A minha mãe dorme a tranquilidade da morte
Luiz Sávio de Almeida
Ontem foi o
aniversário de Maria José de Almeida, minha mãe. Não sei o dia do seu falecimento,
pois estas coisas ruins para mim não têm data. Contudo, jamais esquecerei seu
rosto queimando de febre e ela sumindo: seu olhar e seu sorriso, naquela hora, marcaram o quadro da despedida. Ela me olhou e sorriu o que era possível sorrir. Depois fechou os olhos e então saí do quarto, desci para o saguão do hospital e
fique esperando a notícia; não aguentaria vê-la partir, nunca mais vê-la e nem
rirmos juntos da vida e do mundo. Eu
estava sentado e vem uma prima minha: Luiz Sávio, a tia faleceu!
Fechei os
olhos e não chorei; eu tinha que comprar o seu caixão e Bruno Cesar Cavalcanti
foi comigo e Myrian. Bruno ajudou, escolhemos o caixão, paguei. Voltamos e a
grande realidade era o enterro. Eu não tinha tempo para chorar: estava cheio de
tristeza, daquela de cortar a alma em seis pedaços iguais, mas aliviado, muito
aliviado, pois acabava seu sofrimento. Fazia pouco tempo que subimos de
madrugada, de carro, com ela gemendo. Agora estava morta uma das pessoas a quem mais dediquei amor em toda minha vida, mas eu estava agradecido a
Deus.
O corpo chega
no cemitério e tudo se arruma; mais ou menos de três para as quatro da manhã,
Myrian voltou para casa a ver os meninos. E aí veio um dos piores momentos de
minha vida. O cemitério vazio, que não se via uma viva alma. Nem outros velórios
estavam acontecendo e eu fique ali, sozinho, com o corpo da minha mãe e as
velas. Eu nem sabia em que pensar; sabia apenas que não era o tempo de arrancar
o resto de meus poucos cabelos. Eu tinha que cuidar da minha mãe. Era a última
coisa que eu poderia fazer por ela. E
fiquei. O vento se fez frio e senti bem
perto que estávamos vivendo, minha mãe e eu, o espetáculo da morte acompanhada e foram muitos os cigarros
de consolo errado.
Apesar das
propostas, jamais aceitei sair de Maceió para poder acompanhar meus pais na
velhice. Não foi brinquedo o que fizeram por mim e qual a razão para deixa-los
quando estariam frágeis? Fiquei e
enterrei meu pai; fiquei e agora enterrava minha mãe. Depois de umas três
horas, Myrian voltou e tendo acertado a vida dos meninos naquele dia; e os povos
foram chegando também. Na hora da partida, não permiti que os coveiros
empurrassem o carrinho fúnebre e, também, funesto. Eu mesmo saí empurrando lentamente
e quando os coveiros foram cimentar a cova, em entrei nela, peguei a colher e eu
mesmo fiz o serviço. Minha mãe estava
morta e bem enterrada com todos os cuidados de seu filho.
Voltei sabendo
que jamais a poderia esquecer, do mesmo modo como jamais esqueci a meu pai. Dia
31 de janeiro e 24 de abril são dois dias santos de guarda na minha vida:
aniversário dela e dele, duas pessoas que foram profundamente amadas por mim
enquanto estavam vivos e enquanto estão mortos. O amor não se perde com a morte: é o que aprendi.