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sexta-feira, 26 de junho de 2015

PIMENTEL, Karen Daniele de Araújo. Violência, medo e a segregação do espaço

ESTE MATERIAL FOI PUBLICADO EM CAMPUS, SUPLEMENTO DE O DIA, Nº 121

Violencia, el miedo y la segregación
Violance, la peur et la ségregation
La violenza, la paura e la segregazione
Violence, fear and segregation


 


 Karen Daniele de Araújo Pimentel, estudante de Direito da Faculdade de Direito de Alagoas (UFAL), é membro do Núcleo de Estudos em Direito Internacional e Meio Ambiente (NEDIMA) e coordenadora-geral do Centro Acadêmico Guedes de Miranda (CAGM), entidade representativa dos estudantes de Direito da UFAL.






 Violência, Medo e a Segregação do Espaço

O Mapa da Violência de 2014 afirma: em Maceió, há 90 homicídios para cada 100 mil habitantes, índice que a coloca em primeiro lugar entre as capitais brasileiras quanto à taxa de homicídio. Em dez anos (2002-2012), o número de homicídios subiu de 511 para 858, e quando se trata da população jovem, o número é ainda mais alarmante: Maceió é a única entre as capitais nordestinas que ultrapassa o número de 200 mortes de jovens a cada 100 mil habitantes, apenas em 2012 foram 218 jovens mortos. Os dados mais atualizados da violência na capital são da Secretaria de Defesa Social, através do seu Boletim Mensal da Estatística Criminal de Alagoas. Os números podem não mais surpreender aqueles que já conhecem a realidade do estado, mas acendem um sinal de alerta: apenas nos três primeiros meses de 2015, foram 510 crimes violentos letais e intencionais registrados, o que dá uma média de seis crimes violentos por dia.


 Os dados não deixam dúvidas de que a violência é um problema endêmico na sociedade alagoana, com destaque para a capital, Maceió. Isso porque é nos centros urbanos em que vivem em constante conflito as mais diversas contradições, as desigualdades mostram-se à carne crua, como uma ferida aberta e não há quem não enxergue os abismos sociais encontrados a cada esquina. Apesar das estatísticas servirem para uma análise científica da situação da violência em Alagoas, para a população não é preciso falar em números ou percentuais, o espectro do medo da convivência urbana paira sobre o cotidiano de todos. 

Basta prestar atenção às conversas nos ônibus, nas ruas do centro, dos comerciantes com os clientes dentro das lojas e, principalmente, na mesa de almoço das famílias alagoanas. O que se repete cotidianamente são os relatos de crimes, de como está cada vez mais difícil viver em tranquilidade e criar os filhos numa sociedade violenta como essa. Além disso, é justamente no horário de descanso entre a primeira e a segunda jornada de trabalho que os televisores das famílias estão sintonizados para saber o que de novo acontece na cidade. E, mais uma vez, uma enxurrada de notícias de crimes, reportagens expondo a dor de famílias e escrachando possíveis suspeitos publicamente invadem as casas, reforçando o ideário do medo entre as pessoas. A antropóloga Teresa Caldeira, da USP, chama esse processo de “fala do medo”. 
É essa fala do medo que faz com que as pessoas procurem se proteger e, especialmente, proteger seu círculo de relações sociais. Assim, essa fala produz dois efeitos principais nas sociedades contemporâneas: legitima a segregação espacial e reproduz o discurso do medo, retroalimentando o processo de fragmentação da cidade através da suposta proteção trazida por esse processo. 
Mas não são apenas esses dois efeitos produzidos pela fala do medo. Além de legitimar a segregação através da reprodução do medo, ela ainda contribui de forma decisiva para que se construam conceitos sociais (não jurídicos) do que é considerado crime e de quem é o criminoso, traçando um perfil de inimigos da sociedade, estes que, não casualmente, são pertencentes aos mesmos grupos sociais – marginalizados e sem acesso aos direitos sociais básicos.
Dessa maneira, a fala do medo é tão fortemente intrincada ao modo como se vive hoje nas cidades, que o comportamento das famílias muda, o modo como se organiza a vida diária muda, a ideia de ordenamento do mundo passa a ser outro. A ordem agora pressupõe um mundo em que se mantenha a maior distância possível da violência. E, como pressuposto para que isso aconteça, um mundo em que não se tenha contato com “o criminoso”, aquele que é o retrato do inimigo da sociedade forjado pelo discurso do medo – e também do ódio – veiculado pelas grandes redes de comunicação ou apenas pelas conversas com os colegas do bairro. 

Na esteira de outros centros urbanos brasileiros, Maceió também é palco desse fenômeno. Com o anseio de se proteger, a população então recorre às mais diversas estratégias para se afastar da violência, utilizando das mais altas tecnologias à disposição ou simplesmente de um dos equipamentos urbanos de proteção mais tradicionais: a construção de muros. 

Muros de todos os tamanhos, formas, cores, apetrechos de alta tecnologia para aumentar seu potencial de proteção. Muros construídos por iniciativa dos particulares, por empresas ou pelas mãos do Estado. Muros construídos voluntariamente, num processo de autossegregação – são protagonistas desse processo os condomínios fechados –; ou, construídos de forma impositiva pelo Estado, movido pela classe social mais influente, que, utilizando-se da fala do medo para legitimar seus interesses, remove grupos e constrói muros, retirando de vista aquilo que não lhes agrada e nem às suas contas bancárias. 

Conter o avanço do discurso do medo é tarefa difícil, principalmente no cenário demonstrado pelos dados da violência em Alagoas. É preciso enfrentar o problema da segurança pública como um dos efeitos da forma como é organizada a sociedade de classes. Ir à raiz do problema é essencial para entender como esses processos ocorrem. Entretanto, cruzar os braços frente à segregação espacial, motivada por motivos socioeconômicos, não é a melhor opção. Conhecer a realidade de Alagoas é o primeiro passo – e fundamental – para o enfrentamento da situação em que vive a população.
 


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