabível estender-me mais. [...] Certo dia  recebi aviso telefônico de minha remoção para Palmares-PE, com a condição de desligar-me imediatamente. E cinco dias  depois eu havia resolvido, vendido por qualquer preço os poucos móveis que possuia, estando pronto para a viagem.
                                                                                                                      
Até as nove ou dez horas tomei as providências  finais junto à agência e viajei  de ônibus a Juiz de Fora, tomando ali novo transporte ao meio-dia para chegar ao Rio às três horas da tarde.  Tive tempo de ir ainda à Direção Geral do Banco, lá recendo a documentação e instruções necessárias e, de volta ao hotel, comprei as passagens, de modo que à meia-noite estava tomando o avião com a família.

Estação Ferroviária  do Recife
As seis da manhã  estávamos na estação da estrada de ferro, no Recife, e tomamos o trem com destino a Palmares, onde chegamos antes das dez horas, houve tempo para almoço no hotel e, ao meio dia, início do expediente bancário, eu estava me apresentando para tomar posse.  Praticara a façanha de, mudando-me com a família, trabalhar um dia em Bicas, no interior de Minas Gerais e, já no dia seguinte, na hora certa, estar ativo em Palmares, no interior de Pernambuco, tendo viajado com volumosa bagagem, em dois percursos de ônibus, hospedagem em hotel no Rio, um percurso de avião e mais um percurso de trem, sem contar com o tempo gasto em transportes locais.



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