Nosso objetivo é contribuir para uma boa discussão sobre Alagoas. A administração pode discordar, no todo ou em parte, do que é dito no texto. O importante é que a posição do autor seja discutida.
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Dois dedos de prosa
Luiz Sávio de Almeida
Alagoas vem se beneficiando do aparecimento de uma nova
geração de pesquisadores que merece todo
o nosso respeito; são pessoas sérias, meticulosas, inteligentes e
procuram contribuir com a discussão de nosso processo histórico. Muitos
revisitam tema antigos; muitos procuraram temas novos como Gustavo Neri, que
resolveu escrever sua dissertação de mestrado sobre o integralismo em Alagoas,
um tema a bem dizer virgem.
Ao que me consta, sobre o tema, apareceram apenas dois
artigos meus, publicados na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de
Alagoas resultado de meras notas por mim coletadas quando discutia comigo
mesmo, qual o tema que deveria ser aproveitado em meu doutoramento. Terminei
indo para o século XIX.
Gustavo Neri trouxe um belo texto, uma excelente discussão
sobre a vida alagoana na década de trinta e é uma honra para Campus, poder
publicar parte do material que ele produziu; trata-se de uma adaptação que
sairá em quatro números de Campus.
Tomara que alguém
prossiga com esta história, produzindo sobre os reagrupamentos que os integralistas tiveram em Alagoas.
Campus agradece o favor que o autor nos fez.
Jatiúca, janeiro de 2015
Gustavo Neri: Licenciado em História pela Universidade
Federal de Alagoas – UFAL, Mestre em História pela Universidade Federal de
Alagoas- UFAL, Professor de História e História da Arte do Ensino Médio,
atualmente lecionando no Colégio Rosalvo Ribeiro dos Santos, Autor do Artigo: A
Indústria Têxtil, O Decreto Nº. 19.739 e a Legislação Trabalhista, in. A
Indústria Têxtil, a classe operária e o PCB em Alagoas. Org.; Alberto Saldanha.
O INIMIGO DO SIGMA: atrás dos rastros
comunistas nas terras alagoanas
Entre os inimigos dos integralistas
estavam o liberalismo, o semitismo e o comunismo. Desses, o terceiro
provavelmente foi o mais agredido, ao menos no estado de Alagoas, já que
segundo os ideais do “credo verde” ele representava para a sociedade a Escravidão
Moral, a Escravidão Política e a Escravidão Econômica. O bolchevismo era um
risco que não poderia ser tolerado nas fronteiras brasileiras, muito menos nas
terras conservadoras de Alagoas. Visando debater as operações de combate ao
comunismo é que abordaremos esse tema nas linhas seguintes.
Os integralistas acreditavam que o
comunismo era o reducionismo do homem ao âmbito econômico e que suas bases
materialistas afastavam o sujeito de uma concepção espiritual, assim como o
Estado Liberal era uma visão limitadora do ser ao civismo. Segundo o discurso
integralista, ao homem no comunismo não é agregado nenhum sentido humano, pois
não passa de um ser econômico, sendo o mundo uma arena onde se trava uma guerra
constante entre capital e trabalho.
A superação disso, segundo os integralistas,
estava no Estado Integral, que era a junção do civismo com o econômico,
acrescentados ao espiritual, e qualquer ideia que representasse a fragmentação
desses ideais deveria ser combatida. O caráter internacionalista do comunismo
era tido como uma ideia apátrida. Para os defensores do Sigma, o comunismo
representava o fim da soberania política e econômica das nações. Ou seja, o
comunismo, assim como o liberalismo, pretendia estabelecer um regime
completamente avesso aos ideais integralistas, que prezavam pela religião, pela
família e pela pátria, como se pode constatar em seu lema “Deus, Pátria e
Família”.
Hélgio Trindade divide o
anticomunismo integralista em três fases. Na primeira, o socialismo e o
liberalismo fazem parte de uma mesma concepção filosófica, o materialismo. Já
na segunda, os teóricos integralistas afirmam que o socialismo e sua estrutura
socioeconômica estavam ligados às doutrinas fragmentárias do século passado e
seria o fascismo integral a representação da superação desse socialismo. A
terceira e última fase consistia em disseminar o medo ao comunismo entre os
militantes integralistas, já que geralmente se combate o que se teme. É essa
terceira expressão de anticomunismo que está mais presente nos discursos de
jornais e panfletos do movimento, e até mesmo da grande imprensa na década de
1930. A ideia era aterrorizar para manter a sociedade longe dos ideais
subversivos do comunismo.
Existiu
uma tática usada pelos integralistas que foi muito efetiva no combate ao
comunismo: o serviço de espionagem realizado pelo Departamento de Policia
Integralista. Em 1933, após um decreto de reestruturação da Polícia Civil, é
criada a Delegacia Especial de Segurança Política e Social (DESPS). Esta
dispunha de alguns agentes, porém poderia ampliar o seu quadro e contratar
tantos homens quanto o chefe de polícia achasse necessário. É nesse campo que
se enquadra a atuação do combate ao comunismo dos camisas-verdes de Alagoas.
Essa não é uma característica exclusiva dos integralistas alagoanos, pois o
trabalho de identificação e investigação das sedes comunistas foi uma
atribuição nacional da AIB. Assim, os integralistas da Terra dos Marechais
tiveram a sua participação na perseguição aos bolchevistas. O seguidor do
“credo verde” deveria investigar, e ao identificar a presença dos comunistas em
alguma região, informar ao Chefe de Polícia para que este tomasse as medidas
cabíveis.
Para manter essa atividade com maior
efetividade foi criado o Departamento Nacional de Polícia (DNP), que se dividia
em Departamento Provincial de Polícia (DPP) e Departamento Municipal de Polícia
(DMP). Cabia a essas secretarias o trabalho de investigar e combater os ideais
subversivos que “ameaçassem o bem” do Brasil. Para isso foram estabelecidas as
seguintes diretrizes: cumprir e vigiar todos os militantes comunistas, enviando
ao DPN a ficha respectiva, bem como avisar qualquer ausência, quer por fuga,
quer por motivo de viagem. Procurar localizar todas as células comunistas da província,
estar sempre a par de suas atitudes, bem como descobrir os chefes. Sempre que
for aconselhável, deveis entrar em contato com as autoridades policiais, a fim de serem tomadas as
providencias necessárias, desde que essas ultrapassem a nossa capacidade de
agir, como nos casos de prisão, etc.
] Essas seriam as atitudes que deveriam
tomar os integralistas diante da ameaça comunista. Para além de uma mera ação
investigativa, exigia-se a disciplina, o espírito patriótico e a crença nos
ideais do Sigma, para que cada camisa-verde agisse conforme suas atribuições. O
DPPA tinha uma funcionalidade tão ativa que contava com um número de mais de
quarenta funcionários espalhados pelos bairros de Maceió; os bairros eram
divididos em zonas e cada área ficava sob a fiscalização de um grupo
integralista. O DPPA contava ainda com a ajuda de mais de trinta membros
auxiliares nessa secretaria.
Em 1935 a chefia do DPPA ficou nas
mãos do Sr. Milton Ramires e tinha como funcionários: José Mendonça de
Vasconcellos, no cargo de chefe de gabinete do DPP, Fernando Regis do Amaral
como oficial de gabinete do DPP, Ismael Lisboa era o chefe da 1ª Divisão, a 2ª
Divisão era comandada por Renato Bonfim Tavares, Jalk Cabral era o chefe da 3ª
Divisão e José Antônio dos Santos era o chefe da 4ª Divisão do DPP. Porém o
departamento de polícia integralista não se limitava apenas aos cargos de
gabinete, usando a força dos grupos auxiliares para atuar no combate à
subversão.
A
eficiência desse departamento estava garantida pelo número de funcionários e
auxiliares desse setor, mas só isso não bastava: a Secretaria tinha de agir no
combate ao comunismo. Exercendo a função investigativa, em 1935 o DPP envia um
telegrama ao comissário de polícia da Zona do Poço para investigar o Sr. Francisco
José de Barros. Sobre esse sujeito queriam saber: sua orientação política,
residência e rotina.
A investigação sobre o Francisco José de Barros originou-se de uma
denúncia feita a Carloman, na qual o investigado era acusado de esconder comunistas
procurados em sua residência, bem como de ser defensor de ideias subversivos e
extremados. A denúncia partiu de Osvaldo Veloso e veio do bairro da Saúde. Foi
solicitada certa emergência no resultado dessa investigação. A busca para
identificar os comunistas era intensa. Assim, em 25 de julho de 1935, os
resultados desse trabalho começavam a aparecer.
Na capital alagoana, no bairro da
Ponta Grossa, foi identificado como comunista Antídio de Souza. Esse indivíduo,
além de ser comunista, era acusado de manter e chefiar em sua casa uma célula
dos seguidores de Moscou. O telegrama de investigação dizia: “Antídio de Souza
é comunista e chefe de uma célula em sua residência, na rua Tupinambás nº 128,
carroceiro e proprietário de duas carroças, sendo condutor de uma, e uma seu
companheiro de nome Antônio Ferreira era condutor” (TELEGRAMA ENVIADO AO CHEFE
DO DPP, 21 de julho de 1935, p. 1).
Perseguir os rastros dos comunistas
era uma forma que os integralistas encontravam para diminuir as forças de seus
adversários políticos, que se espalhavam pela capital alagoana. Mas esses não
eram os únicos alvos dos integralistas alagoanos, pois outras organizações eram
vistas como perigosas aos ideais verdes, sendo também a Aliança Nacional
Libertadora (ANL) colocada nas fileiras inimigas. As perseguições contra a ANL
se confundiram com as perseguições aos comunistas, já que os integralistas
tratavam essa organização como uma extensão do PCB. Defendiam que a presença de
sujeitos como Carlos Prestes na Aliança já era suficiente para comprovar sua
teoria. Alegavam ainda que esse movimento constituía um novo partido em combate
ao integralismo e por isso deveria ser destruído.
Desta maneira, os olhos dos espiões
integralistas estavam fixados na ANL, fazendo-se necessário identificar os
chefes, seus membros, suas sedes e as atividades de cada um do movimento. Tudo
isso foi solicitado pelo Chefe do DPP em uma circular remetida em 24 de julho
de 1935. Dispondo de pouco mais de cinco dias, os membros desse departamento
tiveram de trabalhar rápido. A resposta veio do comissário da região do
Trapiche da Barra, que ficava sob a responsabilidade do comissário Atolino de
Oliveira Lima. Este investigador obteve resultados que levaram aos nomes de
dois sujeitos que atuavam em sua região: Olívio e Aristides Téa. Em seu
relatório afirma que esses homens, além de propagandistas da ANL eram também
opositores dos ideais integralistas. Ambos residentes no bairro do Trapiche da
Barra, atuavam em conjunto naquela região, um suprindo a ausência do outro.
A presença dos inimigos
da AIB não era um privilégio da capital alagoana, pois esses grupos se
espalhavam pelos municípios do estado. Em São Miguel dos Campos deu-se um caso
curioso: o inquérito instaurado para saber se o indigitado extremista José
Laurindo de Lima poderia ser aceito pelo Núcleo Municipal de São Miguel dos
Campos. A investigação constava de uma avaliação dos antecedentes desse sujeito
para avaliar a possibilidade de seu ingresso nas fileiras integralistas. Assim,
no dia 9 de junho de 1936, na sede do núcleo municipal integralista de São
Miguel dos Campos, perante os camisas-verdes Afrânio Moreira de Oliveira
(SMOP), José Emídio Filho (SME), Miguel Frederico da Silva (SMSF) e o chefe
municipal, Sr. José de Medeiros Aprato, foi iniciado o inquérito para decidir
os rumos de Laurindo de Lima. O investigado tinha 28 anos de idade, casado, se
declarou agricultor, era natural da cidade de Alagoas, mas residia em São
Miguel dos Campos; sabia ler e escrever.
Durante o interrogatório perguntaram
ao agricultor se ele professou ou professava o credo comunista. Sua resposta
foi que sim, já tinha prestado serviços para o antigo partido da capital
alagoana. O investigado afirmou ainda haver ingressado nas fileiras comunistas
por livre e espontânea vontade, que nunca foi obrigado a nada e que obedecia
tão só à sua consciência. O ex-militante comunista mostrou-se muito determinado
em não esconder seu passado entre os seguidores dos ideais soviéticos. Contou
também que enquanto esteve na cidade de Coruripe, onde realizava trabalhos como
vendedor ambulante de miçangas, atuava em paralelo fazendo propaganda para o
PCB, e foi lá que sua sorte começou a mudar. Pois, acabou sendo preso e levado
até a penitenciaria de Maceió onde passou 19 dias acusado de subversão.
Foi após essa intervenção policial
que o antigo vendedor ambulante decidiu mudar de vida. Assim, depois de ser
liberado, mudou-se para São Miguel dos Campos, onde fixou residência e passou a
trabalhar como agricultor. Até a data do inquérito, Laurindo se dizia afastado
de toda e qualquer atividade comunista, bem como arrependido por ter se deixado
levar por essas atividades subversivas e antipatrióticas. No entanto, aquele
não era um inquérito apenas para averiguar se aquele homem era ou não
comunista, pois isso já estava provado no próprio depoimento dele. Aquela era
uma entrevista com o intuito de avaliar se o investigado se mostrava decidido a
ingressar no movimento integralista.
Como um grande pai que jamais se nega
a dar outra chance para seus filhos, o movimento integralista passou a avaliar
a possibilidade de ter esse novo integrante no seu quadro. Mas não bastavam
apenas as palavras do entrevistado, pois os chefes integralistas queriam ouvir
a comunidade que era mais próxima do investigado. Assim, a investigação contou
com o depoimento de duas testemunhas, Antônio Teles dos Santos e José Petronilo
de Lima. O primeiro a depor foi o Antônio Teles dos Santos, de 31 anos de
idade, casado, operário, natural de Campos, estado de Sergipe, residente em São
Miguel dos Campos. O depoente começou dizendo que ouviu rumores de uma prisão
em Coruripe de um sujeito que respondia por nome de José Laurindo, mas que
jamais pensou que fosse o seu amigo, pois nunca ouviu dizer que ele estivesse
envolvido com grupos subversivos. No entanto, após os rumores e a confirmação
de sua prisão, a testemunha pôde ter certeza que o Laurindo dos fuxicos do povo
era mesmo o seu amigo.
A segunda testemunha nesse inquérito
foi José Petronilo de Lima. Tinha 36 anos de idade, era casado, operário e
residente em São Miguel dos Campos. Assim como a outra testemunha ouvida, dizia
desconhecer as atividades comunistas do acusado, pois o conhecia como o
vendedor ambulante de miçangas. Afirmou que só ficara sabendo de suas
atividades quando Laurindo foi preso em Coruripe. Foi-lhe perguntado como o
acusado conseguia se manter oculto diante da comunidade. A testemunha
acrescenta que se as atividades do acusado fossem realizadas na cidade, eram
feitas num horário desconhecido, para evitar que ele fosse pego. O próprio depoente
afirmou que se presenciasse o Sr. Laurindo a realizar esse tipo de atividade
teria feito a denúncia.
As falas das duas
testemunhas ouvidas não confirmavam a participação efetiva do indivíduo nos
grupos comunistas, mas o próprio acusado assumia sua participação entre os
comunistas. Restava agora a avaliação final para saber se José Laurindo era
realmente “digno” de usar a camisa verde e se realmente desejava redimir-se de
todas as suas atividades subversivas cometidas no passado. Foi-lhe concedido um
período de estágio probatório de um mês, em que o ex-militante vermelho teria
de provar que estava pronto para se tornar um integralista.
Era chegada uma das horas decisivas
do inquérito: era o momento da decisão de uma das chefias sobre o ingresso ou
não do Senhor Laurindo. Isso competia ao chefe municipal do núcleo de São Luís
do Quitunde, José Medeiros Aprato. Este levava em conta os depoimentos das
testemunhas e do acusado, e fazia uma avaliação do comportamento do sujeito
durante o período de estágio probatório. Esse foi o “calcanhar de Aquiles” do
candidato, pois, segundo o parecer do chefe, o investigado não correspondia ao
perfil de um integralista. A falta de compromisso com as obrigações do movimento,
a postura indisciplinada dentro e fora do núcleo, a irresponsabilidade com a
família, tudo isso e mais alguns adendos fizeram com que Aprato considerasse o
ex-militante vermelho indigno de se tornar um integralista.
Toda essa resistência e combate ao
comunismo não passava despercebida aos olhos dos seguidores de Moscou; contra a
ação do Governo e dos integralistas, os comunistas brasileiros já preparavam
uma reação. Não era possível manter-se passivo com tudo o que estava
acontecendo; era hora de agir para não se tornarem “presas” tão fáceis de ser
capturadas.
As forças opositoras eram a polícia,
o governo varguista e as forças imperialistas do capitalismo liberal, que
passavam a atuar com um serviço de espionagem bem mais sofisticado, diferenciando-se
das atuações truculentas da polícia da República Velha. O objetivo agora não
era capturar apenas um indivíduo, mas sim investigar um suspeito por um, dois
ou até três meses, para assim, por meio daquele indivíduo, capturar uma
organização inteira. Era nesse momento que entrava a atuação dos integralistas,
pois muitos deles eram contratados para os serviços auxiliares da polícia,
atuando no serviço de investigação de um suspeito e como informantes das forças
militares.
A carta comunista distribuída entre
as células do partido apresentava sete pontos que pretendiam prevenir seus
partidários dos atos de perseguição dos seus opositores. As medidas tomadas
deveriam ser transmitidas pelos secretários aos correligionários. Foi esta a
determinação: “Todos aqueles camaradas que moram em casas conhecidas da polícia
devem fazer a mudança, pois mesmo que nunca tenham sido presos, isso não lhes
garante segurança”. Essa mudança deve ser realizada com extremos cuidados, “sem
deixar rastros, transportando primeiro a uma estação de bondes, despachando
para outra e, ao chegar ao destino, deve sair em carro diferente, ou então
levar a mudança primeiro para a casa de um conhecido, e de lá mudando em outro
carro e dentro de poucas horas” (CARTA DISTRIBUÍDA ÀS CÉLULAS COMUNISTAS, sem
data, p. 1). Essa era uma forma de despistar as investigações da polícia.
Num segundo ponto, a carta esclarecia
os caminhos que deveriam percorrer os companheiros comunistas: as ruas nunca
deveriam ser repetidas; não se deveria cumprimentar nem falar com amigos
partidários na rua, pois um dos dois poderia estar sendo seguido; as esquinas
mortas deveriam ser ponto de encontro para no máximo dois camaradas; usar a
casa de simpatizantes ou amigos para conversar com os correligionários e
transmitir informações da diretoria.
No terceiro item era feita a ressalva
de que com a participação dos integralistas nos serviços de espionagem,
devia-se ter mais cautela. “Agora que os espiões da polícia são muito mais
numerosos porque aumentados por todos os integralistas, temos que tomar cuidado
de não falarmos em locais públicos, trens, bares, ônibus, cafés, etc.” (CARTA
DISTRIBUÍDA ÀS CÉLULAS COMUNISTAS, sem data, p. 1). É que uma ação impensada
daria pistas que levariam a polícia até os comunistas.
O quarto item apontava justamente
para a questão das medidas que tinham de ser tomadas para não serem
surpreendidos pelos inimigos. Assim, os pontos centrais das cidades deveriam
ser evitados pelos companheiros conhecidos da polícia, que deveriam evitar
passar a pé por esses locais. Caso isso não fosse possível, a diretoria do
Partido dava outra opção: “sempre que possível, ficar dentro de conduções onde
viajam muitos outros passageiros e passar por esses lugares lendo jornal, de
cabeça baixa, sempre o mais discretamente possível, portando-se como todo
mundo, e não gesticular, não falar alto” (CARTA DISTRIBUÍDA ÀS CÉLULAS
COMUNISTAS, sem data, p. 2).
O quinto item da carta alertava
para que os militantes comunistas observassem se estavam sendo perseguidos;
para isso, deveriam deixar cair o jornal, parar em uma vitrine de loja, olhar
uma mulher bonita, entrar em uma loja para comprar fósforo, dobrar a esquina
sempre que chegassem perto de um local, para constatar se estão sendo seguidos.
Tudo isso deveria ser feito sem alarde, para não chamar atenção de outras
pessoas. O sexto item aconselhava os
partidários vermelhos a não manter em casa nenhum tipo de material do partido,
e a evitar ser pego com qualquer tipo de propaganda do partido. Era preciso
distribuir todos os boletins e panfletos assim que os recebessem.
O sétimo item adverte as células
comunistas sobre os horários das reuniões que não deveriam durar mais do que
até 22h:00min, reuniões com um numero limitado de membros e com durações de no
máximo 2 horas. Assim, o temor da
vigilância fazia os inimigos do integralismo ficarem mais atentos e cometerem
menos erros, pois sabiam que aqueles eram tempos em que não se podia confiar no
vizinho. Essa situação reforçou a importância dos camisas-verdes nesse sistema
de espionagem, já que, quanto mais inimigos os vermelhos encontrassem pela
frente, melhor para as forças do Estado.
Gustavo Neri: Licenciado em História pela Universidade
Federal de Alagoas – UFAL, Mestre em História pela Universidade Federal de
Alagoas- UFAL, Professor de História e História da Arte do Ensino Médio,
atualmente lecionando no Colégio Rosalvo Ribeiro dos Santos, Autor do Artigo: A
Indústria Têxtil, O Decreto Nº. 19.739 e a Legislação Trabalhista, in. A
Indústria Têxtil, a classe operária e o PCB em Alagoas. Org.; Alberto Saldanha.
O INIMIGO DO SIGMA: atrás dos rastros
comunistas nas terras alagoanas
Entre os inimigos dos integralistas
estavam o liberalismo, o semitismo e o comunismo. Desses, o terceiro
provavelmente foi o mais agredido, ao menos no estado de Alagoas, já que
segundo os ideais do “credo verde” ele representava para a sociedade a Escravidão
Moral, a Escravidão Política e a Escravidão Econômica. O bolchevismo era um
risco que não poderia ser tolerado nas fronteiras brasileiras, muito menos nas
terras conservadoras de Alagoas. Visando debater as operações de combate ao
comunismo é que abordaremos esse tema nas linhas seguintes.
Os integralistas acreditavam que o
comunismo era o reducionismo do homem ao âmbito econômico e que suas bases
materialistas afastavam o sujeito de uma concepção espiritual, assim como o
Estado Liberal era uma visão limitadora do ser ao civismo. Segundo o discurso
integralista, ao homem no comunismo não é agregado nenhum sentido humano, pois
não passa de um ser econômico, sendo o mundo uma arena onde se trava uma guerra
constante entre capital e trabalho.
A superação disso, segundo os integralistas,
estava no Estado Integral, que era a junção do civismo com o econômico,
acrescentados ao espiritual, e qualquer ideia que representasse a fragmentação
desses ideais deveria ser combatida. O caráter internacionalista do comunismo
era tido como uma ideia apátrida. Para os defensores do Sigma, o comunismo
representava o fim da soberania política e econômica das nações. Ou seja, o
comunismo, assim como o liberalismo, pretendia estabelecer um regime
completamente avesso aos ideais integralistas, que prezavam pela religião, pela
família e pela pátria, como se pode constatar em seu lema “Deus, Pátria e
Família”.
Hélgio Trindade divide o
anticomunismo integralista em três fases. Na primeira, o socialismo e o
liberalismo fazem parte de uma mesma concepção filosófica, o materialismo. Já
na segunda, os teóricos integralistas afirmam que o socialismo e sua estrutura
socioeconômica estavam ligados às doutrinas fragmentárias do século passado e
seria o fascismo integral a representação da superação desse socialismo. A
terceira e última fase consistia em disseminar o medo ao comunismo entre os
militantes integralistas, já que geralmente se combate o que se teme. É essa
terceira expressão de anticomunismo que está mais presente nos discursos de
jornais e panfletos do movimento, e até mesmo da grande imprensa na década de
1930. A ideia era aterrorizar para manter a sociedade longe dos ideais
subversivos do comunismo.
Existiu
uma tática usada pelos integralistas que foi muito efetiva no combate ao
comunismo: o serviço de espionagem realizado pelo Departamento de Policia
Integralista. Em 1933, após um decreto de reestruturação da Polícia Civil, é
criada a Delegacia Especial de Segurança Política e Social (DESPS). Esta
dispunha de alguns agentes, porém poderia ampliar o seu quadro e contratar
tantos homens quanto o chefe de polícia achasse necessário. É nesse campo que
se enquadra a atuação do combate ao comunismo dos camisas-verdes de Alagoas.
Essa não é uma característica exclusiva dos integralistas alagoanos, pois o
trabalho de identificação e investigação das sedes comunistas foi uma
atribuição nacional da AIB. Assim, os integralistas da Terra dos Marechais
tiveram a sua participação na perseguição aos bolchevistas. O seguidor do
“credo verde” deveria investigar, e ao identificar a presença dos comunistas em
alguma região, informar ao Chefe de Polícia para que este tomasse as medidas
cabíveis.
] Essas seriam as atitudes que deveriam
tomar os integralistas diante da ameaça comunista. Para além de uma mera ação
investigativa, exigia-se a disciplina, o espírito patriótico e a crença nos
ideais do Sigma, para que cada camisa-verde agisse conforme suas atribuições. O
DPPA tinha uma funcionalidade tão ativa que contava com um número de mais de
quarenta funcionários espalhados pelos bairros de Maceió; os bairros eram
divididos em zonas e cada área ficava sob a fiscalização de um grupo
integralista. O DPPA contava ainda com a ajuda de mais de trinta membros
auxiliares nessa secretaria.
Em 1935 a chefia do DPPA ficou nas
mãos do Sr. Milton Ramires e tinha como funcionários: José Mendonça de
Vasconcellos, no cargo de chefe de gabinete do DPP, Fernando Regis do Amaral
como oficial de gabinete do DPP, Ismael Lisboa era o chefe da 1ª Divisão, a 2ª
Divisão era comandada por Renato Bonfim Tavares, Jalk Cabral era o chefe da 3ª
Divisão e José Antônio dos Santos era o chefe da 4ª Divisão do DPP. Porém o
departamento de polícia integralista não se limitava apenas aos cargos de
gabinete, usando a força dos grupos auxiliares para atuar no combate à
subversão.
A
eficiência desse departamento estava garantida pelo número de funcionários e
auxiliares desse setor, mas só isso não bastava: a Secretaria tinha de agir no
combate ao comunismo. Exercendo a função investigativa, em 1935 o DPP envia um
telegrama ao comissário de polícia da Zona do Poço para investigar o Sr. Francisco
José de Barros. Sobre esse sujeito queriam saber: sua orientação política,
residência e rotina.
A investigação sobre o Francisco José de Barros originou-se de uma
denúncia feita a Carloman, na qual o investigado era acusado de esconder comunistas
procurados em sua residência, bem como de ser defensor de ideias subversivos e
extremados. A denúncia partiu de Osvaldo Veloso e veio do bairro da Saúde. Foi
solicitada certa emergência no resultado dessa investigação. A busca para
identificar os comunistas era intensa. Assim, em 25 de julho de 1935, os
resultados desse trabalho começavam a aparecer.
Na capital alagoana, no bairro da
Ponta Grossa, foi identificado como comunista Antídio de Souza. Esse indivíduo,
além de ser comunista, era acusado de manter e chefiar em sua casa uma célula
dos seguidores de Moscou. O telegrama de investigação dizia: “Antídio de Souza
é comunista e chefe de uma célula em sua residência, na rua Tupinambás nº 128,
carroceiro e proprietário de duas carroças, sendo condutor de uma, e uma seu
companheiro de nome Antônio Ferreira era condutor” (TELEGRAMA ENVIADO AO CHEFE
DO DPP, 21 de julho de 1935, p. 1).
Perseguir os rastros dos comunistas
era uma forma que os integralistas encontravam para diminuir as forças de seus
adversários políticos, que se espalhavam pela capital alagoana. Mas esses não
eram os únicos alvos dos integralistas alagoanos, pois outras organizações eram
vistas como perigosas aos ideais verdes, sendo também a Aliança Nacional
Libertadora (ANL) colocada nas fileiras inimigas. As perseguições contra a ANL
se confundiram com as perseguições aos comunistas, já que os integralistas
tratavam essa organização como uma extensão do PCB. Defendiam que a presença de
sujeitos como Carlos Prestes na Aliança já era suficiente para comprovar sua
teoria. Alegavam ainda que esse movimento constituía um novo partido em combate
ao integralismo e por isso deveria ser destruído.
Desta maneira, os olhos dos espiões
integralistas estavam fixados na ANL, fazendo-se necessário identificar os
chefes, seus membros, suas sedes e as atividades de cada um do movimento. Tudo
isso foi solicitado pelo Chefe do DPP em uma circular remetida em 24 de julho
de 1935. Dispondo de pouco mais de cinco dias, os membros desse departamento
tiveram de trabalhar rápido. A resposta veio do comissário da região do
Trapiche da Barra, que ficava sob a responsabilidade do comissário Atolino de
Oliveira Lima. Este investigador obteve resultados que levaram aos nomes de
dois sujeitos que atuavam em sua região: Olívio e Aristides Téa. Em seu
relatório afirma que esses homens, além de propagandistas da ANL eram também
opositores dos ideais integralistas. Ambos residentes no bairro do Trapiche da
Barra, atuavam em conjunto naquela região, um suprindo a ausência do outro.
Durante o interrogatório perguntaram
ao agricultor se ele professou ou professava o credo comunista. Sua resposta
foi que sim, já tinha prestado serviços para o antigo partido da capital
alagoana. O investigado afirmou ainda haver ingressado nas fileiras comunistas
por livre e espontânea vontade, que nunca foi obrigado a nada e que obedecia
tão só à sua consciência. O ex-militante comunista mostrou-se muito determinado
em não esconder seu passado entre os seguidores dos ideais soviéticos. Contou
também que enquanto esteve na cidade de Coruripe, onde realizava trabalhos como
vendedor ambulante de miçangas, atuava em paralelo fazendo propaganda para o
PCB, e foi lá que sua sorte começou a mudar. Pois, acabou sendo preso e levado
até a penitenciaria de Maceió onde passou 19 dias acusado de subversão.
Foi após essa intervenção policial
que o antigo vendedor ambulante decidiu mudar de vida. Assim, depois de ser
liberado, mudou-se para São Miguel dos Campos, onde fixou residência e passou a
trabalhar como agricultor. Até a data do inquérito, Laurindo se dizia afastado
de toda e qualquer atividade comunista, bem como arrependido por ter se deixado
levar por essas atividades subversivas e antipatrióticas. No entanto, aquele
não era um inquérito apenas para averiguar se aquele homem era ou não
comunista, pois isso já estava provado no próprio depoimento dele. Aquela era
uma entrevista com o intuito de avaliar se o investigado se mostrava decidido a
ingressar no movimento integralista.
Como um grande pai que jamais se nega
a dar outra chance para seus filhos, o movimento integralista passou a avaliar
a possibilidade de ter esse novo integrante no seu quadro. Mas não bastavam
apenas as palavras do entrevistado, pois os chefes integralistas queriam ouvir
a comunidade que era mais próxima do investigado. Assim, a investigação contou
com o depoimento de duas testemunhas, Antônio Teles dos Santos e José Petronilo
de Lima. O primeiro a depor foi o Antônio Teles dos Santos, de 31 anos de
idade, casado, operário, natural de Campos, estado de Sergipe, residente em São
Miguel dos Campos. O depoente começou dizendo que ouviu rumores de uma prisão
em Coruripe de um sujeito que respondia por nome de José Laurindo, mas que
jamais pensou que fosse o seu amigo, pois nunca ouviu dizer que ele estivesse
envolvido com grupos subversivos. No entanto, após os rumores e a confirmação
de sua prisão, a testemunha pôde ter certeza que o Laurindo dos fuxicos do povo
era mesmo o seu amigo.
As falas das duas
testemunhas ouvidas não confirmavam a participação efetiva do indivíduo nos
grupos comunistas, mas o próprio acusado assumia sua participação entre os
comunistas. Restava agora a avaliação final para saber se José Laurindo era
realmente “digno” de usar a camisa verde e se realmente desejava redimir-se de
todas as suas atividades subversivas cometidas no passado. Foi-lhe concedido um
período de estágio probatório de um mês, em que o ex-militante vermelho teria
de provar que estava pronto para se tornar um integralista.
Era chegada uma das horas decisivas
do inquérito: era o momento da decisão de uma das chefias sobre o ingresso ou
não do Senhor Laurindo. Isso competia ao chefe municipal do núcleo de São Luís
do Quitunde, José Medeiros Aprato. Este levava em conta os depoimentos das
testemunhas e do acusado, e fazia uma avaliação do comportamento do sujeito
durante o período de estágio probatório. Esse foi o “calcanhar de Aquiles” do
candidato, pois, segundo o parecer do chefe, o investigado não correspondia ao
perfil de um integralista. A falta de compromisso com as obrigações do movimento,
a postura indisciplinada dentro e fora do núcleo, a irresponsabilidade com a
família, tudo isso e mais alguns adendos fizeram com que Aprato considerasse o
ex-militante vermelho indigno de se tornar um integralista.
Toda essa resistência e combate ao
comunismo não passava despercebida aos olhos dos seguidores de Moscou; contra a
ação do Governo e dos integralistas, os comunistas brasileiros já preparavam
uma reação. Não era possível manter-se passivo com tudo o que estava
acontecendo; era hora de agir para não se tornarem “presas” tão fáceis de ser
capturadas.
A carta comunista distribuída entre
as células do partido apresentava sete pontos que pretendiam prevenir seus
partidários dos atos de perseguição dos seus opositores. As medidas tomadas
deveriam ser transmitidas pelos secretários aos correligionários. Foi esta a
determinação: “Todos aqueles camaradas que moram em casas conhecidas da polícia
devem fazer a mudança, pois mesmo que nunca tenham sido presos, isso não lhes
garante segurança”. Essa mudança deve ser realizada com extremos cuidados, “sem
deixar rastros, transportando primeiro a uma estação de bondes, despachando
para outra e, ao chegar ao destino, deve sair em carro diferente, ou então
levar a mudança primeiro para a casa de um conhecido, e de lá mudando em outro
carro e dentro de poucas horas” (CARTA DISTRIBUÍDA ÀS CÉLULAS COMUNISTAS, sem
data, p. 1). Essa era uma forma de despistar as investigações da polícia.
Num segundo ponto, a carta esclarecia
os caminhos que deveriam percorrer os companheiros comunistas: as ruas nunca
deveriam ser repetidas; não se deveria cumprimentar nem falar com amigos
partidários na rua, pois um dos dois poderia estar sendo seguido; as esquinas
mortas deveriam ser ponto de encontro para no máximo dois camaradas; usar a
casa de simpatizantes ou amigos para conversar com os correligionários e
transmitir informações da diretoria.
No terceiro item era feita a ressalva
de que com a participação dos integralistas nos serviços de espionagem,
devia-se ter mais cautela. “Agora que os espiões da polícia são muito mais
numerosos porque aumentados por todos os integralistas, temos que tomar cuidado
de não falarmos em locais públicos, trens, bares, ônibus, cafés, etc.” (CARTA
DISTRIBUÍDA ÀS CÉLULAS COMUNISTAS, sem data, p. 1). É que uma ação impensada
daria pistas que levariam a polícia até os comunistas.
O quarto item apontava justamente
para a questão das medidas que tinham de ser tomadas para não serem
surpreendidos pelos inimigos. Assim, os pontos centrais das cidades deveriam
ser evitados pelos companheiros conhecidos da polícia, que deveriam evitar
passar a pé por esses locais. Caso isso não fosse possível, a diretoria do
Partido dava outra opção: “sempre que possível, ficar dentro de conduções onde
viajam muitos outros passageiros e passar por esses lugares lendo jornal, de
cabeça baixa, sempre o mais discretamente possível, portando-se como todo
mundo, e não gesticular, não falar alto” (CARTA DISTRIBUÍDA ÀS CÉLULAS
COMUNISTAS, sem data, p. 2).
O sétimo item adverte as células
comunistas sobre os horários das reuniões que não deveriam durar mais do que
até 22h:00min, reuniões com um numero limitado de membros e com durações de no
máximo 2 horas. Assim, o temor da
vigilância fazia os inimigos do integralismo ficarem mais atentos e cometerem
menos erros, pois sabiam que aqueles eram tempos em que não se podia confiar no
vizinho. Essa situação reforçou a importância dos camisas-verdes nesse sistema
de espionagem, já que, quanto mais inimigos os vermelhos encontrassem pela
frente, melhor para as forças do Estado.
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