publicado em Ca
Maceió vista através do mirante
da Casa Ramalho (I)
Luiz Sávio de Almeida
mpusO Dia
I – História de nossa produção cultural
Muitas
coisas boas foram escritas e ficaram enganchadas no tempo, em qualquer lugar da
prateleira dos anos. Por isso, vez em quando, fico lendo textos antigos, como se voltasse ao tempo onde não estive. A
leitura é uma espécie de túnel e gosto de rumar para coisas e situações, a ver o que encontro, em busca daquilo que nunca deixei e nem tive
a sensação de perder. Foi assim, num de
tais momentos, que encontrei uma revista publicada pela Casa Ramalho. Era mensal, intitulada Alagoas e da qual
conheço apenas três números. Sempre guardei com a Casa Ramalho uma relação de
admiração e de respeito e sempre vi os homens
que estavam no trabalho de fazê-la e mantê-la, como espécies de heróis
cívicos pouco louvados. De repente, veio a ideia de que não se faz estátua de
livreiro como se fosse mais um qualquer a passar sem notícias de sua vida nos
caminhos das ruas, praças e avenidas da cidade. É um fato e uma pena: não se
faz estátua de livreiro e decidi colocar esta na Rua do Comércio em homenagem à
Casa Ramalho.
No meu
rol de alagoanos ilustres, está o Professor Joaquim Ramalho e mais do que ele
se encontra a Casa Ramalho, cujas origens batem os costados pelo século XIX.
Nada sei sobre ela e sou, por isto, uma
espécie de cidadão ingrato; apenas acho que por ela se pode homenagear que teve
a coragem de semear livros à mancheia.
Sobre
esta Casa Ramalho nada teria sido escrito e que marcasse a importância que teve
na vida intelectual de Alagoas. Por conta disto, vamos deixar uma sugestão para
alunos tanto de pós como de graduação: tomar a Casa Ramalho como detalhe a ser
trabalhado na construção de teses, dissertações ou trabalhos de conclusão de
curso que versem sobre a história cultural de Alagoas, ela, também, frágil,
pouca coisa devotada ao tema.
Fica aqui, uma deixa para os estudantes
de graduação e pós: investir na história cutural e tomar a Casa Ramalho como motivo. Ela será
chave para belos textos sobre a história da cultura alagoana onde o Professor
Ramalho (ainda o conheci) teve um papel de excepcional importância. A partir de sua vida, tal o enraizamento que
tem em nossa história, é possível discutir quase um século de nossa produção
cultural, pela posição da Casa como
editora e fomentadora de atividades culturais, em um tempo sacralizado e onde
se mantinha, impoluta, a figura conhecida socialmente pela elite, como “assumidade”. Carimbar alguém como
“assumidade” era dar-lhe um atributo de genialidade, o mais das vezes sem
cabimento e derivado do jogo de posições no contexto do poder. Ao lado desta
sumidade provinciana estava uma juventude afirmando-se como moderna e presente,
também, nos passos da Casa Ramalho.
II - Uma homenagem aos editores
O
Professor Joaquim Ramalho – pertenceu ao corpo docente do Instituto de
Educação, área de Geografia – é um dos meus heróis alagoanos, sensação que tenho ao pensá-lo dentro do
acanhamento de Alagoas, ao vê-lo em voo
demorado como livreiro e editor ativo por anos. Lamento não ter privado de sua
companhia, mas tenho a da história e é,
por ela, que devo prestar-lhe uma
grande homenagem, tomando-o para representar a todos os editores que se
aventuraram a viver do consumo e da produção de cultura nesta espécie de
Jerusalém que é a nossa Maceió.
Fechando
os olhos, acho que um dos últimos livros que vi por ele editado, foi a tese do
Carlos Ramires Bastos para professor da Faculdade de Direito, sobre qualquer
coisa referente à Sociedade Anônima. Ás vezes, eu fico pensando em quantas
dificuldades aquele cidadão Ramalho enfrentou na sua vida de editor. Na verdade, é
preciso saber sonhar, mas não sonho de quimeras e, sim, o que é descanso de
guerreiro, de onde ele tira, às vezes sem saber, a coragem de continuar a pisar
o eterno chão dos seus objetivos.
Se não
me falha a memória, ele terminou se especializando na venda de livros para
direito. Acho que o vi, também se a memória não perturba a retomada do tempo,
no Edifício Breda e lembro de ter visto
em loja nas cercanias do Banco do
Nordeste e, também, na sala de Sílvio de Macedo, Faculdade de Direito, indo
entregar livros. Não sei a razão, mas
sempre associo sua imagem ao vestir branco quando, antigamente, ainda era
possível engomar um terno de diagonal. Também não sei a razão: eu o recordo
usando chapéu. Será que usava?
III - A justiça de um prêmio
Deixando
de lado o que ficou como lembrança, é hora de pedir que se institua um prêmio
Casa Ramalho e que seja gerenciado com o grande respeito que o patrono merece, lançando edital e recebendo
originais para a publicação, versando sobre qualquer aspecto da vida alagoana,
dando prioridade, contudo, à história do livro ou da imprensa em Alagoas. Sobre
a história do livro, desconheço qualquer trabalho sistemático, que se concentre
em retomar a vida alagoana pelas páginas impressas em diversas pequenas
editoras, como a Casa Ramalho foi, considerando os dias de hoje, mas imensa,
por exemplo, na década de trinta do século XX.
Desde
muito, tem-se a necessidade de uma história do livro em Alagoas. É hora de
alguém partir para este campo. É oportuno e necessário estudar Alagoas e a
produção de nossos livros e, neste sentido,
nada mais justo do que dar relevo à Casa Ramalho enquanto patrona.
Afinal de contas, ela lutou para produzir durante anos e nos deixou uma fartura
de realizações e parece estar dizendo que Alagoas é possível mediante
incessante combate. O trabalho cultural em Alagoas, ainda hoje é arrancado com forceps. Planta-se em Alagoas com
grandes suores e lágrimas; colhe-se em Maceió com os mesmos suares e lágrimas.
É preciso louvar a quem abriu caminho, a quem demonstrou veredas e lutou onde
muitos tombaram.
IV - Uma revista em foco
Faz
tempo que desejava uma homenagem à Casa Ramalho, mas o assunto acendeu quando
estava manuseando um exemplar do Mensário Ilustrado Alagoas; era o nº 1 de
Agosto de 1938. O editorial é finalizado
com a seguinte observação que entende um contexto chamado Brasil, sem deixar de
olha para o próprio umbigo, como anos após,
Jorge Dâmaso encontrará tal chamamento e que o leu a escrever Raízes do
Malhada:
Surgimos
para servir com o amor que nunca nos faltou os propósitos de valorização
espiritual e cultural das Alagoas, sem regionalismo, conformados com o
esquecimento em que vivemos, e que tem sido a maneira mais heroica de
demonstrar nosso constante pensamento de sermos úteis ao Brasil.
E
neste número colaboram pessoas da fina inteligência da época como Waldemar Cavalcanti, Aurélio Buarque de Holanda,
Aloísio Branco, Jayme de Altavilla, Manuel Diégues Júnior, Theo Brandão e
outros. Para o segundo, era anunciada a participação de Raul Lima, José Maria
de Melo, Rui Palmeira, André Papini, José Aloísio Vilela, José Auto, Edson Carneiro, Ledo Ivo...
É
interessante verificar, neste primeiro número, cerca de quatro contribuições,
três delas com comentários que nos servem diretamente para estudar e analisar o
desenvolvimento urbano de Maceió, dois deles com observações sobre a cidade e
da lavra de Manoel Diégues Júnior e Valdemar Cavalcanti e um como ficção,
trecho de romance de Carlos Paurílio. Havia também uma crônica, em que se
narrava o que seriam as 11;30 horas na vida de Maceió; este tipo de material é publicado, também,
nos dois outros números e é a escrita de uma cidade que se nota pela classe
média, que tem um cotidiano a narrar de movimentos e temas de vida.
Deveríamos
estar sofrendo alterações em nossos padrões de comportamento e, praticamente, a
ênfase nas matérias de fundo era a cidade de Maceió que se transforma em personagem,
com seu tempo sendo sondado e anotado.
Havia uma cidade a ser transformada em crônica, como era, também,
trabalhada à guisa de artigo, por pequenos ensaios sugestivos sobre a vida que
se desenrolava. Os textos pontuam a vida de Maceió, revelando hábitos,
costumes, uma grade horária tudo sendo visto pela ótica da classe média, a
leitora preferencial da revista, como se poderia imaginar. A cidade era um
movimento de seus próprios viventes e tinha o que falar pela voz dos que a
interpretavam e historiavam.
O
primeiro texto que destacamos, pontua o que seriam os grandes movimentos no
centro da cidade, ao ir findando o primeiro expediente ou horário. Então, é a
cidade que se agita pela Rua do Comércio e adjacências na hora de largar a
escola, largar o trabalho, de se viver a azáfama do retorno nos bondes. Uma
cidade que se recolhia para voltar e novamente iria recolher-se para viver a
noite e amanhecer um dia, na infinidade do tempo que a compunha e definia. Não
era uma cidade que vivia o apito de um bueiro, mas os diversos apitos do
cotidiano a chamarem vidas distintas e que ocupavam o espaço e o faziam.
Já o
segundo, pega a Maceió do lazer, a cidade que vive o domingo; um dia especial, um dia para as famílias
jantarem juntas, fazerem o footing,
sempre a classe média a passear, enquanto a pobreza procurava encontrar seus
próprios números. Finalmente, o terceiro se consagra à praia e falar nela era
ressaltar a Praia da Avenida em tempo que deveria estar superada a Praia das
Acanhadas nos lados da Ponta Verde.
É no
sentido de apreender a cidade, que se tem Diégues, Paulírio e Cavalcanti. O primeiro fala de
transformações no comércio, em mudanças na rua do Açougue, a formação de espaço
de bazares. Cavalcanti critica as mudanças arquitetônicas, as descaracterizações
pautadas pelos bangalôs e, Paulírio, com sua ficção, fala sobre a continuidade
da prostituição pelos rumos do Beco da Lama. Joaquim Ramalho nos deixa uma bela
informação sobre como se poderia pensar uma cidade que vai sendo invadida pela
energia elétrica, a chafurdar hábitos mundanos e domésticos. Tem-se a inovação
das compras por telefone, como se poderia fazer em A Dispensa Popular. Ao mesmo tempo, a propaganda demarca
transformações na vida cotidiana das casas, com os eletrodomésticos surgindo em
anúncios; a enceradeira, a geladeira, a máquina de costura com motor, o ferro
de engomar. A Companhia Força e Luz Nordeste do Brasil fazia campanha: A
eletricidade é barata!
Um dos
marcos destas mudanças, das inovações que apareciam associadas à eletricidade
estava na transformação do cinema mudo em cinema falado. Maceió iria afinando-se para deixar o teatro.
Este assunto que também incide no entendimento das mudanças da cidade, aparece
em resenha publicada no segundo número da revista. Ele volta-se mais propriamente para o mundo
do que seria intensamente decantado como folclore. Este tema assumirá o conjunto dos textos, mas a cidade
e o urbano ainda terão projeções. O folclore revela o quanto era assumido pelo
grupo de representação rural, que estava vivendo em Alagoas. Já o número três,
também vai trazer material dos folcloristas e a cidade sendo tratada em dois escritos
que desejamos destacar: a) Lagoas do
Carlos Paurílio e b) um de
responsabilidade da redação da revista e intitulado O convite das praias. O Professor parece ter concebido que duas
correntes estavam postas na vida intelectual de Alagoas e torna a revista
suficientemente versátil para espelhar as duas formas que estavam postas.
V - Um pouco sobre a Casa Ramalho
Todo este conjunto
de produção nos leva a pensar na necessidade de lermos mais e pensarmos mais
sobre o que foi escrito pela geração de trinta, as buscas de interpretação da
sociedade de Alagoas, extremamente fértil na literatura, vista por uma história
canhestra e provincial, bem como por uma ciência social que ia sendo tomada
pelo aporte do folclore. A literatura em Alagoas nesta época, é a grande
expressão da crítica à sociedade.
A Casa
Ramalho estará presente neste mundo e terá excepcional importância no
desenvolvimento, do que poderíamos chamar de sua segunda fase de
contribuições à atividade cultural de
Alagoas, especialmente pelo Professor Joaquim, um geógrafo, ligado ao meio
intelectual e membro do corpo docente do Instituto de Educação. Ele não era de fora desta discussão e, como
livreiro, foi um homem de grande coragem intelectual.
VI - Dedicando Campus a Joaquim Ramalho
Era um caminho que vinha de 1893 e naquele ano
de 1938, trinta e cinco anos após fundada,
estava ali na Rua do Comércio;
Joaquim Ramalho, nascido em 1907, deveria estar com seus 31 anos de
idade, plenamente produtivo e encontrando sua posição na vida cultural do
Estado e da cidade. Era professor e vai dividir com Afrânio Melo, a direção de
Alagoas que contava, em seu Conselho de Redação, com Theo Brandão, Lima Júnior
e Ulisses Braga Júnior. Seria um Conselho conservador, mas a escolha de Afrânio
Melo indicava a necessidade de uma abordagem atualizada da vida estadual.
Desta
informação, vale destacar o comportamento democrático de Joaquim Ramalho, pois
estávamos em plena implantação do Estado Novo e ele abrigava a figura de
Afrânio de Melo, articulado ao Partido Comunista; a Casa Ramalho editou,
também, a Humberto Bastos que teve implicações em 1935 pela presença na Aliança
Liberal. Também aparece elogio a Graciliano Ramos, que
viveu o cárcere, e matéria de Rui Facó que vai à Garcia Lorca e faz pesada
critica ao fascismo e ao nazismo.
No
fundo, a revista era um encontro de tendências e mantida corajosamente pelo seu
diretor. Na oportunidade do lançamento, a Casa Ramalho estava dividida em três
secções: uma de papelaria, uma de livraria e uma gráfica que, inclusive,
recebeu medalha de ouro, quando da Exposição Nacional de 1908. Eles contavam
com um salão de leitura. E ela operava
com generosidade, como se pode ver nos elogios feitos à Livraria Santos; era
outro dos marcos históricos no comércio de livros em Maceió, vinda do século
XIX, 1893.
VII - O que vai ficando raro
Claro
que uma editora universitária não tem a função de publicar livros para sucesso
de mercado, best seller. Sua obrigação é publicar material de excelência que
deve ser divulgado e, então, sua exigência em títulos deve ser muito forte.
Ela não deve e não pode se medir pelo quanto produz, mas pela excelência
daquilo que lança. Independente disto, a quantidade de exemplares por edição
é baixíssima perante o número de
matrículas universitárias. Se levarmos em conta que temos em torno de 100.000
matrículas universitárias, 300 exemplares são um nada e quando vende, uma boa
parte é por via da internet.
E a
Casa Ramalho publicou bons textos e chegou a sistematizar, como
focalizamos, uma Coleção de Autores
Alagoanos. É interessante perceber que naquela década de trinta e a partir do livro
do Humberto Bastos, ela sublinhava que tínhamos autores, que eles respondiam
por nós e que era possível, pela fertilidade, pensar em montar uma coleção. A
Casa Ramalho indicava, portanto, que se poderia esperar de nossa produção
intelectual.
VII - Maceió e o mirante da Casa Ramalho
Vamos
reproduzir alguns textos da Revista; será um presente pra os leitores de Campus
e, na certa, Joaquim Ramalho, o Professor e editor estará bem satisfeito ao ver
o seu trabalho adiantado no tempo. E vamos dividir esta contribuição em três
blocos; o primeiro é composto pelo que saiu nos três números e que vamos chamar
de Crônica do cotidiano; o segundo é
a Literatura e cidade e, finalmente,
o terceiro será sobre Mudanças urbanas
Muito legal, Savio Almeida, recuperar a memória desse livreiro e editor. Conheci a livraria já no 5º andar do Ed. Breda no início dos anos 70. Também tenho uns dois números da revista, que pertenceram ao meu pai. Que tinha o hábito de permutar com ele os livros que recebia em duplicata. Beleza de artigo. Carlos Alberto Moliterno
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