Este artigo foi originalmente publicado no Suplemento Campus do jornal O Dia. Maceió, 17 a 23de Maio 2015, ano 03, nº 116.
Aldjane de Oliveira, nasceu e
cresceu na cidade de Joaquim Gomes –Alagoas, é filha de professora de primeiro
grau. Tem ascendência materna no povo Wassu. Graduada em Ciências Sociais pela Universidade
Federal de Alagoas- UFAL, pós-graduada em Gestão Educacional pelo CEAP,
Especialista em Antropologia pela UFAL e Mestranda em Antropologia pela UFS. É
professora de Sociologia no nível médio pelos estados de Alagoas e Sergipe. É
vice-presidente da ONG Casa de Cultura Cidadã Urucum- CACCUM, que atua no
município de Joaquim Gomes- AL.
Dois dedos de
prosa
Aldjane é uma jovem pesquisadora quem vem se
formando e, no momento, faz mestrado em antropologia na Universidade Federal de
Sergipe. Ao realizar um curso de Especialização, escreveu uma monografia sobre
os Wassu, grupo indígena que se estabelece na área de Joaquim Gomes. Seu
interesse, na oportunidade, passava pela questão educacional. É desta
monografia que preparou uma série de artigos (quatro) para Campus. Hoje
publicamos o primeiro.
Dentro do quadro de problemas
relacionados aos índios, um deles aflora como campo de discussão a bem dizer
sistemática: a educação. Ela, contudo,
como veremos na leitura do texto,
desloca sua atenção para os jovens estudantes indígenas fora do contexto do
aldeamento, vendo-os dentro do universo de uma unidade educacional que pertence
ao contexto urbano de Joaquim Gomes.
A
seriedade com que trabalha levará Aldejane a dar uma grande contribuição
e são o seu talento, senso de responsabilidade e sua vontade de andar que nos
leva a publicá-la, agradecendo a possibilidade que nos deu de divulgar sua
pesquisa através de Campus.
Temos confiança de que um novo
talento se afirma e crescerá.
Luiz Sávio de Almeida
EDUCAÇÃO ESCOLAR INDÍGENA: NO CASO DOS ESTUDANTES
WASSU
Aldjane de Oliveira
Este artigo é escrito a partir de
pesquisa que realizamos junto a estudantes indígenas Wassu, etnia localizada no
aldeamento Wassu Cocal que está na área do município de Joaquim Gomes. Ela foi
realizada entre 2013 e 2014 durante o curso de Especialização em Antropologia
que realizamos no Instituto de Ciências Sociais da Universidade Federal de
Alagoas. Trataremos de discutir linhas gerais do que vem a ser Educação Escolar
Indígena (E.E.I.) e suas influencia na vida dos estudantes indígenas Wassu.
Discutiremos o tema de forma a mostrar a relevância da E.E.I. nas lembranças e
na vida prática dos que por ela passaram. Estudo os jovens/estudantes Wassu
fora da aldeia, na escola de nível médio da área urbana da cidade.
Apresentando a Cidade e a Aldeia Wassu
Cocal
Joaquim Gomes -Alagoas,
localiza-se na Zona da Mata alagoana, com seu principal núcleo
urbano distando
cerca de 63km da capital do estado, Maceió. Sua principal fonte de renda vem da
agricultura e da prefeitura. Segundo o Censo Demográfico, IBGE de 2010,
o município possui 22.581 habitantes.
Neste município encontra-se
a Aldeia Wassu Cocal, que é cortada pela BR 101, possuindo uma população
com 2.037 pessoas, segundo a
Administração Regional da FUNASA- Maceió
(2010), possuindo extensão territorial de 2.758ha.
O nome da Aldeia, Wassu
Cocal, contam os mais velhos - eu já ouvi o cacique Jeová relatando também-,
que Wassu significa “grande”, dando
referência a grandeza do Rio Camaragibe
que serpenteia as terras da aldeia e que possibilitava a base da alimentação de
seus ancestrais e a fertilidade das terras; já Cocal designaria os “coqueirais” que existiam em abundância naquela
região.
Educação
Escolar Indígena
Faz-se necessário uma contextualização dos
conceitos, da forma que o termo Educação Indígena (E.I.) foi visto e tratado,
por muito tempo na história brasileira, como um conceito definidor de uma
educação escolar formal aos moldes da escola nacional. A Educação Indígena,
passou a ser entendida como o processo de aprendizagem civilizatória dos índios
na sociedade nacional para sua assimilação, partindo da imposição de modelo
educacional/escolar voltado para os índios.
Compreendo
Educação Indígena como toda a transmissão e aprendizagem de conhecimentos específicos
de uma comunidade etnica: forma de viver, de cosmo-visão, de cultura. A
aquisição desta educação se dá, principalmente, pelos conhecimentos culturais
passado de uma geração para outra. Como apontam KAHN e FRANCHETTO a respeito da Educação Indígena: “Entende-se
esta última como sendo o conjunto dos processos de socialização e de
transmissão de conhecimentos próprios e internos a cada cultura indígena”
(1994, p.4-5 ).
A sociedade não-indígena institucionalizou o
termo Educação Indígena como aquilo que se refere à educação formal, como, por
exemplo, alfabetizar. Contudo, o que até então se dizia ser Educação Indígena,
seria na verdade educação para os índios, a partir da fala da sociedade nacional,
o que hoje entendemos como: Educação Escolar Indígena
Assim, podemos adentrar numa
reflexão sobre educação na aldeia e para a aldeia, onde poderíamos entender
que educação na aldeia (ou, ainda, Educação Indígena, de fato) seria aquela
voltada e preocupada com a formação das crianças, jovens e adultos indígenas,
englobando questões de aprendizagem/internalização da cultura, das crenças, da
moral, da vida em comunidade, sendo uma transmissão de conhecimento pensado,
produzido e modelado, ali mesmo, a partir de suas particularidades e realidade
práticas do grupo étnico, cada grupo a seu modo.
Já a educação para a aldeia
– ou Educação Escolar Indígena – diz respeito aquela pensada e elaborada de fora para dentro, isto é,
historicamente falando, de aplicação de modelos externos às realidades outras,
pois, de fato nunca foi, até então, preocupação do Estado conhecer e analisar
as realidades locais, as especificidades étnicas; poderíamos pensar aqui em uma
educação projetadas para “civilizar”, domesticar, transformar, amordaçar
aqueles que vivem outras experiências, outras lógicas. Isto perdurou por um
processo histórico, passando pela tutela do SPI - Serviço de Proteção ao Índio
- , e, posteriormente, da FUNAI, Fundação Nacional do Índio.
No cenário atual, de políticas
voltadas para a Educação Escolar Indígena, podemos perceber um inédito
acontecimento: o diálogo- ou a tentativa deste- entre Estado e os grupos
étnicos, grupos ou comunidades que partilham de um modo de viver distintos dos
outros grupos sociais, que têm costumes, ideias e cultura em comum. Isto possibilita direcionar um novo olhar
sobre o tema e sobre a possibilidade de construção de nova forma de fazer
educação.
Movimento Indígena por uma escola contextualizada
A proposta de
educação intercultural, embasada também em conceitos antropológicos,
provavelmente precisa de uma atenção ou cuidado que a torne mais eficaz, pois,
se é proposta uma sociedade que conviva com/e respeite a diferença do outro é
preciso construir esta sociedade. A
utilização do conceito de educação intercultura, surge na Europa em oposição ao
assimilacionismo, mas aplicada em contextos diferenciados, no modelo americano. De acordo com Collet, “Iniciou-se, então, um projeto educativo
intercultural, que tinha como principio a valorização da cultura “nativa” e o
desenvolvimento das populações indígenas” (COLLET,2003, p. 175).
Assim, a proposta de
educação intercultural visa:
uma sociedade que
saiba lidar melhor com a diferença, a educação intercultural se baseia,
principalmente, na formação de professores, voltada para o respeito à
diversidade, e na produção de materiais didáticos que contemplem a pluralidade
de culturas existentes[...] (COLLET, 2003, p. 181).
É sabido das dificuldades
encontradas sobre a implementação de uma educação intercultural no contexto
indígena. Quando da primeira tentativa de implementação deste modelo de
educação no Brasil pelo SIL (Summer
Institute of Linguistics), a proposta bilíngue, sobre a
formação de professores aptos a direcionarem este modelo educacional, assim
como pela dificuldade ou má vontade e empenho do Estado em questões financeiras
para que as ações interculturais/ bilingue fossem implementadas.
Com o advento da redemocratização do Brasil, a partir da década de 1980,
as minorias sociais conquistaram espaços nos debates, nos fóruns de decisões;
os indígenas de “passivos” passaram a “ativos”, num sentido de que passaram a
ter voz de decisão. Quando digo,
passaram a “ativos”, num sentido de que com o novo contexto histórico vivido no
Brasil, para a construção da nova Constituição Federal, as minorias, como
negros e índios conquistaram espaço para um “diálogo” com a sociedade nacional,
afim de que se pensasse, projetasse meios e medida legais para a efetivação da
cidadania com deveres e direitos para estas minorias até então sem voz nos
fóruns de decisões sócio-políticos.
Mas, para que houvesse alguma transformação, ao menos inicialmente no papel
ou nas leis, foi necessário uma militância indígena, certa de que tais
conquista, em tese, não significaram uma real transformação nem melhoria
referente à Educação Escolar Indígena, mas apenas possibilidades de
reivindicações de direitos .
Cenário das escolas na Aldeia Wassu Cocal
A aldeia Wassú Cocal possui quatro escolas e
uma extensão de uma delas. Tais escolas são: 1) Escola Estadual Indígena José Manoel de Sousa; 2)
Escola Estadual Indígena Profª Marlene Marques dos Santos; 3) Escola Estadual
indígena José Máximo de Oliveira; 4) Escola Estadual Indígena Manoel Honório da
Silva. Em visitas que fiz a duas destas, a Escola Estadual Indígena Manoel de
Sousa, que se constitui como tal possuindo, apenas, sala de aula, cozinha, direção\coordenação;
havendo uma extensão da mesma a alguns metros dali que se encontrava em
reforma, segundo informação dos moradores, o espaço era uma casa de farinha da
comunidade.
Em conversa informal com uma
das coordenadoras da Escola E.E. Marlene Marques dos Santos, a qual me recebeu
prontamente; perguntei-lhe sobre o que ela pensava a respeito da educação
diferenciada na Aldeia, ao que ela me respondeu: “é muito difícil trabalhar nas
condições em que a educação escolar indígena se encontra” e acrescentou que os
professores se esforçam para trabalhar, que fazem projetos referentes à cultura
indígena. Falou também, orgulhosamente, das produções de textos feitas pelos alunos sobre os contos e lendas locais.
Me fez refletir uma frase dita por ela, sobre o que pensava a
respeito da E.E.I; “ a diferença que vejo na educação diferenciada é o salário
que a gente recebe, que é uma vergonha, é um salário pra tudo, professor,
coordenador só ganha um salário”, falou ainda sobre a falta se segurança
trabalhista, pois são contratados pelo Estado, e reclamou sobre a efetivação
desses professores ou a abertura de uma seleção interna para professores
indígenas, o que, segundo ela, não
acontece. Isto nos mostra um problema de ordem prática da E.E.I, sobre como se
efetivam as coisas, os contratos, relações trabalhistas, entre outros, pois
isto implica diretamente na efetivação e eficácia ou não desta educação
diferenciada.
Turma da professora Maria |
A ordem prática da Educação Escolar Indígena ou
Escola Indígena
Na ordem prática das coisas, percebo que E.E.I, ou a Escola Indígena de
uma forma geral, no cotidiano, está mais ligada à localidade e/ou espaço dentro
da aldeia do que propriamente às praticas dentro desta escola, ou ainda, do que
às teorias relacionadas à E.E.I. É reconhecido socialmente que, a escola ou a
educação escolar é indígena pelo fato
de “pertencer”, de estar dentro da aldeia, e nelas trabalham indígenas, que por
sua vez, são contratados a baixo custo pelo Estado e sem garantias
trabalhistas.
O foco aqui é mostrar a
importância da E.E.I para a formação e construção da identidade étnica, pois,
em entrevistas com os jovens/estudantes
Wassu (que estudam na escola não-indígena da área urbana da cidade) constatei
referências e nostalgias referente à Escola da Aldeia, visto que os estudantes
entrevistados já estão estudando o nível médio em escola fora da Aldeia, pois
nesta só há ensino fundamental. Eles
falam com entusiasmo de aulas e fatos ocorridos em época que estudavam nas
escolas da Aldeia.
Cenário das escolas na Aldeia Wassu Cocal
A aldeia Wassú Cocal possui quatro escolas e
uma extensão de uma delas. Tais escolas são: 1) Escola Estadual Indígena José Manoel de Sousa; 2)
Escola Estadual Indígena Profª Marlene Marques dos Santos; 3) Escola Estadual
indígena José Máximo de Oliveira; 4) Escola Estadual Indígena Manoel Honório da
Silva. Em visitas que fiz a duas destas, a Escola Estadual Indígena Manoel de
Sousa, que se constitui como tal possuindo, apenas, sala de aula, cozinha, direção\coordenação;
havendo uma extensão da mesma a alguns metros dali que se encontrava em
reforma, segundo informação dos moradores, o espaço era uma casa de farinha da
comunidade.
Em conversa informal com uma
das coordenadoras da Escola E.E. Marlene Marques dos Santos, a qual me recebeu
prontamente; perguntei-lhe sobre o que ela pensava a respeito da educação
diferenciada na Aldeia, ao que ela me respondeu: “é muito difícil trabalhar nas
condições em que a educação escolar indígena se encontra” e acrescentou que os
professores se esforçam para trabalhar, que fazem projetos referentes à cultura
indígena. Falou também, orgulhosamente, das produções de textos feitas pelos alunos sobre os contos e lendas locais.
Me fez refletir uma frase dita por ela, sobre o que pensava a
respeito da E.E.I; “ a diferença que vejo na educação diferenciada é o salário
que a gente recebe, que é uma vergonha, é um salário pra tudo, professor,
coordenador só ganha um salário”, falou ainda sobre a falta se segurança
trabalhista, pois são contratados pelo Estado, e reclamou sobre a efetivação
desses professores ou a abertura de uma seleção interna para professores
indígenas, o que, segundo ela, não
acontece. Isto nos mostra um problema de ordem prática da E.E.I, sobre como se
efetivam as coisas, os contratos, relações trabalhistas, entre outros, pois
isto implica diretamente na efetivação e eficácia ou não desta educação
diferenciada.
A ordem prática da Educação Escolar Indígena ou
Escola Indígena
Na ordem prática das coisas, percebo que E.E.I, ou a Escola Indígena de
uma forma geral, no cotidiano, está mais ligada à localidade e/ou espaço dentro
da aldeia do que propriamente às praticas dentro desta escola, ou ainda, do que
às teorias relacionadas à E.E.I. É reconhecido socialmente que, a escola ou a
educação escolar é indígena pelo fato
de “pertencer”, de estar dentro da aldeia, e nelas trabalham indígenas, que por
sua vez, são contratados a baixo custo pelo Estado e sem garantias
trabalhistas.
O foco aqui é mostrar a
importância da E.E.I para a formação e construção da identidade étnica, pois,
em entrevistas com os jovens/estudantes
Wassu (que estudam na escola não-indígena da área urbana da cidade) constatei
referências e nostalgias referente à Escola da Aldeia, visto que os estudantes
entrevistados já estão estudando o nível médio em escola fora da Aldeia, pois
nesta só há ensino fundamental. Eles
falam com entusiasmo de aulas e fatos ocorridos em época que estudavam nas
escolas da Aldeia.
Uma criança indígena |
Influências da Educação Escolar Indígena no caso
dos estudantes Wassu
Numa tentativa de compreender um pouco sobre a
diferença, para os estudantes Wassu, entre a escola da Aldeia (Educação Escolar
Indígena) e escola da cidade (Educação escolar não-indígena), e também, sobre
como eles se sentiam ou se sentem respectivamente nestas escolas, foi-lhes perguntado então:
Na escola da Aldeia você se sentia diferente
dos seus colegas de alguma forma? Por quê? Obtivemos tais respostas:
“Não,
por que os alunos da aldeia também são índios, não fica nessa coisa de dizer
que a pessoa não é índia...”
“Não,
por que a gente era tudo igual um ao outro, tem a mesma tradição todos os dias
ali...”
“Não,
até por que era... a gente era tudo índio mesmo...”
“Não,
lá era até melhor, por que tinha aula de capoeira, dança, comidas típicas, era
assim tudo de índio na aula, é sempre
assim lá.”
“Me
sentia igual a todo mundo, porque todos os alunos daqui da aldeia são
índios...”
“Não,
porque a maioria também era índio”.
Podemos afirmar que estes alunos Wassú, que
agora frequentam escola não-indígena, têm sim, claramente, noção de seu
pertencimento étnico: de que são partencentes a um grupo que se diferencia das
pessoas da cidade ou de outros grupos sociais; compreendem que fazem parte de
um grupo que tenta também através de uma Educação Escolar Indígena passar para
as novas gerações coisas que consideram importantes para a manutenção de sua
cultura.
Nesse
ponto, percebemos, a importância da Educação Escolar Indígena, na medida em que
os jovens/estudantes Wassu apontaram forte lembranças da Escola Indígena como
algo que concretiza o grupo étnico. Afirmo ser extremamente relevante a E.E.I.
como meio de fortalecimento do grupo etnico e como espaço de contrução da
identidade indígena.
Percebemos nas falas dos estudantes Wassu o
entendimento sobre a diferença da escola indígena(aldeia) para a escola
não-indígena(cidade); construíram ou fortaleceram a partir da escola indígena
uma consciência de pertencimento étnico, conforme as falas acima. A relevância
desta Educação Escolar Indígena se dá pelo fato de se pensar as
particularidades de cada comunidade indígena, suas necessidade e objetivos
para, então, trabalhar os conteúdos e suas formas de aplicação de acordo com
cada realidade.
Quando afirmam, em unanimidade, que não se
sentem diferentes ou discriminados na escola da aldeia porque lá todos os seus
colegas ou a maioria deles também eram índio, entendo que, também, estão
afirmando que lá na Escola Indígena e na Aldeia como um todo eles constituem um
grupo diferente dos outros grupos, que aqui denominamos de grupo étnico, no
caso os Wassu (como se denominam), não sendo necessário ressaltar a diferença,
mas sim a semelhanças entre eles. E quando saem daquele espaço escolar para
outro espaço escolar não-indígena se torna primordial problematizar a diferença por meio da autoafirmação, o
que nem sempre é tão bem resolvido.
Quando falam de terem a mesma tradição, no que
se refere à uma cultura em particular, falam do cotidiano quando é colocado “a
mesma tradição todos os dias ali” e dizem, também, que a Escola
Indígena “era melhor”, penso que
afirmam isso pelo fato de nela haver coisas do seu dia a dia, da sua realidade,
como as aula de capoeira, de dança
(provavelmente o toré), de comidas típicas, “era assim tudo de índio na aula, é sempre assim lá”.
Abordam também sobre o fato de na Escola da
Aldeia, ou seja, na Escola Indígena, não existir a discriminação, o
apontamento, pois não precisam afirmar ou defender ou ainda esconder sua
identidade étnica como na fala: “ não fica nessa coisa de dizer que a pessoa
não é índia...”, subentendendo, portanto, que entre iguais não se necessita
de re-afirmação frequente sobre sua indianidade.
O que nos faz comungar da teoria de BARTH (2000,
p.34), quando este afirma que não são os conteúdos culturais que definem os
grupos, não sendo, portanto, necessário a afirmação diária sobre sua identidade
étnica quando se estar em meio ao próprio grupo, no cotidiano, nas relações
internas ao grupo. Então, Barth diz que são as fronteiras que definem o grupo
étnico; portanto, consideramos aqui, a escola não-indígena como o lugar de fronteira, que contribui
também, para o processo de construção de sua identidade etnica. Porém de forma
geral, o que importa dizer aqui, é que os estudantes Wassu sabem, têm
consciências de suas origens e pertencimento etnico, sendo parte muito
importante para esta consciêcia etnica, a Escola Indígena ou a Educação Escolar
Indígena.
Estudande, Escola e
Identidade
O
processo identitário acontece numa frequente zona de conflito interno, numa
oscilação da afirmação/negação do pertencimento étnico ou da identificação com
o grupo. Como aborda Roberto Cardoso de Oliveira em Os (des)caminhos da
Identidade:
Nesse sentido, vale
considerar, no que diz respeito ao processo identitário, que se trata de um
espaço marcado pela ambiguidade das identidades – um espaço que, por sua
natureza, abre-se à manipulação pelas etnias e nacionalidades em conjunção
(OLIVEIRA, 2000, p. 17).
Quando
perguntado, aos estudantes que entrevistamos, se eles já tiveram ou têm
vergonha de dizer dentro da escola que são índios, cinco entre seis dos
entrevistados responderam que não. Vale
ressaltar que só encontramos seis estudantes indígenas no periodo matutino na
escola, mas isto não impede de armar o que chamaremos de hipoteses etngraficas,
dado o fato de que estamos lidando com uma parcela do todo, sem ponderar a
representatividade. Contudo, sabemos que estamos diantes de uma condição que
prima pela homogeneidade e não pela heterogeneidade e isto nos tranquiliza
quanto a extrensão para o grupo do que colhemos com os estudandes em evidencia.
Apesar
de terem negado, nos finais de suas falas obtivemos respostas como:
“ Dependendo da situação, às vezes digo que sou
índia, às vezes digo que não. Quando os outros alunos ficam falando mal dos
índios, eu não brigo por isso”.
“... sempre quando perguntam digo que sou,
sempre defendo minha cultura, mas só quando perguntam”
“... mas só falo que sou índia se me
perguntarem. Se ninguém perguntar eu fico na minha...”.
Percebemos
com estas falas que os indígenas/estudantes Wassú podem passar despercebidos
entre os demais alunos. Isto fica em relevo pois, levando-se em consideração
estarem numa cidade pequena, onde só existe uma escola de nível médio, mesmo
assim “conseguem” ser invisibilizados. A
prática invisibilizante ou homogeneizante da escola intenciona tornar o jovem, o indivíduo, num
simples aluno, sem levar em consideração suas origens, seu cotidiano, suas
diferenças, suas culturas, enfim suas especificidades.
Dentre
os entrevistados apenas um, ao qual chamaremos de Porã, afirmou, claramente,
sentir vergonha em dizer que é índio, principalmente em uma situação descrita
por ele:
“Sim... teve uma vez que um
amigo perguntou onde eu morava, eu disse que no Cocal, ai ele perguntou se eu
era indígena, mas eu não disse que era índio não... fiquei com vergonha de ter
discriminação... por que tinha muita gente perto... fiquei pensando se eles iam
mangar... Mas, isso foi fora da escola”
Percebemos
que sabem do seu pertencimento, porém na hora de afirmar se são ou não índios,
eles primeiro analisam a situação, se há muita gente perto, se há a
possibilidade de as pessoas presentes discriminá-los para que, então, eles
afirmem, neguem ou omitam sua indianidade. Sabemos que a questão indígena no
nordeste é algo bastante complexo; a identidade do índio, foi omitida,
camuflada ou negada por diversos motivos. João Pacheco de Oliveira,
contextualiza a situação do índio do nordeste, colocando em relevo a natureza
do processo histórico que vivenciaram com praticas e imedidas de integração na
ordem da produção, gerando a possibilidade de serem confundidos com as
populações rurais locais.
Apesar
de, em algumas ocasiões, os estudantes wassú entrevistados, omitirem sua
identidade étnica, seu pertencimento grupal, isto não significa dizer que
estejam renegando ao grupo ou à sua etnicidade. Para melhor destrincharmos esta
questão analisemos a seguinte citação:
Ser um indígena não
significa que você possui uma cultura indígena separada. Em vez disso,
provavelmente significa que em alguns momentos, em algumas ocasiões, diz-se
“Essa é minha identidade étnica. Este é o grupo ao qual desejo pertencer.”
Também cultivam-se alguns sinais particulares que assinalam que essa é sua
identidade. Isso certamente significa que foram aprendidas algumas coisas que
mostram uma continuidade cultural da tradição das prévias gerações da população
indígena (BARTH, 2005, p. 19).
BIBLIOGRAFIA
BARTH,
Fredrik. O Guru, o iniciador e outras
variações antropológicas. Tradução: John Cunha Comerford – Rio de Janeiro:
Contra Capa Livraria, 2000.
______
.“Etnicidade e o conceito de cultura”, in Antropolítica:
Revista Contemporânea de Antropologia e Ciência Política, n. 19, 2º. Sem., 2005 (pp.15-30.).
COLLET, Celia Leticia Gouvêa. Interculturalidade e Educação Escolar Indígena: um breve bistórico.
Cadernos de Educação Escolar Indígena- 3º Grau Ingígena, Barra do Bugre:
UNEMAT, V. 2, N. 1, 2003.
KAHN,
Marina; FRANCHETTO, Bruna. Educação
Indígena no Brasil: conquistas e desafios. Em Aberto, Brasilia, ano 14, n.
63, jul./set. 1994.
OLIVEIRA,
Roberto Cardoso. Os (des)caminhos da
identidade. RBCS, Vol. 15 nº 42, fevereiro, 2000.
Parabéns!
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