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quarta-feira, 27 de maio de 2015

Memória e cotidiano: Gil Vicente teve tempo e chegou nas Alagoas

  Gil Vicente e um bendito na Chã Preta das Alagoas

Luiz Sávio de Almeida




Quando era no começo da minha  vida de escriba renitente sempre pegava o rumo de Chã Preta, sendo raro o fim de semana  que não fosse na fazenda Medina de Seu Au, o pai de Pedro Texeira, um grande amigo que já se foi desta para a melhor. Foram dias inesquecíveis, tanto pela companhia do Professor Pedro Texeira quanto pela conversa com Seu Au que era uma verdadeira delícia, especialmente quando falava sobre as mudanças que o mundo andava sofrendo e o que viu nas praias de Maceió com as meninas usando roupa que não cabia numa xícara de café pequeno. Segundo seu Au, elas saiam de dentro d’água com a água caindo do fundilho que mais  parecia mais um coador de café. 

Theo Brandão

Quem me apontou o caminho da Chã Preta foi o Theo Brandão, com aquela verve sobre  comunidade folk que  tinha, na sua tradução de Redfield aos confins alagoanos.  Ele sempre me dizia: O Pedro é um homem folk. O engraçado é que o folk do Redfield pouco tinha a ver com o acentuado folclore sobre o que ele sempre dissertava. Theo, apesar da diferença da idade, foi um dos melhores amigos que tive na vida e foi ele quem me levou ao Pedro Texeira, através de quem recebi Chã Preta de presente e onde vivi momentos maravilhosos no eterno dos dias que por lá andei.  Foram muitas as em  vezes que peguei o depois da Viçosa e larguei-me em diretura daqueles mundos que me fascinavam e a partir de onde comecei a procurar entender nossa misteriosa Alagoas.


Ora, basta dizer que o Capiroto andava de serviço naquelas bandas e tudo ficava no resguardo dos cruzeiros enfiados no chão, a trazerem a chama benta contra as artes do infeliz do Maligno. Sinceramente, o mundo mudava para mim quando eu subia a ladeira da Baixa Funda e batia  no plano dos partidos, até chegar em Chã Preta, lá em cima, a bem dizer na subida da Serra do Cavaleiro e cuja descida, no rumo da estrada que passava na frente do Benedito, batia em Correntes, Pernambuco, onde fui cortar cabelo na feira: uma bela experiência.

Pedro Texeira

Dizia o Pedro Texeira que uma vez cercaram a cidade com cruzeiros, Santo Lenho, para o diabo não entrar. E eu mesmo conheci a mulher que vivia uma situação danisca de chata. Toda sexta, dia de resguardo, quando ela ia cozinhar o bacalhau, vinha um diabo cheio de goga e cagava na panela, deixando a mulher irritada, com medo e chorosa. Vi coisas maravilhosas em Chã Preta, desde a jaca do pé da bosta até recolher um romance que identifiquei com toda a problemática de Gil Vicente no Auto da Barca, o cheiro da Idade Média portuguesa correndo os dias do século XX na Chã Preta das Alagoas, o que gerou o primeiro trabalho meu publicado fora de Alagoas.


Mas apois bem, a mulher que recitou era impressionante. Nunca vi uma figura igual aquela em toda minha vida.  O vestido de chita mais parecendo um jardim de flor em cima de um chão amarelo, manga côco ou manga bufante – não lembro direito –, a sombrinha combinando com o resto do traje que chegava ao calcanhar, o cabelo puxado formando um cocó, o rosto vermelho e a boca vermelhos de papel crepon, a neta enrabichada... E ela a dizer o que chamava de Bendito do Migué e eu a ficar cada vez mais fora da terra ao identificar o mote de Gil Vicente. E depois de tudo, o rosto dela beirando ao encantamento ao ouvir sua voz reproduzida em um mísero gravador k-7.



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