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domingo, 27 de julho de 2014

Luiz Sávio de Almeida. O Guia Sávio da Cozinha Alagoana (VII)

Segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

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O amigo Chaves a quem me refiro neste artigo, faleceu.  O blog presta homenagem à sua vida aventureira como embarcado, à sua mania de encontrar formas em galhos e pedras, a sua apuração de cachaça,no preparo de seu polvo  em São Bento.







O texto foi publicado em O Jornal (Maceió) no mês de outubro de 2007


                                                                                                                             turismo.culturamix.com
             

Um dos mais belos locais de Maceió são  as pedras da Ponta Verde, embora agredido por monstrengo de concreto que enche a área de ângulos.   Os olhos devem levar diretamente  para o horizonte, onde se encontra a África.  Contaram-me  que havia um homem em Maceió e que   sempre vestido de  branco passava o dia sentado na Avenida, olhando para o horizonte.  Quando perguntavam o que fazia, respondia: estou vendo as torres de marfim da África. No caso, o cara  estava invadido pelo marfim e não pela África. Não sei o que se passou com ele; sei apenas que, pelo menos a minha África,  não tem torres de marfim.

O lugar pode ser  contemplado, mesmo sem estar sendo visto. Há uma geografia do potencial; é a que faz parte do imaginário e nele que cada local pode ser  multiplicidade, uma possibilidade sempre aberta. O lugar é diferente do espaço, mas não é hora de discuti-los, é claro que existam um lugar e um espaço das pedras e, portanto, existem as gentes das pedras. Foi o que primeiro me chamou atenção: as gentes. São pessoas que vivem no compasso das marés; gente que pesca,  gente que pega polvo...  Abomino os que usam a água sanitária para fazê-lo sair da toca; não gosto de vê-lo puxado por gancho. Gosto de vê-lo  livre, mas, estranhamente, adoro arroz de polvo. E nisso, vez em quando viajo para São Bento, onde como o melhor polvo das Alagoas, no Bar do Chaves. Vale a pena andar sem parar  l7 léguas e meia para comer o polvo, conversar com o dono, ver suas peças, escutar suas histórias de marinheiro de alto-mar. Já comi polvo em tudo quanto é canto:  o dele recebe o prêmio.
                                                                                                                     seresvivosdorn.blogspot.com
A mututuca


Na minha cabeça e na área das pedras, foi construída  uma estrada  da praia ao pequeno farol.  Penso que a Marinha deve ter feito uma estrada para um jeep passar. Doidice, que ninguém iria fazer uma estrada e nem dar manutenção ao farol usando jeep garassuma.  É que traçei um rumo e a invenção da estrada me ajuda a não esquecê-lo. O farol  é meu objetivo,  mas a pessoa deve ter cuidado com o tempo, não deixar a maré enchendo pegar. Tem-se que ficar de olho na arrebentação, na correnteza que vai se formando e enchendo poças, nos pescadores que saem da arrebentação. No mais, é um extremo cuidado ao pisar, evitando escorrego e os espinhos dos ouriços. Espinho de ouriço somente sai com uma espécie de compressa de querosene  esquentado no fogo; ele quebra que é uma beleza e diz o povo que o querosene puxa. Já experimentei: puxa.

O resto é procurar beleza nos corais, nas pedras e, sobretudo, nas poças, com algumas delas, especialmente à esquerda do farol , sendo de  bom tamanho para um mergulho com direito à máscara, pé-de-pato, respirador.  Claro que não tenho mais condições para tal proeza, mas ainda sei me sentar e ficar pacientemente louvando os peixes que enfeitam as águas.   Um dia, maravilhado vi uma mututuca passando veloz pelos meus pés. Mergulhei e fiquei olhando aquela coisa linda, como é lindo o beiço-de-boi, como é linda a moréia com sua cara de cobra.
                                                                                                                                 antoinacio-rio.com.br
Moreia





Não é da culinária alagoana. Culinária é o polvo do Chaves, mas não posso deixar de dizer que -  no tempo quando não havia a poluição das águas - eu apanhava alface do mar para tomar caldo. É preciso ter cuidado ao apanhar algas, pois dizem que muitas são tóxicas. Apanhava somente a alface que dá um caldo gostoso, depois de devidamente cuidada.  Mas o que eu adorava mesmo, era comer o ouriço cru.  Puxava, quebrava e comia, acompanhando tudo com goles de um bom conhaque. Bom conhaque mesmo. Colocava os pedaços na palma da mão e dava aos pequenos peixes que vinham de todos os cantos.

Cada um tem seu peixe. Peixe é um particular. Apesar de ter sido criado – de acordo com minha mãe – comendo pirão de carapeba, meu peixe é a tainha fresca  e frita. Não tem outro para mim.  Ela deve estar totalmente enxuta, rolada na farinha de mandioca  e jogada no óleo fervendo,  sempre renovado para não pegar ranço.  Depois é farofa d'água com um belo cheiro verde e rasgar a tainha com as mãos, fazendo o que o povo chama de capitão, rompendo com a civilização ocidental colherosa, garfosa e facosa segundo  expressões da  Maria Lopes. Ela desafia a que se diga farofa com a boca cheia de farofa.

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