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domingo, 14 de agosto de 2016

CULTURA E PERIFERIA EM UMA CAPITAL NORDESTINA: MACEIÓ



 periferia periferia periferia

la relation entre la culture et la périphérie à Maceio?
la relación entre la cultura y la periferia en Maceió?
il rapporto tra la cultura e la periferia a Maceio?
relationship between culture and periphery in Maceio?
 

Inicialmente, preciso dizer que por cultura estou entendendo as realizações expressivas e espirituais que abarcam as religiosidades, as reflexões, as pesquisas, as artes-populares, as diversões musicais-dançantes, os movimentos culturais e sociais, estes últimos como expressões de intelectuais, nas periferias, engajados com a proposição de agendas de mudança nos grupos de que fazem parte. Fernando  Rodrigues


Estamos diante de reflexões do Professor Dr. Fernando Rodrigues e que passam pela vida cultural da periferia de nossa cidade. O Professor vem trabalhando e produzindo sobre Alagoas e, também, orientando trabalhos na área de sociologia da Universidade Federal de Alagoas.

Agradecemos  a oportunidade que deu a Campus, no sentido de divulgar seu pensamento.

Uma boa leitura

Sávio de Almeida





Quem é quem

Fernando Rodrigues

Professor Adjunto do Instituto de Ciências Sociais e membro do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas. Atualmente conduz pesquisa intitulada "Mercados ilícitos, amor e diversão nas periferias de Maceió: interpenetrações entre circuitos de bailes de reggae, redes familiares e redes comerciais de entorpecentes, armas e de símbolos da lei". Co-editor da revista Latitude. Mestre e Doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília. Co-líder do Grupo de Pesquisa Periferias, Afetos e Economia das Simbolizações (GruPAAES). Tem  como principais interesses de pesquisa os problemas relacionados aos diversos processos que modelam a condição de periferização urbana no Brasil, especialmente, estruturas de mercados ilícitos, sistema socioeducativo, redes de competição por amor e sexo e as "culturas de periferia".



Para onde caminha a relação entre cultura e periferia em Maceió?

Fernando Rodrigues

 Penso que a questão proposta deva ser colocada não apenas no contexto da cidade em que vivemos, Maceió, mas em um universo cultural e espiritual mais amplo, do estado, do país e do mundo.


Como pesquisador, como orientador de investigações, tanto na graduação quanto no mestrado em Sociologia ou, ainda, como debatedor de questões sobre os vínculos sociais em diferentes ocasiões, tenho tido a oportunidade de ver as mais diversas facetas das realizações culturais e dos conflitos daí decorrentes nas periferias de Maceió. 


A partir de visitas a bailes de reggae, entrevistei DJ’s e donos de discotecas. Nas unidades de internação, encontrei pastores, rappers, evangelizadores com espírito missionário, sejam católicos ou evangélicos. Entrevistei, também, monitores e educadores que desenvolvem projetos culturais como forma de atrair jovens, retirando-os de uma carreira criminalizada. Conversei com líderes de associações culturais de bairro, lideranças religiosas católicas, evangélicas e afro-brasileiras em grupos focais que atuei como condutor. 


Ademais, também entrevistei e observei, mais de longe, artistas populares e as manifestações folclóricas, como o coco, o boi, o teatro de rua. Também prestei atenção e tive a oportunidade de conhecer melhor os mais jovens líderes de movimentos culturais e políticos em manifestações e nas mesas de debates que ajudei a organizar com Ari Consciência, intituladas “A universidade encontra a periferia”, sendo, algumas dessas jovens lideranças, os primeiros em suas famílias a chegarem até a universidade. 


Ademais, orientei e avaliei trabalhos de estudantes que têm se interessado por outros fenômenos, como paredões de som, cinema pornô, mercado religioso, circuitos de música como o rap e o rock alternativo. 


São muitas coisas acontecendo nas periferias de cidades alagoanas, mas temos poucas oportunidades de debater o impacto disso tudo na vida da cidade, do país e do mundo. A ocupação do IPHAN é um fenômeno muito peculiar e importante a este respeito. Expressa uma nova configuração da vida cultural alagoana, ainda que pouco nítida.


Em que tudo isso pode nos ajudar a pensar sobre para onde estamos indo? Parece-me uma questão importante se desejamos viver uns com outros, em meio a tanta diversidade e conflito, mas tendo por horizonte a possibilidade de um ideal comum de redução dos sofrimentos humanos, sem violência física, sem a destruição de uns pelos outros, ou pelas armas ou pela humilhação, que destrói a base de qualquer tecido social: a estima que temos por nós mesmos e pelos grupos de que participamos como parte de ideais mais amplos. 


Isso implica dizer que não temos como fugir dos conflitos, mas reconhecer que não podemos escapar deles não significa que estamos destinados a resolvê-los pela força, pela ameaça, pela “cocó”, pelo reforço das desconfianças e das diferenças absolutas. Precisamos discutir como, concretamente, vamos construir ou nos organizar para dar mais visibilidade a espaços onde esses conflitos possam ganhar uma resolução construtiva ou, em outros termos, espaços não apenas de denúncia, mas de disposição para o diálogo e, a partir dele, de mobilização para ações entre setores que hoje estão apartados. 


Acredito que para construir pontes, entretanto, temos que entender como chegamos até o estágio atual em que nos encontramos.


Inicialmente, preciso dizer que por cultura estou entendendo as realizações expressivas e espirituais que abarcam as religiosidades, as reflexões, as pesquisas, as artes-populares, as diversões musicais-dançantes, os movimentos culturais e sociais, estes últimos como expressões de intelectuais, nas periferias, engajados com a proposição de agendas de mudança nos grupos de que fazem parte.

Dito isto, é preciso reconhecer que a cultura nos bairros reconhecidos como populares sofreu uma grande transformação ao longo dos últimos 50 anos. Alguns desses bairros sequer existiam a 40 anos atrás. O surgimento do Clima Bom, Cidade Universitária, incluindo o Eustáquio Gomes e mesmo grandes áreas do Benedito Bentes e das grotas, regiões vistas hoje como periferia, é expressão da grande transformação cultural na vida da população alagoana. Nos remete a forma como largos magotes humanos foram forçados a deixar propriedades e empreendimentos canavieiros no mundo rural. 


O fim do sistema de moradas – no qual o trabalhador vivia com a família na propriedade do patrão – jogou de uma só vez uma quantidade impressionante de famílias e pessoas nas cidades alagoanas nos anos 1990. Tal fenômeno foi efeito da reação dos usineiros à crescente participação do judiciário nas relações de trabalho, a crise econômica do setor canavieiro e a mecanização do trabalho. Ademais, deu feição a um processo sem planejamento de urbanização e informalização do emprego urbano sem precedentes na história de Alagoas e de Maceió. Expressão disto são as “cidades de lona” que fizeram parte da paisagem de bairros populares no final dos anos 90 e início dos anos 2000. 


De outro ângulo, entretanto, tal fenômeno fez com que grandes parcelas da população alagoana fossem expostas a novas expressões culturais e a batalhas entre crenças travadas nas periferias. 


Um dos fenômenos que me chamou a atenção nas entrevistas que fiz com jovens encarcerados em unidades de internação foi a diferença de horizonte cultural entre o jovem oriundo de uma família criada em uma propriedade rural, seja própria, seja de um patrão, e aquele oriundo de cidades, mas particularmente de Maceió. Entre os primeiros percebi a falta de contato com Igrejas e escolas, com qualquer tipo de pregação ou transmissão de palavras religiosas, mesmo que dogmáticas. Os pais desses adolescentes viviam apenas para o trabalho duro, com poucas atividades espirituais, inclusive o simples uso da fala. Viviam para chegar até o dia seguinte. 


Muitos relataram que o pai era um sujeito “de não falar muito”. Invariavelmente, a principal distração era a “cachaça”. As próprias falas dos jovens são rápidas, dizem o mínimo com a menor quantidade de palavras possível. Apareceram relatos de jovens nos quais as mães tiveram experiências com benzedeiras, mas entre estes era muito rara a indicação de experiências com padres ou pastores. Entre os que moravam nas cidades, especialmente os criados em Maceió, percebi uma experiência mais intensa dos genitores com práticas religiosas. Muitas trajetórias de mães que começaram a frequentar Igrejas católicas e se converteram às crenças evangélicas, arrastando consigo, em algum momento, o companheiro. Isso quando não seguiam suas vidas solteiras. Não raro essas conversões estavam vinculadas a fortes experiências de sofrimento e conflito violento entre os pais do jovem. No caso de outros adolescentes criados nas cidades, era patente o enraizamento evangélico da família, tendo alguns deles claramente mencionado que não tinham simpatia “por esse negócio de santo”.


 Muitos dos próprios jovens, em algum momento, passaram por Igrejas quando pequenos, na maioria evangélicas. São jovens que nasceram no final da década de 90. A maioria não domina a leitura e a escrita. Essa migração de famílias para Maceió fez com que as Igrejas se interessassem mais pelas disputas dos corações de novos fiéis, ávidos por se orientarem espiritualmente, em contextos inteiramente novos. Particularmente, de redução do medo da morte pela fome durante os anos 2000.


A penetração amplamente dominante das Igrejas evangélicas nas periferias aparece, aos olhos de hoje, como um movimento que estava predestinado a acontecer. Mas quem olha mais de perto ganha muitas evidências para afirmar que não foi bem assim. Até os anos 90, mas, principalmente, nos anos 80, a participação de grupos católicos em atividades evangelizadoras e pastorais era forte e foi conduzida prioritariamente por padres e leigos ligados à teologia da libertação e da missão integral, como na Brejal, Ponta Grossa e Vergel. Ademais, nesse mesmo contexto, começa a ganhar forma o estilo de evangelização da Renovação Carismática Católica.

As religiões afro-brasileiras vão curiosamente perdendo espaço entre os setores mais pobres e avançam sobre segmentos médio-baixos e médios. Com a baixa participação da população da periferia nos mercados de cultura laica da época, como cinemas, livrarias, teatros, as disputas religiosas pelos corações das populações dos bairros populares tornaram-se cada vez mais importantes tendo por dutos culturais as linguagens artísticas, especialmente musicais e teatrais, e também pela expressão da fala política manuseadas pelas Igrejas.


Populações do campo recém chegadas a bairros de periferia tinham de reinventar toda uma maneira de viver. Os que já moravam a mais tempo nestes bairros vão sentindo o aumento das competições religiosas entre Igrejas. Assim, tal mudança não era apenas no tipo de emprego, mais urbano, mais ligado aos serviços e ao comércio, mas também espiritual. O senso comunitário passava, em parte, pelas congregações de igrejas ou pela casa de santo de que podiam participar. Parte do prestígio como morador da rua passava por participar dessas congregações, católicas, evangélicas ou, mesmo que de maneira mais estigmatizada, da umbanda e dos xangôs. 


Algo que passa despercebido é que a participação nessas congregações era uma novidade em relação ao tipo de prática religiosa católica mais tradicional, expressa nas missas, procissões e festas santorais. Nesse sentido, aumentaram-se as oportunidades de experiência espiritual, e também cultural, a partir das Igrejas e casas de santo, e não apenas do mercado monetizado de cultura. Exemplos de tais expressões são o teatro popular católico, os jograis, a música, destacadamente os corais, contribuição eminentemente pentecostal, que ajudou a criar um novo universo expressivo e prestigioso, particularmente para as meninas e mulheres.


 Ademais, o crescimento dos grupos percussivos, herança das casas de santo, especialmente quando o sucesso das músicas afro-baianas abriu espaço para a apresentação, com orgulho, dos toques dos alabês fora dos terreiros. As discussões de trechos da bíblia ou de textos políticos e de filosofia social, estimulando o manuseio de reflexões que passaram prioritariamente pela tradição oral. 


O final dos anos 90 apresenta mudanças na importância dessa concorrência religiosa para o universo mais amplo da cultura nos bairros populares. As lutas internas ao catolicismo pressionam a retirada das periferias dos padres com afinidade à teologia da libertação, promovendo uma mais intensa participação carismática. Abre-se um espaço que fica vago, aumentando o diálogo de jovens das periferias com movimentos culturais não religiosos oriundos de ONG’s, que passam a ter um papel inédito na organização da cultura.


 Os Batistas e pentecostais mais tradicionais, assembleianos, adventistas e quadrangulares cedem espaço aos novos pentecostais, batistas renovados, a Universal do Reino de Deus, a Mundial, e aos novos ministérios vinculados a uma transformada “Assembleia de Deus”. As direções da cultura mudam com a maior participação dessas denominações na orientação de seus fiéis. 


De um modo geral, a transformação no espectro das religiões nos bairros populares esteve em constante conflito e interpenetração com outras duas dimensões de mudanças no mundo da cultura, uma delas é a expansão da indústria cultural de massa, através da televisão, do rádio e das fitas cassetes. Ademais, surgiram novas zonas de prazeres vinculadas a empreendimentos de diversão pagos, como boates, discotecas, pequenas e grandes casas de shows, bares com música ao vivo, atendendo a um público ineditamente juvenil, que foram substituindo os antigos clubes sociais, mais para adultos que para jovens. 


Outra dimensão que se transformou, também pela via das trocas mercantis, foi a expansão de pontos de venda de entorpecentes, especialmente a partir dos anos 2000. O entorpecimento por drogas ilegais, uma diversão anteriormente concentrada nas classes médias e altas, chega até os mais pobres. As tradições de agressividade – como as existentes nas lutas por terra urbana, na defesa da propriedade, nas fidelidades a grupos políticos, nas intervenções abusivas da polícia, na defesa da própria honra e no ataque a honra alheia, como as expressas em rivalidades entre famílias, gangues de bairro e torcidas organizadas – se enovelaram às disputas por biqueiras (bocas de fumo).


A honra, a partir de meados dos anos 2000, passa a ser um bem que se mistura cada vez mais a disputa por dinheiro e por tudo que ele pode trazer nesse novo universo de prazeres: as orgias, festas particulares, bens como motos, roupas de marca, acessórios de ouro e prata, tudo signo de conforto advindo do entrelaçamento entre coisas materiais e honra econômica. Tal nível de “democratização” juvenil da honra econômica através do dinheiro é inédita em Alagoas e perpassa “garotões” e “garotonas”. E parte dela decorre do aumento do acesso a oferta de diversões ilegais por jovens de periferia. A entrada regular nessas “carreiras criminalizadas” geralmente implica sair da Igreja que, em algum momento, o jovem esteja frequentando. 


Se de um lado, o acesso à cultura pelo rádio e pela televisão alterou o padrão de desejos por bens de consumo difíceis de serem acessados pelas vias legais, de outro, abriu novos horizontes de complementaridades afetivas que no seio das igrejas seriam impossíveis de ganhar forma. Falo não apenas de jovens que se martirizaram ou foram separados da convivência por terem preferências homossexuais ou estilos transgêneros, mas também de pessoas que se sentiam discriminadas pela cor, pelo estilo da aparência, ou por perspectivas intelectuais e científicas que aprenderam na escola. Ademais, as barreiras para que mulheres alcançassem posições de liderança em uma congregação eram elevadas, e em seu seio foram estimuladas a reprodução de estilos de amor e de sexo que não faziam mais sentido para várias delas, muitas tendo sido violadas e humilhadas pela falta de limites ao poder dos homens. 


Assim, largos grupos nas periferias sentiam que não havia lugar para eles nas congregações, aumentando as parcelas dos “sem religião” registrados nos censos do IBGE. Desenhou-se, assim, dois movimentos aparentemente contraditórios mas efetivamente complementares: aumentou a quantidade dos que se declaravam evangélicos, mas, também cresceu, como parte da mesmo desenvolvimento social, os que se diziam “sem religião”.


A universidade também tem contribuído para revolver os horizontes culturais nas periferias. Seja pública ou privada, o acesso mais amplo e intenso ao ensino superior tem ajudado a criar novas vias de circulação de conhecimento e de pessoas, afetando ineditamente a paisagem cultural das periferias. A escala desse movimento é inédita, aumentando a pressão por secularização mas principalmente por intelectualização, essa palavra tão odiada na universidade, que está na base da coordenação e mobilização de grupos tanto para o ímpeto ao empreendimento, à criação economicamente viável, quanto à “espiritualização” artística e científico-social. Podemos atribuir a tal fenômeno a coordenação de esforços em pro da maior oferta de bens e serviços culturais bem como às iniciativas de grupos que pleiteiam uma melhor participação no mercado de bens, distribuição de direitos individuais e de justiça social.


Têm nascido novas expressões artístico-culturais desse diálogo de múltiplas feições, que não são de Igreja, que não são de empresas, mas que se nutrem de inteligências incentivadas pelo Estado brasileiro e, em alguns casos, do investimento público municipal, estadual e federal. Em boa parte deles, esse apoio apenas ganha forma nos esforços de colaboração mútua custeados por suas lideranças que, através da nova dimensão da internet, fomentam a criação de mercados locais e apostas sobre o futuro, e isso é precioso: ter a oportunidade de intercâmbio de bens e de ideais, retroalimentando a busca por horizontes.


Esse diálogo se encontra com um outro tipo de movimento, mais disperso, mas nem por isso menos importante. Trata-se do afastamento de pessoas de instituições como as Igrejas, associações culturais ou mesmo da família, por conflitos os mais diversos, gerando pessoas com ideais altruístas mas sem uma organização estável que as abrace. Dessa situação, surgiram pessoas que passaram a se dedicar a ideais de grupo e não apenas aos individuais. Muitas delas mudaram de referências de vida pela frustração e desilusão com os rumos da própria existência, mas se mantiveram interessadas em investir parte de suas energias em pensar e agir pelos outros e não apenas pelos de sua família. Assim, novos cursos intergeracionais ganharam forma.


Surgiram militantes da causa étnico-racial que eram filhos de policiais militares, de funcionários públicos, de jornalistas que não tinham apreço por esse ideal. Da mesma forma, surgiram evangélicos que abraçaram os exemplos de amor universal de Jesus de Narareth, mas que deixaram de frequentar as Igrejas que os pais amam e frequentam. Surgem iniciativas celulares de mobilização por direitos LGBT, de pessoas que sofreram intensos conflitos com familiares por assumirem preferências e estilos transgêneros e homossexuais.


O cenário atual mostra o esforço de diferentes grupos no mundo da cultura para serem aceitos e por obterem reconhecimento de que a maneira como se expressam é digna e respeitável. Aumentaram as necessidades do espírito. Temos vivido um período de redução do medo da fome entre as populações das periferias. Entretanto, os sofrimentos advindos das carências culturais crescem e poderão ganhar a forma de ciclos de violência decorrentes de como buscamos exprimir-nos uns diante dos outros.


A dimensão simbólica dos conflitos humanos é geralmente subestimada, como se a cultura fosse algo que pudesse ser desfeito a qualquer tempo, tal qual um viciado em álcool que afirma poder parar a qualquer tempo. Mas os fatos da vida humana mostram que tais ciclos de violência e de conflito cultural podem ser longos e incontroláveis, causando danos e sofrimentos ao convívio humano entre pais e filhos, vizinhos, cidadãos e compatriotas, gerando um legado de dores contínuas. 


Estamos em um momento no qual muitas pessoas alcançaram o poder de falar por si mesmas nas periferias e, com isso, fazer defesas de como devemos viver como parte de um grupo maior, de uma cidade, de uma país. Pergunto: temos espaços e estamos dispostos a lidar sobriamente com isso, reduzindo o impacto de nossos medos uns dos outros, e experimentando a convivência civilizada com esses conflitos, dando a eles um direcionamento integrador? Ou reproduziremos um longo legado de tradições de humilhações e violências físicas que marcam os corpos das pessoas nas periferias da sociedade maceioense numa direção progressivamente destrutiva?

A busca por redução do sofrimento nas periferias e em toda a sociedade maceioense que se expressa nessas regiões mira uma encruzilhada. Qualquer caminho que tomemos passará pela maneira como iremos conviver com os sentimentos e ideais religiosos, intelectuais, artísticos, políticos, étnicos e de gênero, que nos têm feito tão diferentes, apesar das muitas dimensões que nos assemelham. 


As populações das periferias têm se aproximado socialmente das populações das zonas urbanas melhor reputadas socialmente e isso é uma matriz de conflitos intensos. 


Parece-me que um dos principais dilemas da vida urbana maceioense e brasileira atual é esse: vamos lidar de maneira integradora com os conflitos decorrentes da aproximação entre grupos anteriormente mais separados ou tomaremos os conflitos como ameaças mortais entre amigos e inimigos, separando-nos durante um longo futuro?


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