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sexta-feira, 26 de junho de 2015

MARCHIONI, Alessandra. Da invisibilidade para a existência coletiva

Esta matéria foi publicada originalmente em Campus/O Dia, número 121

Urbanism. Law. Capitalism

Alessandra Marchioni é professora na Faculdade de Direito na Universidade Federal de Alagoas e coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Direito Internacional e Meio Ambiente –Nedima. Atualmente realiza estudos na área ambiental e urbanística e escreve sobre a efetividade de normas internacionais em relação às minorias étnicas e grupos sociais. 




Da invisibilidade para a existência coletiva


Nas últimas décadas, diversos grupos sociais portadores de identidade coletiva vêm buscando garantir o seu autoreconhecimento, e, a partir disso, reivindicar seus direitos, incluindo a afirmação de sua territorialidade. Esse é o caso dos pecadores artesanais do Bairro do Jaraguá cujos critérios de identidade superam a noção de pescador artesanal individual, compreendendo o próprio conteúdo familiar e de vizinhança, num todo coletivo expresso, por exemplo, na forma de apropriação e gestão do espaço natural em que pescam e habitam. Segundo dados do Ministério da Pesca e Aquicultura de 2010, a pesca artesanal é atividade produtiva geradora de renda para mais de 600 mil pessoas em todo o Brasil. Em Maceió, capital do estado de Alagoas essa atividade possibilita a subsistência direta de 300 famílias, somente na “Vila dos Pescadores de Jaraguá” que têm como principal atividade econômica a atividade pesqueira e sua cadeia produtiva (pescador, marisqueira, pombeiro e comerciante).

A pesca artesanal por muito tempo permaneceu sem proteção jurídica específica no Brasil, sendo definida apenas em 2003, com a Lei 10.779, que regulamentou o seguro desemprego ao pescador artesanal. Até então, eram considerados pescadores unicamente os trabalhadores envolvidos no pescado, conforme dispunha o Código de Pesca de 1967. A Lei de 2003 inovou ao estabelecer um Registro Geral de Pesca que possibilitou a comprovação da atividade e o usufruto de vantagens asseguradas ao trabalhador comum, como a aposentadoria em menor tempo de contribuição, seguro desemprego em período de defeso e o auxílio doença.

Mais tarde, a Lei 11.959/2009 buscou equiparar os pescadores artesanais aos profissionais de toda a cadeia produtiva, desde os produtores de petrechos até os beneficiadores. Segundo as pesquisadoras Vera da Silva e Maria do Rosário Leitão, se a nova lei veio a beneficiar os pescadores artesanais com alguma regulação, deixou a desejar na elaboração de um conceito preciso sobre a própria atividade da pesca, pois, segundo o art. 8 da Lei, a pesca artesanal é a atividade realizada em regime de economia familiar, cuja noção não se encontra explicitada na lei, realizada por meio de embarcações de pequeno porte, igualmente não definidas como tais.

Ao mesmo tempo, há dúvidas com relação à abrangência dos direitos trabalhistas e previdenciários instituídos, já que não há formulação clara, apenas para fins de solicitação de crédito rural e financiamento. Além dessa abordagem de caráter imediato, que concerne à fonte de recursos econômicos e à própria manutenção do pescador, sua família e da comunidade, há de se mencionar o fato de que a atividade da pesca artesanal é responsável pela identidade e pela manutenção de vínculos humanos e culturais entre essas pessoas. Então, de nada adianta a elaboração de leis e a previsão de políticas públicas, sem que se considere a existência de um grupo social a partir de sua autodefinição, porque tomada desde seus próprios critérios de identificação e, não, das designações que são utilizadas para nomeá-los.

Assim, os critérios de reconhecimento coletivo fazem-se produzir na forma de usos e costumes dos sujeitos sociais, seja em relação à dependência e à simbiose com a natureza, de onde retiram o seu sustento, seja em função do conhecimento adquirido e transmitido de geração em geração pela oralidade. Nesse contexto, especial relevância recebe o “território dos pescadores”. Conforme o professor Renato Cardoso: “os territórios pesqueiros são construídos pelos pescadores a partir do trabalho e da apropriação da natureza, territórios que podem ser delimitados, mesmo na fluidez do meio aquático e sobre os quais pescadores exercem algum domínio”.

Essa compreensão foi assimilada pelos Decretos federais 5051/2003 e 6040/2007 que reconhecem não apenas os direitos das comunidades tradicionais de se “autodefinirem” como identidades coletivas, como garantem o seu direito sobre os “territórios”, identificados como “espaços necessários à reprodução cultural, social e econômica, utilizados de forma permanente ou temporária”. Nesse sentido, cabe ressaltar que o chamado “tradicional” antes de aparecer como uma referência histórica do passado apresenta-se como reivindicação contemporânea sob a forma de construção social e política real, intermediada pela mobilização social que constrói e reconstrói a identidade da comunidade, seus atos de solidariedade e suas percepções sobre os conflitos.

 No caso dos pescadores do Bairro do Jaraguá, será a Associação dos Moradores e Amigos do Jaraguá (AMAJAR) a legítima representante daqueles interesses que foram garantidos pela norma. Será ela que desejará “ser ouvida” na situação do conflito atual sobre os direitos dos pescadores-moradores, e, principalmente, mobilizará a reivindicação social e política em torno dos interesses de permanência, invocando o direito do art. 109 do Plano Diretor de Maceió, com o objetivo de garantir a posse da área em que habitam.

Por fim, é de se concluir que os resultados mais ou menos eficazes dos usos dos instrumentos jurídicos e políticos aplicados aos pescadores artesanais do Jaraguá dependem, além da mobilização social em disputa, também da demonstração sobre os limites teóricos e operacionais impostos pelo próprio Poder Público Municipal, quando se trata de garantir a pluralidade cultural e o direito à diferença.


 

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