Urbanism. Law. Capitalism
Alessandra Marchioni é professora na Faculdade
de Direito na Universidade Federal de Alagoas e coordenadora do Núcleo de
Estudos e Pesquisas em Direito Internacional e Meio Ambiente –Nedima.
Atualmente realiza estudos na área ambiental e urbanística e escreve sobre a
efetividade de normas internacionais em relação às minorias étnicas e grupos
sociais.
Da
invisibilidade para a existência coletiva
Nas
últimas décadas, diversos grupos sociais portadores de identidade coletiva vêm
buscando garantir o seu autoreconhecimento, e, a partir disso, reivindicar seus
direitos, incluindo a afirmação de sua territorialidade. Esse é o caso dos
pecadores artesanais do Bairro do Jaraguá cujos critérios de identidade superam
a noção de pescador artesanal individual, compreendendo o próprio conteúdo
familiar e de vizinhança, num todo coletivo expresso, por exemplo, na forma de
apropriação e gestão do espaço natural em que pescam e habitam. Segundo dados
do Ministério da Pesca e Aquicultura de 2010, a pesca artesanal é atividade
produtiva geradora de renda para mais de 600 mil pessoas em todo o Brasil. Em
Maceió, capital do estado de Alagoas essa atividade possibilita a subsistência
direta de 300 famílias, somente na “Vila dos Pescadores de Jaraguá” que têm
como principal atividade econômica a atividade pesqueira e sua cadeia produtiva
(pescador, marisqueira, pombeiro e comerciante).
A
pesca artesanal por muito tempo permaneceu sem proteção jurídica específica no
Brasil, sendo definida apenas em 2003, com a Lei 10.779, que regulamentou o seguro
desemprego ao pescador artesanal. Até então, eram considerados pescadores
unicamente os trabalhadores envolvidos no pescado, conforme dispunha o Código
de Pesca de 1967. A Lei de 2003 inovou ao estabelecer um Registro Geral de
Pesca que possibilitou a comprovação da atividade e o usufruto de vantagens
asseguradas ao trabalhador comum, como a aposentadoria em menor tempo de
contribuição, seguro desemprego em período de defeso e o auxílio doença.
Mais
tarde, a Lei 11.959/2009 buscou equiparar os pescadores artesanais aos
profissionais de toda a cadeia produtiva, desde os produtores de petrechos até
os beneficiadores. Segundo as pesquisadoras Vera da Silva e Maria do Rosário
Leitão, se a nova lei veio a beneficiar os pescadores artesanais com alguma
regulação, deixou a desejar na elaboração de um conceito preciso sobre a
própria atividade da pesca, pois, segundo o art. 8 da Lei, a pesca artesanal é
a atividade realizada em regime de economia familiar, cuja noção não se
encontra explicitada na lei, realizada por meio de embarcações de pequeno
porte, igualmente não definidas como tais.
Ao
mesmo tempo, há dúvidas com relação à abrangência dos direitos trabalhistas e
previdenciários instituídos, já que não há formulação clara, apenas para fins
de solicitação de crédito rural e financiamento. Além dessa abordagem de
caráter imediato, que concerne à fonte de recursos econômicos e à própria
manutenção do pescador, sua família e da comunidade, há de se mencionar o fato
de que a atividade da pesca artesanal é responsável pela identidade e pela
manutenção de vínculos humanos e culturais entre essas pessoas. Então, de nada
adianta a elaboração de leis e a previsão de políticas públicas, sem que se
considere a existência de um grupo social a partir de sua autodefinição, porque
tomada desde seus próprios critérios de identificação e, não, das designações
que são utilizadas para nomeá-los.
Assim,
os critérios de reconhecimento coletivo fazem-se produzir na forma de usos e
costumes dos sujeitos sociais, seja em relação à dependência e à simbiose com a
natureza, de onde retiram o seu sustento, seja em função do conhecimento
adquirido e transmitido de geração em geração pela oralidade. Nesse contexto,
especial relevância recebe o “território dos pescadores”. Conforme o professor
Renato Cardoso: “os territórios pesqueiros são construídos pelos pescadores a
partir do trabalho e da apropriação da natureza, territórios que podem ser
delimitados, mesmo na fluidez do meio aquático e sobre os quais pescadores
exercem algum domínio”.
Essa
compreensão foi assimilada pelos Decretos federais 5051/2003 e 6040/2007 que
reconhecem não apenas os direitos das comunidades tradicionais de se
“autodefinirem” como identidades coletivas, como garantem o seu direito sobre
os “territórios”,
identificados como “espaços necessários à reprodução cultural, social e
econômica, utilizados de forma permanente ou temporária”. Nesse sentido, cabe ressaltar
que o chamado “tradicional” antes de aparecer como uma referência histórica do
passado apresenta-se como reivindicação contemporânea sob a forma de construção
social e política real, intermediada pela mobilização social que constrói e
reconstrói a identidade da comunidade, seus atos de solidariedade e suas
percepções sobre os conflitos.
No caso dos pescadores do Bairro do Jaraguá,
será a Associação dos Moradores e Amigos do Jaraguá (AMAJAR) a legítima
representante daqueles interesses que foram garantidos pela norma. Será ela que
desejará “ser ouvida” na situação do conflito atual sobre os direitos dos
pescadores-moradores, e, principalmente, mobilizará a reivindicação social e
política em torno dos interesses de permanência, invocando o direito do art.
109 do Plano Diretor de Maceió, com o objetivo de garantir a posse da área em
que habitam.
Por
fim, é de se concluir que os resultados mais ou menos eficazes dos usos dos
instrumentos jurídicos e políticos aplicados aos pescadores artesanais do
Jaraguá dependem, além da mobilização social em disputa, também da demonstração
sobre os limites teóricos e operacionais impostos pelo próprio Poder Público
Municipal, quando se trata de garantir a pluralidade cultural e o direito à
diferença.
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