Professor de Geografia do Instituto Federal de Alagoas - Campus Piranhas (2015). Doutorando no Programa
de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Pernambuco (2015).
Mestre em Geografia pela Universidade Federal da Paraíba (2015), com
mestrado sanduíche na Universidade Federal de Sergipe (2014). Graduado em
Licenciatura Plena em Geografia pela Universidade Estadual do Ceará (2011) e Graduado
em Tecnólogo em Recursos Hídricos/Irrigação pelo Instituto Centro de Ensino
Tecnológico – CENTEC (2004). Pesquisador membro do Laboratório de Pesquisas e
Estudos sobre o Espaço Agrário e Campesinato e do Núcleo de Agroecologia, ambos
do PPGEO/UFPE. Atualmente concentra os estudos sobre a questão agrária no
Brasil e em Alagoas.
A CONTRARREFORMA AGRÁRIA NO
BRASIL DO SÉCULO XXI: notas sobre a
espacialização dos assentamentos rurais e a (re)criação do campesinato
assentado no campo alagoano (I)
Claudemir Martins Cosme
Resumo
O objetivo central desse trabalho é discutir como a
reforma agrária vem sendo tratada no Brasil, a partir de alguns apontamentos
acerca da estrutura fundiária, da luta pela reforma
agrária e da conquista dos
assentamentos rurais no campo alagoano. Busca-se
ultrapassar as análises limitadas pelas convicções ideológicas, pró ou contra a
reforma agrária, e avançar na reflexão com base na realidade do espaço agrário
de Alagoas. Nessa perspectiva, três indagações são norteadoras: 1) Na
atualidade, a estrutura de propriedade, posse e uso da terra contém ou provoca
problemas sociais, econômicos e ambientais suscetíveis de configurar uma
questão agrária? 2) A política de reforma agrária deve ser um processo
permanente ou deve existir um prazo delimitado para que ocorram alterações na
estrutura fundiária vigente no período de sua realização? 3) É possível atestar
que já houve ou está em curso um processo de reforma agrária no país? Assim,
pretende-se decifrar algumas das contradições que permeiam os processos de
(re)criação e permanência do campesinato assentado no Brasil do século
XXI.
Introdução
A realidade do campo no Brasil
do século XXI não deixa dúvidas: o modelo agrário/agrícola latifundista,
transmutado de agronegócio, segue hegemônico em detrimento das distintas formas
de agricultura camponesa. Trata-se de um modelo que se apresenta com uma
roupagem moderna, sobretudo economicamente, mas que no seu cerne possui e
atualiza o que há de mais antigo e colonial na formação territorial capitalista
brasileira no tocante ao padrão de poder, ao estabelecer uma forte aliança
entre as grandes corporações financeiras internacionais,
indústrias-laboratórios de agroquímicos e de sementes, cadeias de
comercialização e os grandes latifúndios exportadores de grãos
(PORTO-GONÇALVES, 2012).
Como definiu Martins (1999), uma
aliança do atraso entre o capital e a terra, tendo como elo um Estado
oligárquico com suas relações políticas atrasadas, se materializa como uma das
particularidades históricas nessa formação territorial. Particularidade essa,
que tem impedido a efetiva realização da reforma agrária. Fato bem elucidado
por Oliveira (2001), quando defende que a concentração de terras pelos grandes grupos
econômicos tem uma funcionalidade para o capital, haja vista servir como
reserva de valor e/ou reserva patrimonial, com a finalidade de garantir o
acesso ao sistema financeiro bancário e os incentivos governamentais.
Nesse contexto, para
além das convicções ideológicas pró ou contra a reforma agrária, três perguntas são essenciais para nortear qualquer
debate sobre a proposição ou mesmo avaliação dessa política em determinado
contexto político. A primeira, parafraseando Delgado (2014): no contexto
societal brasileiro do século XXI, a estrutura de propriedade, posse e uso da
terra contém ou provoca problemas sociais, econômicos e ambientais suscetíveis
de configurar uma questão agrária? A segunda: a política de reforma agrária
deve ser um processo permanente ou deve existir um prazo delimitado para que
ocorram alterações na estrutura fundiária vigente? E por fim a terceira,
entrelaçada às outras duas indagações: sem alterar a estrutura fundiária é
possível defender que houve um processo de reforma agrária?
Destarte, o objetivo
central desse trabalho é discutir como a
reforma agrária vem sendo tratada no Brasil, a partir de alguns apontamentos
acerca da conquista dos assentamentos rurais, da luta pela reforma agrária e da
evolução da estrutura fundiária no Estado de Alagoas.
Os últimos dois anos foram de
aproximação e conhecimento da realidade da questão agrária nesse Estado, por
meio dos seguintes caminhos metodológicos: pesquisa e leitura da bibliografia
sobre a sua formação territorial, especialmente sobre o espaço agrário;
pesquisa participante efetivada através de diálogos permanentes com os vários
movimentos e organizações sociais do campo e atividades de pesquisa e extensão
junto às famílias assentadas, em parceria com o Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST); levantamento de dados junto ao: Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (INCRA), Comissão Pastoral da Terra (CPT), Instituto de Terras de Alagoas (ITERAL) e
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Como método de interpretação, à
dialética materialista norteia a reflexão, essencialmente, a partir de uma
leitura não evolucionista/etapista da história, rompendo com um dito modelo
eurocêntrico inexorável de desenvolvimento e de caminhos para uma transformação
estrutural da sociedade brasileira. Nessa linha interpretativa, buscamos amparo
nas leituras que situam o debate das contradições dessa sociedade no seio das
especificidades históricas da sua formação territorial capitalista, como forma
de ler o lugar/papel da classe camponesa e da reforma agrária no Brasil do
século XXI.
Concentração fundiária e da
minifundização em Alagoas
Depois de mais
de 50 anos de discussão e formulações de leis que tratam da implementação da
reforma agrária no Brasil, como o Estatuto da Terra de 1964, a elaboração de
dois Planos Nacionais de Reforma Agrária (PNRA), 1985 e 2003, a Constituição
Federal de 1988 e a Lei Agária 8.629/1993, que regulamenta os dispositivos
constitucionais relativos a referida reforma,
constata-se a perpetuidade da estrutura fundiária desigual no país. Estrutura
essa marcada, de um lado, por grandes propriedades (latifúndios) e, de outro,
as minúsculas propriedades camponesas (minifúndios).
O Índice de Gini
comprova o aprofundamento da concentração da terra no campo brasileiro nas
últimas décadas. Chegamos a um índice de 0,872 em 2006, superior aos anos de
1995 e 1985, com 0,856 e 0,857, respectivamente. Já à realidade do campo em Alagoas, onde as oligarquias têm
elevada capacidade de se metamorfosearem para se manterem no poder (TENÓRIO,
2009), é a mais desigual entre todas as Unidades da Federação. Seguindo
a dinâmica nacional, o índice sai de 0,858 em 1985, para 0,863 em 1995 e chega
a 0,871 em 2006 (IBGE, 2009), demonstrando a profunda concentração da terra
nesse Estado.
Segundo
Carvalho (2014), predomina nos governos uma postura político-ideológica de
manutenção de uma estrutura agrária socialmente injusta, através de uma
contrarreforma agrária, juntamente com ações de ordem econômica, que reforça
“[…] a concepção social retrógrada de que os camponeses se constituem em “povos
sem destino”, destinados historicamente a desaparecerem da formação econômica e
social brasileira (Ibidem, p. 80).
Os dados da Tabela 1,
com base no Censo Agropecuário de 2006, não deixam dúvidas sobre a realidade
desigual da estrutura fundiária no campo alagoano. Enquanto, de um lado, 92,89%
(114.565) dos estabelecimentos rurais com menos de 100 ha, ocupavam apenas
35,64% da área total ou 752.904 ha, de outro, 2,61% (3.227) dos
estabelecimentos com mais de 100 ha, concentravam 64,36% da área total ou
1.359.670 ha. A desigualdade mostra sua face mais injusta quando se compara os
dados dos estabelecimentos com mais de 1.000 ha (minoria) e os com menos de 10
ha (ampla maioria). Os primeiros, com apenas 0,16% do total ou 200 unidades concentravam 27% da
área total ou 570.487 ha. Já os segundos, com 77,67% ou 95.791 unidades, se
expremiam em apenas 10,71% da área total ou 226.342 ha (Ver tabela 1). Levando-se
em conta que no contexto alagoano, o módulo fiscal varia de acordo com as zonas
naturais de 7 a 70 hectares, sendo em média em torno de 32 ha, podemos afirmar
que o processo de minifundização na estrutura fundiária estadual é
predominante.
Tabela 1 – Alagoas – Evolução da
Estrutura Fundiária – (1995/2006)
Classe de área (ha)
|
1995
|
2006
|
||||||
Nº
Estabel.
|
%
Estabel.
|
Área
(ha)
|
%
Área
|
Nº
Estabel.
|
%
Estabel.
|
Área
(ha)
|
%
Área
|
|
Menos
de 10
|
92.736
|
80,60
|
220.023
|
10,27
|
95.791
|
77,67
|
226.342
|
10,71
|
10
< 100
|
18.625
|
16,19
|
545.369
|
25,46
|
18.774
|
15,22
|
526.562
|
24,93
|
Menos 100
|
111.361
|
96,78
|
765.392
|
35,72
|
114.565
|
92,89
|
752.904
|
35,64
|
100
< 1000
|
3.487
|
3,03
|
963.371
|
44,97
|
3.027
|
2,45
|
789.183
|
37,36
|
Mais
de 1000
|
190
|
0,17
|
413.698
|
19,31
|
200
|
0,16
|
570.487
|
27,00
|
Total
|
115.064
|
100,00
|
2.142.461
|
100
|
117.792
|
100*
|
2.112.574
|
100,00
|
Fonte: IBGE (2006). Organização:
Claudemir Martins Cosme
Lessa (2012) já havia
constatado acertadamente que na evolução da estrutura fundiária de Alagoas,
apesar da presença da grande propriedade latifundiária e da elevada
concentração fundiária, existem diferenças históricas consideráveis
espacializadas nas três mesorregiões que compõem o território do Estado, a
saber: o Leste Alagoano, marcado pelo latifúndio da cana; o Agreste e o Sertão
caracterizados pelo minifúndio e pelas pequenas e médias propriedades.
Não obstante, ainda
conforme a Tabela 1, é mister destacar o aumento, entre 1995 e 2006, do número
e da área dos grandes estabelecimentos rurais. Estes passaram de 190 unidades e
413.698 ha, para 200 e 570.487, respectivamente. Ou seja, ocorreu um aumento de
apenas 10 estabelecimentos, mas com a incorporação de 156.789 mil ha. Enquanto
os estabelecimentos de 100 a menos de 1.000 ha perderam 174.188 ha e os
minifúndios incorporaram apenas 6.319 ha.
Outro dado que traduz o
processo de elevação da concentração fundiária no campo alagoano é a variação
da área média dos estabelecimentos rurais. Os grandes (acima de 1.000 ha)
tiveram sua área ampliada em 61,48%, entre 1985 e 2006, sendo de longe o maior
crescimento, contra um crescimento incipiente dos pequenos com menos de 100 ha
e a queda dos que ficam entre 100 e menos de 1.000 ha, 0,92 e -6,09,
respectivamente (Ver Tabela 2).
Tabela 2 - Alagoas – Variação do tamanho
médio dos estabelecimentos por classe de área (1985 - 2006)
Casses de área (há)
|
1985
|
1995
|
2006
|
Variação
do tamanho (%)
1985
– 2006
|
Menos
de 10
|
2,31
|
2,37
|
2,36
|
2,16
|
10
< 100
|
29,24
|
29,28
|
28,05
|
-4,07
|
Menos 100
|
6,51
|
6,87
|
6,57
|
0,92
|
100
< 1000
|
277,62
|
276,28
|
260,71
|
-6,09
|
Mais
de 1000
|
1.766,42
|
2.177,36
|
2.852,44
|
61,48
|
Fonte: IBGE (2006). Organização:
Claudemir Martins Cosme
Dados
estatísticos mais recentes do INCRA,
com base no conceito de imóvel rural e cujas informações são autodeclaradas
pelos proprietários ou por seus representantes legais, revelam que no princípio
do ano de 2012 em Alagoas, 46.734 imóveis rurais estavam cadastrados e ocupavam
uma área total de 1.673.572,73 há. Deste universo, as grandes
propriedades que totalizam 132 imóveis rurais (ou 0,28% do total de imóveis),
controlam 14,18% da área cadastrada ou 237.326 ha. Enquanto que
3.151 imóveis cadastrados (equivalente a 6,74% do total), considerados em sua
maioria de dimensão mediana, controlavam 815.112 hectares, o que representa
48,70% da área total cadastrada. Juntos, os médios e grandes imóveis rurais
somavam apenas 7,02% do total de imóveis declarados, mas concentravam 62,89% da
área total. Por sua vez, os imóveis pequenos, que somam 43.451 ou 92,98% do
total declarado, espremiam-se em apenas 621.135 hectares, que representam
37,11% da área total cadastrada (Ver Tabela 3).
Tabela 3 - Alagoas - Estrutura fundiária
(2012)
Classe de área (ha)
|
2012
|
|||
Imóveis
|
%
Imóveis
|
Área
(ha)
|
%
Área
|
|
Menos
de 10
|
26.727
|
57,19
|
109.202
|
6,53
|
10
< 100
|
16.724
|
35,79
|
511.933
|
30,59
|
Menos 100
|
43.451
|
92,98
|
621.135
|
37,11
|
100
< 1000
|
3.151
|
6,74
|
815.112
|
48,71
|
Mais
de 1000
|
132
|
0,28
|
237.326
|
14,18
|
Total
|
46.734
|
100
|
1.673.573
|
100
|
Fonte: INCRA (2017). Organização:
Claudemir Martins Cosme
Vale salientar duas questões que os dados oficiais
do INCRA apresentam, apesar de não serem visualizadas na tabela 3. A primeira,
é que apenas 03 imóveis rurais, classificados com área entre 5.000 e 10.000 ha,
concentram sozinhos 21.792,10 hectares. Todos localizados na Mesorregião do
Leste Alagoano monocultora de cana-de-açúcar: um no município de Coruripe com
8.743,10 há; outro em Messias com 6.049,00 ha e o último em São Miguel dos
Campos com 7.000 mil ha. É preciso ter em mente que o número de grandes imóveis
rurais poderia ser bem maior, caso se considere a tática utilizada pelos
latifundiários de fragmentar seus latifúndios em médios imóveis, como forma de
mascarar a concentração e esvaziar o questionamento do monopólio da terra no
Brasil (RAMOS FILHO; RAMOS, 2014).
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