Este artigo foi publicado originalmente em Campus/ O Dia
NUNES, Débora. Sem Terra em marcha na defesa da reforma agrária e dos direitos pela vida. O Dia. Maceió, 29 mar. a 04 abr. 2015, Campus, p. 3.
redação 82 3023.2092
e-mail redacao@odia-al.com.br
NUNES, Débora. Sem Terra em marcha na defesa da reforma agrária e dos direitos pela vida. O Dia. Maceió, 29 mar. a 04 abr. 2015, Campus, p. 3.
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Dois dedos de prosa
Os semterra retornaram a Maceió e
aqui ficaram de nove a doze de março deste ano.
Foi uma caminhada diferente das iniciais. Hoje contam com mais de cem
assentamentos e diversos acampamentos, em todas as regiões de Alagoas. Foi uma
caminhada conjunta das principais bandeiras do movimento, colocando a situação
da reforma agrária no Brasil e a condição de vida que se tem nos acampamentos e
assentamentos. Houve uma demonstração pública de que se mantém a capacidade de
reivindicar junto ao governo e uma demonstração à sociedade civil de que
continuam organizadamente a luta pela reforma agrária.
Campus
pediu a dirigentes que fizessem uma avaliação do que aconteceu. Trata-se de um
documento importante, pois, inclusive, é a primeira vez que se tem na imprensa
de Alagoas uma escrita integrada de diversos movimentos sobre aspirações,
propostas e reivindicações.
Vale
a leitura!
Luiz
Sávio de Almeida
Débora Nunes
- Dirigente Nacional do MST, membro da Direção Estadual do MST (AL), formada em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Alagoas
Sem Terra em marcha na defesa da reforma agrária e dos direitos pela vida
São as Mulheres Sem Terra que abrem e dão o tom à Jornada
Nacional de Lutas pela Reforma Agrária em Alagoas. Vindas de diversos
municípios de todo o estado, as cerca de 800 mulheres, trazem como lema
MULHERES EM LUTA: POR SOBERANIA ALIMENTAR, CONTRA A VIOLÊNCIA E O AGRONEGÓCIO!
A ação das mulheres vem carregada de simbologia na ocupação
da Superintendência do Ministério da Agricultura em Alagoas, mas, sobretudo
pela disposição e compromisso de defender a Reforma Agrária Popular e dialogar
com a sociedade denunciando a violência e os problemas causados pelo
agronegócio à humanidade e as futuras gerações.
O modelo do agronegócio, que recebeu apenas no ano de 2014,
mais de 130 bilhões de reais, provoca muitos problemas desde a concentração da
terra na mão de poucos, a expulsão violenta e silenciada de milhares de
famílias do campo e a degradação e destruição da natureza, envenenando
nossas terras, águas, ar, o nosso povo e derrubando as matas e florestas, sendo
ainda uma ameaça à soberania alimentar do país e a vida de toda a população
brasileira e alagoana, afetando de maneira direta as condições das mulheres.
Mas no bojo da luta, também se trás alternativas e apresenta
à sociedade um projeto de agricultura baseado na agroecologia, que pressupõe a
construção de outras formas de se relacionar com a natureza, com a terra e os
seres humanos. Um projeto que defende a democratização da terra, com a
realização da Reforma Agrária, como forma de resolver problemas estruturais de
toda a sociedade, pois a medida que não se permite que mais pessoas saiam do
campo e que tantas outras possam retornar, isso contribui para que as médias e
grandes cidades ampliem os amontoados de gente vivendo sem condições dignas de
trabalho, habitação, educação, saúde e mobilidade urbana.
Realizar a Reforma Agrária é garantir que os camponeses e
camponesas cumpram sua principal tarefa para com a sociedade que é de PRODUZIR
ALIMENTOS SAUDÁVEIS para alimentar quem esta no campo, mas sobretudo quem vive
na cidade. E se faz extremamente necessário reforçar que não é qualquer
alimento, mas deve ser alimento saudável, pois o uso intensivo de veneno tem
provocado o aumento da incidência de câncer na população. Segundo o Instituto
Nacional do Câncer – INCA o consumo médio por habitante no Brasil é de 6 litros
de veneno/ano.
Em Alagoas a expressão e materialidade do agronegócio é
ainda mais violenta, pois a monocultura da cana, sendo a principal atividade
econômica do estado, concentrou a terra, destruiu a nossa Mata Atlântica,
poluiu rios, explorou o nossos povo, mas não teve a capacidade de fazer com que
a riqueza produzida pudesse trazer retorno aos alagoanos. Ao contrário,
prioritariamente para exportação, nem mesmo tem participação incisiva na
geração de impostos que pudessem ser revertidos à sociedade.
E quando não poderia ser pior, se vê parte desta cana sendo
substituída por plantações de eucaliptos, que num breve olhar parece ser
floresta. Mas na verdade é o nascimento do aprofundamento, ainda mais perverso,
da destruição da biodiversidade e da reprodução da miséria em nosso estado.
É por isso também que o MST se coloca em lutas, pois tem a
clareza que “a cana não enche prato e
que o eucalipto não faz floresta!”. Luta para que a cana seja sim
substituída, mas pela produção de macaxeira, feijão, inhame, frutas, alimentos
saudáveis para chegar e encher o prato da população que precisa alimentar-se
todos os dias.
Além deste elemento de
denuncia do modelo e de buscar dialogar com a sociedade sobre as suas
implicações e as alternativas existentes, os Sem Terras – agora não mais apenas
as mulheres, mas também homens, jovens, crianças, idosos, e passam dos milhares
e que ao estarem em Maceió saem de uma INVISIBILIDADE quando trazem as reais
condições que vive o povo Sem Terra. Condições estas que explicitam a cotidiana
negligência do Estado Brasileiro, nas suas esferas – municipal, estadual e
federal, e nos seus poderes – executivo, judiciário e legislativo.
E quando se fala das
condições é aquilo que garante que o povo permaneça e viva no campo. Assim a
luta trás à reivindicação do cumprimento das obrigações do Estado, na garantia
de direitos fundamentais, direito à vida, educação, saúde, moradia, trabalho,
lazer, que também estão na Constituição Brasileira, mas que no argumento são
inferiores ao direito à propriedade.
Durante a nossa jornada, as
crianças e a juventude Sem Terra na passagem pela Secretaria Estadual de Educação
deixaram seu protesto em forma de arte com mãos pintadas nas paredes e frases
que trazem a radiografia da situação da educação do campo em Alagoas, onde
faltam professores, merenda, água para consumo e higienização da escola, e
tantas outras condições. Nesse momento algumas poucas pessoas questionavam se
seria correto “sujar as paredes”.
E aqui não se pode deixar de dizer que a
denuncia deixada nas paredes podem, como já deve ter o sido, lavada com água ou
cobertas com tintas, mas o fato de adolescentes terem ficado em vários
municípios por um mês sem irem à escola porque esta mesma Secretaria retirou o
transporte escolar, a água não lava. O fechamento de diversas escolas no campo,
as precárias condições estruturais de prédios que colocam a vida de crianças e
adolescentes em risco ou ainda a violenta omissão do estado que não garante uma
educação de qualidade, que poderia oportunizar um futuro melhor a quem vive no
campo... Isso a água e a tinta não pode apagar!
Enfim luta-se para que seja
garantido o direito à terra para que os camponeses vivam no campo. Luta-se para
que as condições desta permanência existam. Luta-se para que o agronegócio não
seja a prioridade do Estado. Luta-se contra todas as formas de violência contra
as mulheres, homens, crianças, jovens e idosos, inclusive contra a violência do
Estado quando não reconhece estes sujeitos e não cumpre com seu papel.
Luta-se para que a sociedade
tenha o direito de decidir se quer comer alimentos saudáveis ou continuar sendo
dia-a-dia envenenada com a ação do agronegócio. Luta-se por uma sociedade que a
regra seja a justiça social para todos e todas.
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