Memória e cotidiano: Gil Vicente teve tempo e chegou nas Alagoas
Gil Vicente e um bendito na Chã Preta das
Alagoas
Luiz Sávio de Almeida
Quando era no começo da minha vida de escriba renitente sempre pegava o rumo de Chã Preta, sendo
raro o fim de semana que não fosse na fazenda Medina de Seu Au, o pai de
Pedro Texeira, um grande amigo que já se foi desta para a melhor. Foram dias
inesquecíveis, tanto pela companhia do Professor Pedro Texeira quanto pela
conversa com Seu Au que era uma verdadeira delícia, especialmente quando falava sobre as mudanças que o mundo andava sofrendo e o que viu nas praias de
Maceió com as meninas usando roupa que não cabia numa xícara de café pequeno.
Segundo seu Au, elas saiam de dentro d’água com a água caindo do fundilho que mais parecia mais um coador de café.
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Theo Brandão |
Quem me apontou o caminho da Chã
Preta foi o Theo Brandão, com aquela verve sobre comunidade folk
que tinha, na sua tradução de Redfield aos confins alagoanos. Ele sempre me dizia: O Pedro é um homem folk. O engraçado é que o folk do Redfield pouco tinha a ver com o acentuado folclore sobre o
que ele sempre dissertava. Theo, apesar da diferença da idade, foi um dos
melhores amigos que tive na vida e foi ele quem me levou ao Pedro Texeira,
através de quem recebi Chã Preta de presente e onde vivi momentos maravilhosos
no eterno dos dias que por lá andei. Foram muitas as em vezes que peguei o depois da Viçosa e larguei-me em diretura daqueles mundos que me fascinavam e a partir de onde comecei a procurar entender nossa misteriosa Alagoas.
Ora, basta dizer que o Capiroto
andava de serviço naquelas bandas e tudo ficava no resguardo dos cruzeiros
enfiados no chão, a trazerem a chama benta contra as artes do infeliz do Maligno. Sinceramente, o mundo mudava para mim quando eu subia a ladeira da Baixa
Funda e batia no plano dos partidos, até
chegar em Chã Preta, lá em cima, a bem dizer na subida da Serra do Cavaleiro e
cuja descida, no rumo da estrada que passava na frente do Benedito, batia em
Correntes, Pernambuco, onde fui cortar cabelo na feira: uma bela experiência.
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Pedro Texeira |
Dizia o Pedro Texeira que uma vez
cercaram a cidade com cruzeiros, Santo Lenho, para o diabo não entrar. E eu
mesmo conheci a mulher que vivia uma situação danisca de chata. Toda sexta, dia
de resguardo, quando ela ia cozinhar o bacalhau, vinha um diabo cheio de goga e
cagava na panela, deixando a mulher irritada, com medo e chorosa. Vi coisas
maravilhosas em Chã Preta, desde a jaca do pé da bosta até recolher um romance
que identifiquei com toda a problemática de Gil Vicente no Auto da Barca, o
cheiro da Idade Média portuguesa correndo os dias do século XX na Chã Preta das
Alagoas, o que gerou o primeiro trabalho meu publicado fora de Alagoas.
Mas apois bem, a mulher que recitou
era impressionante. Nunca vi uma figura igual aquela em toda minha vida. O vestido de chita mais parecendo um jardim de
flor em cima de um chão amarelo, manga côco ou manga bufante – não lembro
direito –, a sombrinha combinando com o resto do traje que chegava ao
calcanhar, o cabelo puxado formando um cocó, o rosto vermelho e a boca
vermelhos de papel crepon, a neta enrabichada... E ela a dizer o que chamava de
Bendito do Migué e eu a ficar cada vez mais fora da terra ao identificar o mote
de Gil Vicente. E depois de tudo, o rosto dela beirando ao encantamento ao
ouvir sua voz reproduzida em um mísero gravador k-7.
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