la relation entre la culture et la périphérie à Maceio?
la relación entre la cultura y la periferia en Maceió?
il rapporto tra la cultura e la periferia a Maceio?
relationship between culture and periphery in Maceio?
Inicialmente, preciso dizer que por
cultura estou entendendo as realizações expressivas e espirituais que abarcam as religiosidades, as reflexões, as pesquisas,
as artes-populares, as diversões musicais-dançantes, os movimentos
culturais e sociais, estes últimos como expressões de intelectuais, nas
periferias, engajados com a proposição de agendas de mudança nos grupos de que
fazem parte. Fernando Rodrigues
Estamos
diante de reflexões do Professor Dr. Fernando Rodrigues e que passam pela vida
cultural da periferia de nossa cidade. O Professor vem trabalhando e produzindo
sobre Alagoas e, também, orientando trabalhos na área de sociologia da
Universidade Federal de Alagoas.
Agradecemos a oportunidade que deu a Campus, no sentido
de divulgar seu pensamento.
Uma
boa leitura
Sávio
de Almeida
Quem é
quem
Fernando
Rodrigues
Professor
Adjunto do Instituto de Ciências Sociais e membro do Programa de Pós-Graduação
em Sociologia da Universidade Federal de Alagoas. Atualmente conduz pesquisa
intitulada "Mercados ilícitos, amor e diversão nas periferias de Maceió:
interpenetrações entre circuitos de bailes de reggae, redes familiares e redes
comerciais de entorpecentes, armas e de símbolos da lei". Co-editor da
revista Latitude. Mestre e Doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília.
Co-líder do Grupo de Pesquisa Periferias, Afetos e Economia das Simbolizações
(GruPAAES). Tem como principais
interesses de pesquisa os problemas relacionados aos diversos processos que
modelam a condição de periferização urbana no Brasil, especialmente, estruturas
de mercados ilícitos, sistema socioeducativo, redes de competição por amor e
sexo e as "culturas de periferia".
Para onde caminha a
relação entre cultura e periferia em Maceió?
Fernando Rodrigues
Penso
que a questão proposta deva ser colocada não apenas no contexto da cidade em
que vivemos, Maceió, mas em um universo cultural e espiritual mais amplo, do
estado, do país e do mundo.
Como
pesquisador, como orientador de investigações, tanto na graduação quanto no
mestrado em Sociologia ou, ainda, como debatedor de questões sobre os vínculos
sociais em diferentes ocasiões, tenho tido a oportunidade de ver as mais
diversas facetas das realizações culturais e dos conflitos daí decorrentes nas
periferias de Maceió.
A
partir de visitas a bailes de reggae, entrevistei DJ’s e donos de discotecas. Nas
unidades de internação, encontrei pastores, rappers, evangelizadores com
espírito missionário, sejam católicos ou evangélicos. Entrevistei, também,
monitores e educadores que desenvolvem projetos culturais como forma de atrair
jovens, retirando-os de uma carreira criminalizada. Conversei com líderes de
associações culturais de bairro, lideranças religiosas católicas, evangélicas e
afro-brasileiras em grupos focais que atuei como condutor.
Ademais,
também entrevistei e observei, mais de longe, artistas populares e as
manifestações folclóricas, como o coco, o boi, o teatro de rua. Também prestei
atenção e tive a oportunidade de conhecer melhor os mais jovens líderes de
movimentos culturais e políticos em manifestações e nas mesas de debates que
ajudei a organizar com Ari Consciência, intituladas “A universidade encontra a
periferia”, sendo, algumas dessas jovens lideranças, os primeiros em suas
famílias a chegarem até a universidade.
Ademais,
orientei e avaliei trabalhos de estudantes que têm se interessado por outros
fenômenos, como paredões de som, cinema pornô, mercado religioso, circuitos de
música como o rap e o rock alternativo.
São
muitas coisas acontecendo nas periferias de cidades alagoanas, mas temos poucas
oportunidades de debater o impacto disso tudo na vida da cidade, do país e do
mundo. A ocupação do IPHAN é um fenômeno muito peculiar e importante a este
respeito. Expressa uma nova configuração da vida cultural alagoana, ainda que pouco
nítida.
Em
que tudo isso pode nos ajudar a pensar sobre para onde estamos indo? Parece-me uma
questão importante se desejamos viver uns com outros, em meio a tanta
diversidade e conflito, mas tendo por horizonte a possibilidade de um ideal
comum de redução dos sofrimentos humanos, sem violência física, sem a
destruição de uns pelos outros, ou pelas armas ou pela humilhação, que destrói
a base de qualquer tecido social: a estima que temos por nós mesmos e pelos
grupos de que participamos como parte de ideais mais amplos.
Isso
implica dizer que não temos como fugir dos conflitos, mas reconhecer que não
podemos escapar deles não significa que estamos destinados a resolvê-los pela
força, pela ameaça, pela “cocó”, pelo reforço das desconfianças e das
diferenças absolutas. Precisamos discutir como, concretamente, vamos construir ou
nos organizar para dar mais visibilidade a espaços onde esses conflitos possam
ganhar uma resolução construtiva ou, em outros termos, espaços não apenas de
denúncia, mas de disposição para o diálogo e, a partir dele, de mobilização
para ações entre setores que hoje estão apartados.
Acredito
que para construir pontes, entretanto, temos que entender como chegamos até o
estágio atual em que nos encontramos.
Inicialmente,
preciso dizer que por cultura estou entendendo as realizações expressivas e
espirituais que abarcam as religiosidades, as reflexões, as pesquisas, as
artes-populares, as diversões musicais-dançantes, os movimentos culturais e sociais,
estes últimos como expressões de intelectuais, nas periferias, engajados com a
proposição de agendas de mudança nos grupos de que fazem parte.
Dito
isto, é preciso reconhecer que a cultura nos bairros reconhecidos como
populares sofreu uma grande transformação ao longo dos últimos 50 anos. Alguns desses
bairros sequer existiam a 40 anos atrás. O surgimento do Clima Bom, Cidade
Universitária, incluindo o Eustáquio Gomes e mesmo grandes áreas do Benedito
Bentes e das grotas, regiões vistas hoje como periferia, é expressão da grande
transformação cultural na vida da população alagoana. Nos remete a forma como
largos magotes humanos foram forçados a deixar propriedades e empreendimentos
canavieiros no mundo rural.
O
fim do sistema de moradas – no qual o trabalhador vivia com a família na
propriedade do patrão – jogou de uma só vez uma quantidade impressionante de
famílias e pessoas nas cidades alagoanas nos anos 1990. Tal fenômeno foi efeito
da reação dos usineiros à crescente participação do judiciário nas relações de
trabalho, a crise econômica do setor canavieiro e a mecanização do trabalho. Ademais,
deu feição a um processo sem planejamento de urbanização e informalização do
emprego urbano sem precedentes na história de Alagoas e de Maceió. Expressão
disto são as “cidades de lona” que fizeram parte da paisagem de bairros
populares no final dos anos 90 e início dos anos 2000.
De
outro ângulo, entretanto, tal fenômeno fez com que grandes parcelas da
população alagoana fossem expostas a novas expressões culturais e a batalhas
entre crenças travadas nas periferias.
Um
dos fenômenos que me chamou a atenção nas entrevistas que fiz com jovens
encarcerados em unidades de internação foi a diferença de horizonte cultural
entre o jovem oriundo de uma família criada em uma propriedade rural, seja
própria, seja de um patrão, e aquele oriundo de cidades, mas particularmente de
Maceió. Entre os primeiros percebi a falta de contato com Igrejas e escolas,
com qualquer tipo de pregação ou transmissão de palavras religiosas, mesmo que
dogmáticas. Os pais desses adolescentes viviam apenas para o trabalho duro, com
poucas atividades espirituais, inclusive o simples uso da fala. Viviam para
chegar até o dia seguinte.
Muitos
relataram que o pai era um sujeito “de não falar muito”. Invariavelmente, a
principal distração era a “cachaça”. As próprias falas dos jovens são rápidas,
dizem o mínimo com a menor quantidade de palavras possível. Apareceram relatos
de jovens nos quais as mães tiveram experiências com benzedeiras, mas entre
estes era muito rara a indicação de experiências com padres ou pastores. Entre
os que moravam nas cidades, especialmente os criados em Maceió, percebi uma
experiência mais intensa dos genitores com práticas religiosas. Muitas
trajetórias de mães que começaram a frequentar Igrejas católicas e se
converteram às crenças evangélicas, arrastando consigo, em algum momento, o
companheiro. Isso quando não seguiam suas vidas solteiras. Não raro essas
conversões estavam vinculadas a fortes experiências de sofrimento e conflito
violento entre os pais do jovem. No caso de outros adolescentes criados nas
cidades, era patente o enraizamento evangélico da família, tendo alguns deles
claramente mencionado que não tinham simpatia “por esse negócio de santo”.
Muitos dos próprios jovens, em algum momento,
passaram por Igrejas quando pequenos, na maioria evangélicas. São jovens que
nasceram no final da década de 90. A maioria não domina a leitura e a escrita.
Essa migração de famílias para Maceió fez com que as Igrejas se interessassem
mais pelas disputas dos corações de novos fiéis, ávidos por se orientarem
espiritualmente, em contextos inteiramente novos. Particularmente, de redução
do medo da morte pela fome durante os anos 2000.
A
penetração amplamente dominante das Igrejas evangélicas nas periferias aparece,
aos olhos de hoje, como um movimento que estava predestinado a acontecer. Mas
quem olha mais de perto ganha muitas evidências para afirmar que não foi bem
assim. Até os anos 90, mas, principalmente, nos anos 80, a participação de
grupos católicos em atividades evangelizadoras e pastorais era forte e foi
conduzida prioritariamente por padres e leigos ligados à teologia da libertação
e da missão integral, como na Brejal, Ponta Grossa e Vergel. Ademais, nesse
mesmo contexto, começa a ganhar forma o estilo de evangelização da Renovação
Carismática Católica.
As
religiões afro-brasileiras vão curiosamente perdendo espaço entre os setores
mais pobres e avançam sobre segmentos médio-baixos e médios. Com a baixa
participação da população da periferia nos mercados de cultura laica da época, como
cinemas, livrarias, teatros, as disputas religiosas pelos corações das
populações dos bairros populares tornaram-se cada vez mais importantes tendo
por dutos culturais as linguagens artísticas, especialmente musicais e teatrais,
e também pela expressão da fala política manuseadas pelas Igrejas.
Populações
do campo recém chegadas a bairros de periferia tinham de reinventar toda uma
maneira de viver. Os que já moravam a mais tempo nestes bairros vão sentindo o aumento
das competições religiosas entre Igrejas. Assim, tal mudança não era apenas no
tipo de emprego, mais urbano, mais ligado aos serviços e ao comércio, mas
também espiritual. O senso comunitário passava, em parte, pelas congregações de
igrejas ou pela casa de santo de que podiam participar. Parte do prestígio como
morador da rua passava por participar dessas congregações, católicas,
evangélicas ou, mesmo que de maneira mais estigmatizada, da umbanda e dos
xangôs.
Algo
que passa despercebido é que a participação nessas congregações era uma
novidade em relação ao tipo de prática religiosa católica mais tradicional,
expressa nas missas, procissões e festas santorais. Nesse sentido, aumentaram-se
as oportunidades de experiência espiritual, e também cultural, a partir das
Igrejas e casas de santo, e não apenas do mercado monetizado de cultura. Exemplos
de tais expressões são o teatro popular católico, os jograis, a música,
destacadamente os corais, contribuição eminentemente pentecostal, que ajudou a
criar um novo universo expressivo e prestigioso, particularmente para as
meninas e mulheres.
Ademais, o crescimento dos grupos percussivos,
herança das casas de santo, especialmente quando o sucesso das músicas
afro-baianas abriu espaço para a apresentação, com orgulho, dos toques dos
alabês fora dos terreiros. As discussões de trechos da bíblia ou de textos
políticos e de filosofia social, estimulando o manuseio de reflexões que passaram
prioritariamente pela tradição oral.
O
final dos anos 90 apresenta mudanças na importância dessa concorrência
religiosa para o universo mais amplo da cultura nos bairros populares. As lutas
internas ao catolicismo pressionam a retirada das periferias dos padres com
afinidade à teologia da libertação, promovendo uma mais intensa participação
carismática. Abre-se um espaço que fica vago, aumentando o diálogo de jovens
das periferias com movimentos culturais não religiosos oriundos de ONG’s, que
passam a ter um papel inédito na organização da cultura.
Os Batistas e pentecostais mais tradicionais,
assembleianos, adventistas e quadrangulares cedem espaço aos novos
pentecostais, batistas renovados, a Universal do Reino de Deus, a Mundial, e
aos novos ministérios vinculados a uma transformada “Assembleia de Deus”. As
direções da cultura mudam com a maior participação dessas denominações na
orientação de seus fiéis.
De
um modo geral, a transformação no espectro das religiões nos bairros populares
esteve em constante conflito e interpenetração com outras duas dimensões de mudanças
no mundo da cultura, uma delas é a expansão da indústria cultural de massa,
através da televisão, do rádio e das fitas cassetes. Ademais, surgiram novas
zonas de prazeres vinculadas a empreendimentos de diversão pagos, como boates,
discotecas, pequenas e grandes casas de shows, bares com música ao vivo, atendendo
a um público ineditamente juvenil, que foram substituindo os antigos clubes
sociais, mais para adultos que para jovens.
Outra
dimensão que se transformou, também pela via das trocas mercantis, foi a
expansão de pontos de venda de entorpecentes, especialmente a partir dos anos
2000. O entorpecimento por drogas ilegais, uma diversão anteriormente
concentrada nas classes médias e altas, chega até os mais pobres. As tradições
de agressividade – como as existentes nas lutas por terra urbana, na defesa da
propriedade, nas fidelidades a grupos políticos, nas intervenções abusivas da
polícia, na defesa da própria honra e no ataque a honra alheia, como as
expressas em rivalidades entre famílias, gangues de bairro e torcidas
organizadas – se enovelaram às disputas por biqueiras (bocas de fumo).
A
honra, a partir de meados dos anos 2000, passa a ser um bem que se mistura cada
vez mais a disputa por dinheiro e por tudo que ele pode trazer nesse novo
universo de prazeres: as orgias, festas particulares, bens como motos, roupas
de marca, acessórios de ouro e prata, tudo signo de conforto advindo do
entrelaçamento entre coisas materiais e honra econômica. Tal nível de
“democratização” juvenil da honra econômica através do dinheiro é inédita em
Alagoas e perpassa “garotões” e “garotonas”. E parte dela decorre do aumento do
acesso a oferta de diversões ilegais por jovens de periferia. A entrada regular
nessas “carreiras criminalizadas” geralmente implica sair da Igreja que, em
algum momento, o jovem esteja frequentando.
Se
de um lado, o acesso à cultura pelo rádio e pela televisão alterou o padrão de
desejos por bens de consumo difíceis de serem acessados pelas vias legais, de
outro, abriu novos horizontes de complementaridades afetivas que no seio das
igrejas seriam impossíveis de ganhar forma. Falo não apenas de jovens que se
martirizaram ou foram separados da convivência por terem preferências
homossexuais ou estilos transgêneros, mas também de pessoas que se sentiam
discriminadas pela cor, pelo estilo da aparência, ou por perspectivas
intelectuais e científicas que aprenderam na escola. Ademais, as barreiras para
que mulheres alcançassem posições de liderança em uma congregação eram elevadas,
e em seu seio foram estimuladas a reprodução de estilos de amor e de sexo que
não faziam mais sentido para várias delas, muitas tendo sido violadas e
humilhadas pela falta de limites ao poder dos homens.
Assim,
largos grupos nas periferias sentiam que não havia lugar para eles nas
congregações, aumentando as parcelas dos “sem religião” registrados nos censos
do IBGE. Desenhou-se, assim, dois movimentos aparentemente contraditórios mas
efetivamente complementares: aumentou a quantidade dos que se declaravam
evangélicos, mas, também cresceu, como parte da mesmo desenvolvimento social,
os que se diziam “sem religião”.
A
universidade também tem contribuído para revolver os horizontes culturais nas
periferias. Seja pública ou privada, o acesso mais amplo e intenso ao ensino
superior tem ajudado a criar novas vias de circulação de conhecimento e de
pessoas, afetando ineditamente a paisagem cultural das periferias. A escala
desse movimento é inédita, aumentando a pressão por secularização mas
principalmente por intelectualização, essa palavra tão odiada na universidade,
que está na base da coordenação e mobilização de grupos tanto para o ímpeto ao
empreendimento, à criação economicamente viável, quanto à “espiritualização”
artística e científico-social. Podemos atribuir a tal fenômeno a coordenação de
esforços em pro da maior oferta de bens e serviços culturais bem como às
iniciativas de grupos que pleiteiam uma melhor participação no mercado de bens,
distribuição de direitos individuais e de justiça social.
Têm
nascido novas expressões artístico-culturais desse diálogo de múltiplas feições,
que não são de Igreja, que não são de empresas, mas que se nutrem de
inteligências incentivadas pelo Estado brasileiro e, em alguns casos, do
investimento público municipal, estadual e federal. Em boa parte deles, esse
apoio apenas ganha forma nos esforços de colaboração mútua custeados por suas
lideranças que, através da nova dimensão da internet, fomentam a criação de
mercados locais e apostas sobre o futuro, e isso é precioso: ter a oportunidade
de intercâmbio de bens e de ideais, retroalimentando a busca por horizontes.
Esse
diálogo se encontra com um outro tipo de movimento, mais disperso, mas nem por
isso menos importante. Trata-se do afastamento de pessoas de instituições como
as Igrejas, associações culturais ou mesmo da família, por conflitos os mais
diversos, gerando pessoas com ideais altruístas mas sem uma organização estável
que as abrace. Dessa situação, surgiram pessoas que passaram a se dedicar a
ideais de grupo e não apenas aos individuais. Muitas delas mudaram de referências
de vida pela frustração e desilusão com os rumos da própria existência, mas se
mantiveram interessadas em investir parte de suas energias em pensar e agir pelos
outros e não apenas pelos de sua família. Assim, novos cursos intergeracionais
ganharam forma.
Surgiram
militantes da causa étnico-racial que eram filhos de policiais militares, de
funcionários públicos, de jornalistas que não tinham apreço por esse ideal. Da
mesma forma, surgiram evangélicos que abraçaram os exemplos de amor universal
de Jesus de Narareth, mas que deixaram de frequentar as Igrejas que os pais
amam e frequentam. Surgem iniciativas celulares de mobilização por direitos
LGBT, de pessoas que sofreram intensos conflitos com familiares por assumirem
preferências e estilos transgêneros e homossexuais.
O
cenário atual mostra o esforço de diferentes grupos no mundo da cultura para
serem aceitos e por obterem reconhecimento de que a maneira como se expressam é
digna e respeitável. Aumentaram as necessidades do espírito. Temos vivido um
período de redução do medo da fome entre as populações das periferias.
Entretanto, os sofrimentos advindos das carências culturais crescem e poderão
ganhar a forma de ciclos de violência decorrentes de como buscamos exprimir-nos
uns diante dos outros.
A
dimensão simbólica dos conflitos humanos é geralmente subestimada, como se a
cultura fosse algo que pudesse ser desfeito a qualquer tempo, tal qual um
viciado em álcool que afirma poder parar a qualquer tempo. Mas os fatos da vida
humana mostram que tais ciclos de violência e de conflito cultural podem ser
longos e incontroláveis, causando danos e sofrimentos ao convívio humano entre
pais e filhos, vizinhos, cidadãos e compatriotas, gerando um legado de dores
contínuas.
Estamos
em um momento no qual muitas pessoas alcançaram o poder de falar por si mesmas
nas periferias e, com isso, fazer defesas de como devemos viver como parte de
um grupo maior, de uma cidade, de uma país. Pergunto: temos espaços e estamos
dispostos a lidar sobriamente com isso, reduzindo o impacto de nossos medos uns
dos outros, e experimentando a convivência civilizada com esses conflitos,
dando a eles um direcionamento integrador? Ou reproduziremos um longo legado de
tradições de humilhações e violências físicas que marcam os corpos das pessoas
nas periferias da sociedade maceioense numa direção progressivamente destrutiva?
A
busca por redução do sofrimento nas periferias e em toda a sociedade maceioense
que se expressa nessas regiões mira uma encruzilhada. Qualquer caminho que
tomemos passará pela maneira como iremos conviver com os sentimentos e ideais
religiosos, intelectuais, artísticos, políticos, étnicos e de gênero, que nos
têm feito tão diferentes, apesar das muitas dimensões que nos assemelham.
As
populações das periferias têm se aproximado socialmente das populações das zonas
urbanas melhor reputadas socialmente e isso é uma matriz
de conflitos intensos.
Parece-me
que um dos principais dilemas da vida urbana maceioense e brasileira atual é
esse: vamos lidar de maneira integradora com os conflitos decorrentes da
aproximação entre grupos anteriormente mais separados ou tomaremos os conflitos
como ameaças mortais entre amigos e inimigos, separando-nos durante um longo
futuro?
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