A arte de coreografar
Eliana Cavalcanti
Coreografar
é a arte de conceber e compor a sequência de movimentos, passos e gestos de um
bailado
a serem executados por uma ou mais pessoas, em uma cena, ou espetáculo. A arte da coreografia pode ser utilizada não só na dança, mas na ginástica, no nado sincronizado, na
patinação no gelo, em desfiles etc
.
A palavra coreografia vem do grego e significa
escrita da dança. Segundo o crítico de dança, falecido em 1991, Antonio José
Faro, o termo apareceu pela primeira vez, em 1777, no livro A arte da dança, da coreografia e de
escrever danças, de Brunswick. O coreógrafo, portanto, é o indivíduo
especialista em coreografia. Ele precisa ter muito talento e muita vivência na
modalidade que pretende coreografar. Um bom bailarino, com toda a sua
experiência, não necessariamente será um bom coreógrafo se lhe faltar talento
para tal. Do mesmo modo, o talento sem a experiência poderá resultar num trabalho
medíocre. O coreógrafo é um verdadeiro operário da arte e precisa ser
estudioso, perspicaz, sensível e observador do mundo. O seu ofício é regido por
uma espontaneidade intuitiva, aliada ao seu talento e à sua bagagem artística e
cultural. São ideias que dialogam com a música, embora em casos raros sejam
criadas coreografias sem música.
Jiri Kyllianán |
Certa vez eu estava num tumultuado
congestionamento de trânsito na avenida Fernandes Lima, quando percebi que no
carro da frente o motorista me acenava pelo retrovisor. Não o reconheci de
imediato, e fiquei com medo de responder ao aceno. Como o trânsito não fluía,
ele resolveu descer. Deixou a porta do carro aberta, e me entregou um CD,
dizendo: “Escute este CD. Aí tem uma música que vai dar uma ótima coreografia!”.
Era uma música de Bach com arranjo de Yan Anderson. Assim que a ouvi, imaginei
três mendigos brincando numa rua deserta. Levei o trabalho para um festival de
dança do Mercosul, em Bento Gonçalves, e tiramos 2º lugar em coreografia, na
categoria balé moderno avançado. O amigo que me deu o CD não era da área de
dança, e sim um músico com uma sensibilidade especial.
O ideal seria que
todo coreógrafo tivesse um pouco de conhecimento teórico sobre música. E foi com
essa ideia que um dia, saindo de casa para me inscrever no vestibular de
Psicologia, ao ouvir um som musical, vi que estava em frente ao Conservatório Pernambucano
de Música. Desci do ônibus, e lá me matriculei, postergando o estudo
universitário.
O primeiro momento da criação de uma
coreografia é uma caixinha de surpresas tanto para o coreógrafo como para os
bailarinos ou dançarinos, que devem estar abertos, receptivos. As criaturas são
extremamente importantes para o criador. Devem ser matérias-primas de excelente
qualidade para que se possa criar uma obra de arte através delas. Devem
absorver a ideia inicial do coreógrafo, e nela colocar os seus valores
artísticos e as suas personalidades, ou seja, devem ser intérpretes da obra. Maurice
Béjart, uma dos maiores coreógrafos do século XX, diz em seu livro Um instante na vida do outro: “A cada dia sentia mais a necessidade de lidar com
bailarinos que não fossem só bailarinos. Não suporto o bailarino-bailarino, o
‘bailarino-puro’: porque, como as experiências químicas, é artificial, só
existe nas provetas. Sempre estive rodeado de personalidades. Quero que não se esqueçam
do rosto dos meus bailarinos, seus olhos, seus sorrisos, suas tristezas”.
Já
chorei várias vezes vendo belos trabalhos. Uma das vezes, foi assistindo, no
Teatro Municipal de São Paulo, a um espetáculo do grande coreógrafo tcheco Jirí Kylián, de quem sou fã desde a década de 1980. A sua
inventividade me reduziu a um grão de areia. Mas eu estava feliz por ter a
oportunidade de ver, pessoalmente, a genialidade de um mestre na arte de
coreografar.
Cada coreografia é uma nova
descoberta, um desejo de dizer algo, de emocionar, de registrar ideias. E
poderá, sem dúvida, ser o testemunho de uma época.
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