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domingo, 27 de julho de 2014

Alagoas e a escrita senhorial de Moira



Segunda-feira, 26 de dezembro de 2011




Este texto foi publicado em Espaço, O Jornal, Maceió, Out. 2008


O que Moira faz!


Vive o sono eterno: morreu. Chegou  a Presidente da Província das Alagoas em 1836; maiores informações sobre sua vida podem ser obtidas em Abelardo Duarte e José Maria Tenório da Rocha, ambos citados no corpo do artigo.  Moreno Brandão escreveu: “ A biografia deste repúblico é escassamente conhecida. Dele se sabe apenas que é filho do Rio Grande do Norte, representou o Ceará como deputado geral, 1ª e 2ª legislaturas, e faleceu na antiga Província do Rio de Janeiro, a 15 de fevereiro de 1854, com 78 anos de idade, tendo sido inumado na igreja de Nossa Senhora da Conceição, em Niterói.”.


A história almanaquista: explicação 



senhorial do espaço das Alagoas
Luiz Sávio de Almeida





O que Moira falou sobre Maceió






            A Cidade de Maceió marítima; moderna Capital da Província, Residência do Presidente; do Chefe de Polícia; do Juiz de Direito, Corregedor da Comarca; reunião da Assembléia Provincial; assento das duas Tesourarias; do Almoxarifado, de uma coletoria, e uma Mesa de Inspeção dos Algodões tem uma cadeira de Latim, e outra de Francês; uma de Lógica; outra de Geometria, e outra de Retórica, duas Aulas de Primeiras Letras, para um e outro sexo. Tem um sofrível quartel para as tropas.

            Esta colocada em uma planície elevada próxima do litoral, e guarnecida da parte do Norte por uma colina longa, que se estende de Leste a Oeste; é mesquinha de água potável, seu terreno árido, e arenoso, fica em uma espécie de península formada pelo Oceano a Leste; Alagoa do Norte à Oeste, e a Barreta ao Sul; de istmo lhe serve todo o lado do Norte, e suas entradas são pelos dois extremos da linha da colina pelo lugar do Poço, e do Bebedouro.

            Compreende no seu Município a Povoação e Arraiais seguintes:

            A Povoação, de Jaraguá bem na praia, defronte do Ancoradouro, aí se acha colocada a Alfândega, o Armazém de depósito de Madeiras do Estado para a Marinha Nacional; vários trapiches; um Estaleiro; é a residência do mestre construtor, empregado encarregado da fiscalização dessas madeiras; do Patrão Mor; é totalmente estéril de água potável, que lhe vem de fora; fica arredada da Cidade para o Nordeste um quarto de légua; grande parte do comércio, aí se acha fixado de 1831 para cá [...]

            O arraial da Freguesia da Pióca 3 léguas distante para o mesmo rumo de Nordeste próximo do litoral.

            O Arraial do Bebedouro, uma légua para o Norte, abundante de boa água potável, por estar à margem de um córrego perene, donde se fornece parte da Cidade; é aqui o pouso ordinário dos tropeiros que conduzem do interior os gêneros de exportação, e consumo da cidade; que ali se demoram com suas tropas, até voltarem carregados com o retorno para as Vilas, Povoações, e Arraiais, fazendas, e engenhos do interior, tem aí um pontilhão  sobre o córrego onde se atravessa porque antes fazia grande atoleiro e tijucal.

            O Arraial do Trapiche uma légua escassa da Cidade para Oeste à margem da Lagoa do Norte interposto das madeiras, e de todos os produtos do interior que descem embarcados pelas lagoas e não querem expor-se ao perigo da Barreta; daqui para a Cidade ou para Jaraguá se conduzem em carros por uma bela estrada; a melhor que na Província e quiçá em muitas outras.

            Cumpre declarar aqui antes de passar a outro Município, que nestes últimos tempos, se empreendeu um canal de comunicação da lagoa do Norte até o interior da cidade de Maceió obra de sumo interesse; e que dá grande impulso ao comércio, e engrandecimento da cidade; pelo que os habitantes concorreram com uma subscrição voluntária; mas a obra não se fez como convinha; porque não se obteve do Governo Geral o auxílio pedido; ao menos de um Engenheiro!! e por isso tem esboroado as terras mal colocadas; pelo que apenas hoje lá entram canoas na preamar que influi na lagoa. A esterilidade de Maceió diminuiria muito se todos os que ocupam os lugares frescos do Cambona próximos da lagoa do Norte, e do Poço, seguissem o exemplo do Cirurgião Mor Antonio Pereira Cardozo, e do Negociante Graça nas chácaras que tem, e podem ser normais.

O que Moira falou sobre Marechal Deodoro





           
  Cidade das Alagoas, antiga Capital da Província légua e meia arredada do litoral, situada à margem sul da Lagoa Manguaba, por uma colina acima e na sua planície; falece aqui, não só o comércio, senão a indústria e as artes; é fértil de água potável dos Arroios Sebaúma, e Utinga que lhe correm ao Sul, e a Leste; abunda de jacás, camarões, e siris de [...]; nos meses de Maio, Junho e Julho nem peixe há, por ser vedada por lei Municipal, a pescaria de arrastão em razão da procriação de peixe nesses 3 meses. Há aqui dois Mosteiros Monacais; um de Franciscanos, para onde destacam dois ou três da Bahia; a casa ainda que muito pequena é menos má, tem boa cerca de pedra e cal murada que encosta na lagoa; o templo é asseado; o outro era de Carmelitas, sito lá para o extremo Sul da Cidade; há muito que se acha pro derelicto e sem Frades, e o Templo está em estado de ruínas! Em quanto ali foi a Capital, o governo aproveitavas a casa para hospital militar, depósitos, armazéns e quartel.


            A Matriz é boa, e está bem colocada. As poucas casas de sobrado que há, são antigas, e feitas sem gostos nem cômodos e pior as térreas. A perspectiva desta cidade é assaz desagradável, e suas ruas sem ordem, nem simetria; e o terreno mal escolhido; só tem de belo alguns golpes de vista da Lagoa. É a residência do Juiz de Direito corregedor da Comarca; tem uma coletoria, uma aula de latim quase deserta; Escolas de primeiras letras para ambos os sexos. Um Palacete feito em 1836, porque antes não o havia, o qual ficou inutilizado, com a mudança da capital.  Na cadeia, e na casa da câmara será bom não falar; naquela para não magoar o coração sensível, e nesta por vergonha...!!

            Contém em si o Município desta Cidade a Povoação e Arraiais seguintes:

            A Povoação de Taperaguá, próxima e a Leste da Cidade; bem se lhe podia chamar um bairro dela, separado por três pontilhões sobre os arroios  Utinga, Sibauma, e o esgoto Maguaba. Tem uma Capela do Sr. Bom Jesus, e alguns sobradetes frágeis, que alguns fazendeiros, residentes em seus engenhos, mandaram lá fazer, só para quando concorriam ali a uma suntuosa festa, que se fazia em outro tempo; hoje porém só resta disso, a triste recordação do passado.

            Nasceu nesta Povoação a Mãe de D. Marcos Antonio de Souza, finado Bispo do Maranhão que segundo a tradição, dali fora para a Bahia.

            O Arraial do Pilar no extremo Oeste da Lagoa Manguaba distante da cidade de 3 para 4 léguas; nada tem de notável, senão ser aí o lugar do embarque dos gêneros produzidos no interior que se levam para Maceió, ou mesmo para a Cidade das Alagoas em canoas ou barcaças.

            O Arraial da Barra de São Miguel o Suplício de D. Pedro Fernandes Sardinha o 1º Bispo da Bahia, que regressava para Portugal no ano de 1556 e fez naufrágio nos bancos de denominam Bancos de D. Rodrigo, que demoram amarados entre a Barra do Rio S. Francisco, e à de Coruripe [...]





O que Moira falou sobre Penedo

              Cidade do Penedo vantajosamente situada à margem do Rio S. Francisco da parte do Leste, sete léguas acima de sua foz, por uma colina acima cuja rocha lhe empresta o nome, de cima da qual se descortina o curso desse grande Rio duas léguas para baixo e outro tanto para cima; tem bastante comércio, e muito mais teria se a entrada da Barra não esmorecesse os especuladores. Há muito elegantes casas, e bastantes sobrados de um, e de dois andares; pela maior parte edificados ao gosto moderno, e cômodos; um hospital de caridade da invocação de S. Gonçalo Garcia; um belo convento de Franciscanos; a casa da Câmara e Cadeia são as melhores e toda a Província, colocadas na eminência, oferecem uma vista embelezadora, não só do rio, e ilhas que se formam nele, e sua freqüente navegação por chalupas peculiares, se não para esquadrinhar da Província de Sergipe a Vila Nova, que está defronte e à margem oeste do rio, assim como o Arraial do Carrapixo de d’onde se extraem e exportam muito boas pedras de amolar de gran mais ou menos fina.

            A casa da Câmara do Penedo está bem mobiliada, e ornada com riqueza; aí se reverenciam na melhor sala as Efígies do Sr. D. João 6º D. Pedro 1º, e do Sr. D. Pedro 2º. Faz ângulo com este grande edifício outro também de sobrado com grande edifício outro também de sobrado com grande galeria de sacadas de grades de ferro de propriedade da mesma câmara; que serviu em outro tempo de residência aos Juízes de Fora, e hoje anda de aluguer. Esta casa, a mobília, e o ornato da outra casa, bem como o calçamento de toda a cidade, deve-se ao zelo e desvelo do então Juiz de Fora, Luiz Antonio Barboza de Oliveira natural da Bahia, e hoje Desembargador aposentado na Relação do Rio de Janeiro. Tem nesta cidade residência o Juiz de Direito Corregedor da Comarca, uma coletoria, uma mesa de inspeção de algodão, aulas de latim, de lógica, de francês e duas escolas de primeiras letras para um e outro sexo, há uma grande feira semanal nos Domingos, à qual concorrem vivandeiros de toda a parte, para vender e comprar todo o necessário para a vida, não só do circuito da cidade e da Província, senão da de Sergipe que transportam pelo rio; ali aparece de tudo que se produz, quer ao perto quer ao longe, sem excetuar infinidades de sanguessugas produzidas em charcos, e lagoa que para lá há, e que os especuladores, e traficantes deste gênero exótico, tem empenhado todos os meios para desacreditar esta descoberta de um hábil facultativo que por lá andou; mas a verdade vai triunfando da impostura fraudulenta.

            Nota-se nesta cidade uma singularidade destes nossos tempos; e é que ainda não teve lugar ali a menor sedição revolta, ou coisa que se aproxime de Anarquia! Os Povos vivem tranqüilos e pacíficos; obedientes e respeitadores das autoridades, não por covardia; porque em abono da verdade, são eles por caráter os mais valentes em lide; mas por índole, e educação desde a sua origem: não é fácil encontrar-se no Penedo um indivíduo mesmo da plebe que não tenha um ofício liberal econômico, impropriamente chamado mecânico de que subsista honestamente.

            As mulheres são em extremo recolhidas, e tímidas; trajam com gala e riqueza, porém não se deslumbram com exageradas modas de especulação estrangeira por cujo ardil nos tem sutilmente aliviado do peso do ouro com que se ataviavam as nossas belas.

            Os oriundos desta cidade, quase no geral, fornecem bons empregados não só à Província senão para fora dela... Venha em abono desta asserção o seu Decano o Coronel Francisco Manoel Martins Ramos sem receio de contradição.

            É digna de visitar se neste município a formidável fazenda da ilha grande dos Frades Beneditinos, à margem do Rio, entre a cidade e a povoação de Piaçabuçu, é como uma aldeia formada só domésticos, abunda em tudo que é criação principalmente de gados de todas as espécies. Condados há no velho mundo que não valem tanto! e ainda mais seria se andasse melhor administrada.


A famosa geografia  de Moira sobre Alagoas


Luiz Sávio de Almeida



A edição e o editor


            O texto de Moira é essencial para que se perceba a construção paulatina de uma escrita sobre Alagoas. Não há assinatura que se responsabilize por ele: aparece  como de autoria de Hum Brasileiro, tendo sido  publicado no Rio de Janeiro pela Typ. de Berthe e Haring, que funcionava na rua do Ouvidor, nº 123. No ano de 1845, ela estava listada no Almanaque Laemmert.  O Opúsculo encontrava-se registrado no acervo da Biblioteca Nacional sob o nº 11.449, conforme aparece nos Anais de 1881-1882 e havia exemplar na biblioteca do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas, que pode ter ingressado no acervo logo nos começos de vida da instituição. Hum Brasileiro qualifica seu trabalho de opúsculo, livreto, coisa assim. Ele vai ser relmente abordado pela primeira vez em Alagoas por Abelardo Duarte.  Moira escreve em um período em que a idéia da construção de uma história do Brasil ainda não havia delineado um de seus primeiros clássicos:  Varnhagem, 1854.


 Moira escreve passados oito anos da fundação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e do Arquivo Nacional, quando o Império procurava transmitir-se, fazendo a história nacional, conforme se pode anotar de Rezink (2008). Aliás, este nacional explodirá em locais, o que vai ser reforçado, posteriormente, com a criação dos Institutos provincianos que  tenderiam à busca do local, como se pode depreender a partir de texto de Callari  (2008). Em sua abordagem, Duarte aproveita a oportunidade para realizar um repasse na produção geográfica em Alagoas e inicia seu trabalho relembrando  que José de Alexandre Passos considerou o Opúsculo como pioneiro e dirá, também,   que Dias Cabral não valorizou o conteúdo do trabalho. Hum Brasileiro foi identificado, segundo Abelardo Duarte, como Moira: tratava-se de Antônio Joaquim de Moira.  Abelardo Duarte é taxativo quanto à qualidade do trabalho no que diz respeito à historiografia, e ressalta que o objetivo de  Moira consistia em dar sua visão sobre a Cabanada.  Duarte não leu o texto, mas assumiu o que havia sido escrito por Dias Cabral.

Uma introdução e o local


            A dedicatória feita por Hum Brasileiro impressiona pela forma carinhosa com que se refere, possivelmente,  à filha (suponho) e, também,  pela visão objetiva quanto à existência de um lugar chamado Alagoas que, na certa, estaria representando qualquer lugar que se determinasse para qualquer Clarinha. Moira  sabe de uma especificidade e sobre ela escreverá numa abordagem em que, de modo descritivo, passará pela topografia, estrutura física, política e história deste lugar que identifica e, portanto, individualiza, separa. Não se trata de um elemento a mais no conjunto do território imperial: há uma província demarcada e para a  qual se tem plantada uma história; é ela, que permite o encontro com o coletivo, por onde se  poderá estar com memória e avós.  É interessante dizer que se identificava com a província, fosse ou não nascido nela e encontrava para Clarinha um local a ser consagrado.

            É assim que Moira propõe individualizações; menciona a existência de memória e fala sobre um tempo avoengo.  Em última análise,  está dito que a individualidade histórica é fundada em um tempo que se encontra com o atributo da memória e de vidas, gerações que fazem com que o lugar exista. É claro que ele não avança nestas considerações e nem estamos aproximando o que ele propõe como memória, ao senso contido em Durkheim e que passa por autores como Halbwacks, conforme discute Pollack (1989).  Possivelmente, nos simples enunciados de Hum Brasileiro, na melhor tradição senhorial, a memória carrega a ideologia que define o grupo e, neste sentido, não se encontram gerações passadas por acaso: há um caminho que leva a um presente que inexistirá ao serem perdidos os  laços de comando.


            Estamos em percurso similar ao realizado por Lindoso. A história teria que ser braço senhorial e, de certa forma, o Opúsculo ensaia uma postura que será definida pelos fins do século XIX, quando poderemos falar de Caroatá e Dias Cabral, matrizes do pensamento alagoano, membros do Instituto Archeologico e Geographico criado em Alagoas nos finais de 1869 e que começa a divulgação de sua escrita em 1872.  Nós estamos próximos de uma linha de discussão que passa por Gildo Marçal Brandão (2007), ao trabalhar o processo histórico relativo a conjuntos e formas de pensamento sobre o viés político da construção do nacional brasileiro.


            À medida que atinge a relação entre escrita e ideologia, Lindoso trabalha com a categoria de classe social nesta ligação entre tempo e história. O sentido tomado pela obra de Moira dentro do contexto historiográfico de Alagoas nunca foi demarcado em profundidade e nem rastreado; aliás, nunca houve um trabalho de fôlego intentando uma visão da historiografia alagoana e de suas linhas genéticas, o que seria extremamente fértil e talvez uma urgente tarefa coletiva.  Hum Brasileiro falava em memória, história, continuidade;  a memória era vista, também, como  fonte de recordação, um local para onde se poderia ir, um corpo de registro, como se o direito de classe estivesse inerente ao de dizer e argumentar com a história. Neste sentido, inclusive o sistema obrigaria a existir, necessariamente, memórias que ficam subterrâneas. O termo subterrâneo é tomado de Pollack  que o implica com o construtivismo.  Na verdade, a escrita de Hum Brasileiro opera, ao mesmo tempo, o evidente e o oculto. 


            É de se levar em conta que, a rigor, a criação senhorial sobre a história edifica mitos, sendo oportuno pensar com Baczko (1985) que a construção mitológica vai bem mais além do que o acontecimento em termos de importância. No caso deste tipo de historiografia, tudo é ampliado, categorizado. Isto implica voltarmos aos paradigmas norteadores da escrita em Alagoas, desenvolvidos por Caroatá e Dias Cabral, conforme já tratamos, até que haja a possibilidade de o subterrâneo aflorar, o que vai acontecer com o nascimento dos filhos do trabalho (2004), representados, grosso modo, simbolicamente, em Pedro Nolasco Maciel.  O subterrâneo estará reagindo, enquanto um modelo de permanência aparentemente se define.  Não fosse assim, a sociedade estaria sem qualquer contradição, sem qualquer disputa em torno do poder.


A dedicatória sentimental que Moira realiza, é tão importante quanto o que foi desenvolvido no corpo do texto. Clarinha para chegar às individualidades de Alagoas tem um caminho definido: a busca dos troncos e o testemunho de memória que tem de ser avivada.  Por outro lado, Hum Brasileiro determina-se de posse das informações corretas sobre o universo das Alagoas. Ele que principia seu texto com um terno oferecimento à Clarinha, termina com uma firme nota de protesto quanto às incorretas informações sobre Alagoas, dadas por um livro intitulado Geographia Brasílica.  


Moira debate a interferência da má informação sobre a juventude e, então, sente a obrigação de dar sua contribuição refazendo o que era dito sobre Alagoas pelo autor da Geographia mencionada. A informação deveria ser a mais correta possível e, nisto, jamais poderia deixar de manter o senso senhorial, mesmo que ele estivesse na categoria de imaginário.  Estava fechado o círculo de Hum Brasileiro, indo do doméstico ao público, com o primeiro simbolizado na Clarinha e o segundo na Geographia Brasilica.







Informes que repassa


            Moira intenta uma ampla descrição da província, intercalada com pequenas informações de natureza econômica. Chama a nossa atenção o fato de que, logo após ter dado os limites, cuide de informes com relação aos portos existentes, classificando-os a partir das embarcações que poderiam suportar, como brigues, escunas, sumacas, embarcações a vela. O brigue caracterizava-se por ter dois mastros redondos, com um inclinado. A sumaca foi o substituto do caravelão de costa, o smak holandês que depois torna-se esmaca e, então sumaca. Era fundamental, logo de início, falar das disponibilidades de pontos para o afunilamento da produção e Moira enfatizará a enseada de Jaraguá.


            Será um relato em que pouco pesarão o semi-árido e o sertão: os dois grandes elementos fisiográficos serão a mata e o litoral, os dois pontos propriamente açucareiros do território. O termo que utiliza para caracterização de toda a província é pingue. Trata-se de uma imagem para chamar a atenção para a fertilidade. É daí que, basicamente, somem sertão e semi-árido. Ele ressalta a mata, a floresta, a indicar riqueza das madeiras provenientes de árvores frondosas. Por outro lado, a água é posta em evidência pelos  cursos e lagoas. É quase como se fosse uma província descrita com a  metade territorial valendo como o todo. Das lagoas dará peso à de Jequiá, Manguaba e Mundaú e, dos rios,  destacará o São Francisco. As serras ou serrotas serão também de mata.


            Ele vê uma matriz de produção já assentada, com regiões de produção correspondendo a tipos de terras, modo de indicar sobre a relação existente  da produção com o ambiente. O açúcar será de terras ditas baixas e frescas; algodão e milho em enxutas e altas. Moira minimiza a função da pecuária. É uma visão que restringe a matriz de produção, esvaziando o couro e outros derivados que tinham, efetivamente, peso na pauta de exportação provincial.


            Na oportunidade,  a justiça provincial estava alocada em cinco comarcas, e nelas distruibuiam-se cerca de três cidades, doze vilas, sete povoações e dezoito arraiais. Do ponto de vista dos negócios eclesiásticos existiam 18 freguesias, que tinham correspondência com cidades e vilas,  existindo  apenas três soltas: Pioca, Camaragibe e São Bento. Era deste modo, por consequência, que se encontravam distribuidos territorialmente os serviços civis e religiosos.


            Não se pode dar absoluta validade  aos dados produzidos por Moira. Ele já se havia afastado de Alagoas e nem havia rigor na coleta de informações, mas sem dúvida traça um retrato a ser levado em consideração. Do ponto de vista da formação do complexo urbano no espaço alagoano, ele é básico. Não importa se as informações estão corretas; importa, isto sim, que ele enuncia portes e deixa antever as amarrações que vão sendo construídas a partir dos arraias às cidades, permitindo pensar-se, também, na qualidade da rede que estava a ser montada e faria o urbano de Alagoas, passando, inclusive e necessariamente, pelo sertão. Moira demonstra muito bem o que poderia àquela época ser considerado como Alagoas do Leste e do Oeste, a basicamente do açúcar e a basicamente do algodão e do gado, embora não avance sobre a pecuária.


            É importante verificar, também, o modo como a economia é enfocada. Como se observa amiúde na escrita oficial – e Moira não foge à regra -, a província é sempre vista em potencial: é a terra onde tudo poderá acontecer, uma eterna possibilidade, mas, na realidade, àquela época do Opúsculo, a matriz de produção de Alagoas já estava construída. Moira tem que ser enquadrado na dinâmica que se procedia, nas definições que iriam sendo feitas e, sobretudo, no impacto na ordem econômica que a reposição do fluxo de mão-de-obra representaria. Ele coloca um impasse singelo: escasseava a mão-de-obra escrava e não podia ser reposta por jornal. Ele entendia que o sistema poderia estar incorporando a força de trabalho indígena, mas dois motivos principais impediam: em primeiro lugar, a natureza era pródiga e, portanto, a alimentação era farta; em segundo lugar, os índios não mais se interessavam pelo jornal, em face de perda do controle que era exercido pelo sistema por intermédio das direções.  Moira então vai argumentar com a solução corrente à época, em face da necessidade de colonização: era preciso colônia, mas ela não poderia ser unicamente exótica. Toma partido, por consequência, da solução, também,  com nacionais.




            Ele tece comentários sobre três pontos sempre demarcados pela historiografia alagoana: o bispo Sardinha, o quilombo e o cabano.  O bispo é ensaiado na faina da selvageria, sendo comentado brevemente na medida em que Moira se refere à Barra de São Miguel. Quilombo e Cabanada jamais poderiam surgir sem estarem atrelados à vida do açúcar,  e nem os negros palmarinos e nem os cabanos poderiam ser vistos como forças políticas.


            Chama atenção o atencioso olhar de Moira para os costumes. Ele passa pela lenda, pelo folguedo e pelo Natal. A lenda nos leva à Barra de São Miguel, o folguedo nos leva ao Quilombo e, finalmente, o natal às margens do São Francisco, no arraial do Piaçabuçu. Não deixa de ser  interessante encontrar estes recortes ao longo de um texto que busca especificar o que é próprio do local.           Uma leitura atenta de Moira dará noção sobre o modo como se poderia conceber Alagoas, em diversos setores, praticamente na metade do século XIX. Aliás, ele apresentou uma Falla e Relatório à Asssembléia Provincial em 10 de janeiro de 1836 (2006), quando substituiu a José Joaquim Machado de Oliveira.  Publicou seu Opúsculo  cerca de oito anos após esta Fala e, como seria de esperar, incorpora sua experiência passada na Presidência da Província, cargo no qual passou pouco tempo.  Não é oportunidade de repassar toda a ciscunstância vivida por Moira, especialmente com a chamada Guerra dos Cabanos, sobre a qual escreve algumas páginas no Opúsculo.

D’Oliveira, seu antecessor na presidência,  menciona a guerra dos cabanos onde encontra hordas de salteadores, irracionais, magotes de salteadores, ferozes canibais... Jamais os cabanos poderiam estar sendo vistos como sujeitos políticos de um processo cuja tensão havia explodido e levado à prolongada luta armada. O que parecia extinção, havia trazido, agora, o perigo de tudo estar sendo reaceso em face dos acontecimentos que se davam em Pernambuco.  O poder fundamentou esta visão de bandidagem  e ela deveria permanecer no legado da escrita histórica, o que vai ser rompido por Manoel Correia de Andrade, quase um século depois.

Terminando a encomenda


Uma leitura de Moira levanta aspectos relevantes sobre um período da história de Alagoas. Ele não pode ser dimensionado somente pelo que afirma, mas sobretudo por seus pontos de partida, pelas suas construções, pelos seus silêncios e sugestões. Esperamos que esta pequena introdução ajude a construir uma boa leitura do documento, imprescindível para a pesquisa em diversas áreas sobre nosso Estado. Claro que poderíamos ter abordado uma vasta linha  de aspectos particulares, mas preferimos assumir uma passagem por uma linha de fronteira, onde estivesse melhor demarcado o compromisso entre texto e ideologia na abertura de uma ciência do social, a partir dos rumos assumidos pelo autor dentro do universo do poder.

Referências




ALMEIDA, Luiz Sávio de (org.). Dois textos alagoanos exemplares. Maceió: FUNESA, 2004.



BACZKO, Bronislaw.  Imaginação social. In: ROMANO, Ruggiero (org.). Enciclopédia Einaudi. Lisboa: Imprensa Nacional; Casa da Moeda, 1985. v. 5.



BRANDÃO, Gildo Marçal. Linhagens do pensamento político brasileiro. São Paulo, Editora Hucitec, 2007.



CALLARI, Cláudia Regina. Os Institutos Históricos: do Patronato de D. Pedro II à construção do Tiradentes. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 21, nº 40, 2001. Disponível: Scielo. Acessado: 02 ag. 2008.



DUARTE, Abelardo. A primeira Geografia alagoana (em torno de um centenário de sua publicação). Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas, Maceió,  v. 24, nº 46,  p. 47-65.



LINDOSO, Dirceu. Interpretação da Província. 2ª ed. Maceió: EDUFAL, 2005, p. 36.



MOIRA, Antônio Joaquim de.  Falla, e Relatório com que abriu a segunda sessão ordinária da Assembléia Legislativa da Província das Alagoas, o Presidente da mesma província Antônio Joaquim de Moira em 10 de janeiro de 1836. Maceió: João Simplício da Silva Maia, 1836. In: BARROS, Luiz Nogueira (Org.). Fallas, Relatórios Provinciais e Mensagens Governamentais de Alagoas: 1835-1930. Volume I Março 1835 – Abril 1853. Maceió: Imprensa Oficial, 2006. Disponível, também,   no site Brazilian Government Document Digitization Project: http://www.crl.edu/content.asp?l1=4&l2=18&l3=33.



POLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Rio de Janeiro, Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 2, n. 3, 1989, p. 3-15.



REZINK, Luiz. Qual o lugar da história local? Disponível em www. historialocal. com. br. Acessado:  02 agt. 2008.



ROCHA,  José Maria Tenório. Moira, o desconhecido autor da primeira história de Alagoas. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas, Maceió, v. XLIV, p. 103-108.




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