Este artigo foi publicado originalmente em Campus/ O Dia
LIMA, José Carlos da Silva. Ocupar a capital para denunciar a indignidade da vida no campo. O Dia. Maceió, 29 mar. a 04 abr. 2015, Campus, p. 2.
redação 82 3023.2092
e-mail redacao@odia-al.com.br
LIMA, José Carlos da Silva. Ocupar a capital para denunciar a indignidade da vida no campo. O Dia. Maceió, 29 mar. a 04 abr. 2015, Campus, p. 2.
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Dois dedos de prosa
Os semterra retornaram a Maceió e
aqui ficaram de nove a doze de março deste ano.
Foi uma caminhada diferente das iniciais. Hoje contam com mais de cem
assentamentos e diversos acampamentos, em todas as regiões de Alagoas. Foi uma
caminhada conjunta das principais bandeiras do movimento, colocando a situação
da reforma agrária no Brasil e a condição de vida que se tem nos acampamentos e
assentamentos. Houve uma demonstração pública de que se mantém a capacidade de
reivindicar junto ao governo e uma demonstração à sociedade civil de que
continuam organizadamente a luta pela reforma agrária.
Campus
pediu a dirigentes que fizessem uma avaliação do que aconteceu. Trata-se de um
documento importante, pois, inclusive, é a primeira vez que se tem na imprensa
de Alagoas uma escrita integrada de diversos movimentos sobre aspirações,
propostas e reivindicações.
Vale
a leitura!
Luiz
Sávio de Almeida
José Carlos da Silva Lima
Coordenador
Regional Nordeste II da CPT. Membro do Grupo Terra e mestrando em História pela
Universidade Federal de Alagoas
Ocupar a capital para denunciar a
indignidade da vida no campo
José Carlos da Silva Lima
O segundo governo da presidenta Dilma Rousseff, até o
momento, não aponta para mudanças estruturais no campo brasileiro. A prioridade
é recorrente: o agro e o hidronegócio. Ele continuará sendo o setor em que o
governo mais investe, com juros subsidiados. As nomeação do ministro Joaquim
Levy para comandar a economia brasileira e a de Katia Abreu para o Ministério
da Agricultura são elementos significativos que compõem o escopo do segundo
mandato da presidenta, levando o governo a uma guinada brusca e ainda mais à
direita.
O capitalismo continua, com o apoio aberto do Estado,
atacando os territórios indígenas e quilombolas, áreas de posseiros, pequenas
propriedades camponesas e áreas destinadas à reforma agrária. A concentração da
terra vem aumentando no país; em menos de uma década (2003-2010), 100 milhões
de hectares foram concentrados. Em 2003, conforme o INCRA, 215 milhões de
hectares estavam nas mãos de 112 mil proprietários. Em 2010, o número de
hectares passou para 318 milhões, e o de proprietários para 130 mil.
O projeto do governo federal é criar/fortalecer uma classe
média rural convivendo ordeiramente com o agro e o hidronegócio. Nesse projeto
não há, como nunca houve, espaço para as comunidades tradicionais, os
camponeses e, muito menos, para os semterra. O objetivo é viabilizar
economicamente uma pequena parcela que vive no campo.
O esvaziamento do INCRA local e nacional é outro elemento
que ajuda a esclarecer a agenda do governo federal para o campo. Com um
orçamento insignificante, um quadro técnico restrito e desmotivado, o INCRA não
consegue acompanhar as demandas das famílias assentadas e acampadas. Esse
processo de desgaste do órgão responsável por executar a política da Reforma
Agrária no país foi pensado como parte do projeto que nega a necessidade e a
importância de realizar uma reforma agrária popular; ele teve início no governo de Fernando
Henrique Cardoso, sendo assumido pelos três sucessivos governos do PT.
A opção do governo por retirar da pauta da política e da
sociedade a Reforma Agrária, fortalece o agro e o hidronegócio. Impõe às famílias
assentadas uma vida indigna. Mesmo assentadas, muitas famílias ainda não têm um
teto e moram em condições precárias; o Estado não fornece água potável, as
pessoas bebem das nascentes e dos rios, água na maioria poluída. A energia
ofertada não atende às necessidades; quando um motor é acionado para irrigar a
produção ou beneficiar a mandioca, transformando-a na farinha nossa de cada
dia, o assentamento fica sem energia. As estradas de acesso aos assentamentos
são péssimas, dificultando o escoamento da produção e a mobilidade necessária
para chegar aos centros urbanos. As escolas são indecentes, funcionando graças
aos mutirões realizados pelas comunidades. O Estado nega a existência dos
assentamentos e não os considera como sujeitos políticos, econômicos e sociais.
A marcha do modelo para o controle total da terra opera como
se os acampamentos fossem invisíveis para o poder. Se as famílias assentadas
são sufocadas pelo sistema, situação pior vivem os semterra que estão acampados
em fazendas, áreas de domínio da União (BRs) e rodovias estaduais. São
brasileiros, alagoanos a que o Estado roubou a cidadania, a naturalidade, a
identidade, o CPF, o RG, permitindo apenas o uso do título de eleitor. São
discriminados nos postos de saúde, nos hospitais e nas escolas; perdem o nome,
o sobrenome, sendo criminalizados e rotulados de baderneiros. É como se
desejassem que o correto seria chamá-los desordeiros, que não respeitam a
ordem, o mando, e não aceitam as margens como lugar.
Negando os assentamentos e impedindo a conquista de novas
áreas de terras, o projeto das oligarquias agrárias, com o apoio dos governos,
como uma espécie de trator vai retirando os obstáculos à sua frente e se
consolidando no campo brasileiro. Considera-se como a única e inquestionável
forma de produzir, mesmo causando danos irreparáveis à natureza, explorando a
força de trabalho, utilizando trabalho escravo e usando veneno.
Tempos
difíceis exigem ações pensadas e coletivas. A luta dos índios deve ser a luta
de todos; a luta dos quilombolas deve ser a nossa; a luta dos ribeirinhos,
também; a luta dos assentados e acampados é nossa. É urgente lutar em duas
frentes: pela permanência na terra e pela conquista da terra. A unidade do
campo, ou melhor, dos povos da terra, das florestas e das águas é urgente. A
luta é coletiva; não deve ser um lema, uma cor de bandeira, um movimento, uma
sigla, uma organização que assuma a vanguarda da resistência e ações de
retomadas de territórios. Esse entendimento de juntar lutas contra a ofensiva
do capital no campo, vem ocupando a agenda de várias entidades que atuam desde
2012, quando aconteceu o Encontro Unitário dos
Trabalhadores, Trabalhadoras e Povos do Campo, das Águas e das Florestas, de 20 a 22 de agosto de 2012, em Brasília.
Ali foram construídos
compromissos coletivos: denunciar que o capital é o inimigo de camponeses/as e
povos; valorizar a formação política e a identidade dos jovens, criando as
condições necessárias para que eles permaneçam no campo; solidarizar-se com e apoiar
os povos e comunidades que são atingidos pela ofensiva do capital; fortalecer e
ampliar as experiências da agroecologia como matriz tecnológica para a produção
de alimentos saudáveis; reafirmar a luta pela terra e territórios, na
perspectiva da alteração do poder e da afirmação das identidades e da produção
cultural e da luta por direitos.
A
mobilização que ocorreu de 9 a 12 de março em todo o país trilhou no caminho da
unidade de bandeira múltiplas em defesa da reforma agrária popular. Em Alagoas,
o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o Movimento Terra,
Trabalho e Liberdade (MTL), o Movimento de Libertação dos Sem Terra (MLST) e a
Comissão Pastoral da Terra simbolizam essa unidade; mesmo antes do encontro
Unitário de Brasília, já praticam nas marchas, nas romarias da terra e das
águas, nas feiras na praça da faculdade, na formação de militantes e nas
assembleias as formas coletivas de enfrentamento. Aqui, nas terras dos
canaviais, o embate sempre foi duro. Lutar sozinho é caminhar em direção ao
abismo.
Foram mais de 3 mil nas ruas de Maceió. Mulheres, homens,
jovens, crianças. Gerações formadas em acampamentos e assentamentos, que
deixaram o campo e entraram na capital pela porta da frente, ocupando as ruas,
denunciando as dezenas de reintegrações de posse dadas pela Vara Agrária, a
falta de água potável, as precárias condições das salas de aula, a precária
energia fornecida pela Eletrobrás, o avanço do monocultivo dos eucaliptos, a
negação do Estado.
A caminhada, a ocupação da Eletrobrás, o abraço no prédio do
Tribunal de Justiça e as audiências foram conduzidos com responsabilidade,
disciplina e firmeza política. Mesmo modificando, por uma semana, o cotidiano
de Maceió, por diversas vezes foram saudados com buzinas, aplausos e palavras
de apoio.
A ausência sentida foi a da chamada esquerda. Ausente nas
atividades, sindicatos e partidos políticos, assistiram pela TV e viram nos blogs e jornais o desenrolar da
mobilização. Lembro, com certo saudosismo, da primeira Marcha contra a Violência
no Campo, em abril de 1997, quando o país se mobilizou em memória dos 19
semterra assassinados em Eldorado dos Carajás. Ali estavam as esquerdas, as
igrejas, os movimentos populares e os sindicatos. Alguns dos que participaram
em Alagoas, atualmente ocupam cargos públicos ou são parlamentares, esqueceram
as ruas, os protestos, as bases. Apostam na conciliação de classes e
estabeleceram os parlamentos, os gabinetes e os hotéis como espaço dessa
conciliação.
Em breve outras lutas devem tomar o campo de Alagoas e do
Brasil, como no mês de abril, em defesa da reforma agrária e contra o hidro e o
agronegócio. Aqui combateremos, além do
monocultivo da cana, o avanço do eucalipto em áreas que deveriam ser
desapropriadas para fins da reforma agrária. O desafio das próximas
mobilizações é ampliar a participação da cidade, dos segmentos históricos e dos
novos atores (jovens). Retomar o destaque da luta pela terra, por moradia e
direitos, construir/retomar uma aliança do campo com a cidade, capaz de
equilibrar a correlação de forças. Nessa direção o Papa Francisco apontou o
caminho: Nenhum camponês sem terra,
nenhuma família sem casa, nenhum trabalhador sem direitos.
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