Este material foi publicado em Campus/O Dia
O papel
extrajudicial e preventivo do Ministério Público diante da prática de atos
ilícitos
Alexandra Beurlen
Titular da 11a Promotoria de Justiça da Capital
e Mestre em Direito
Eduardo Bastos |
Para além
da propositura da ação penal, o Ministério Público brasileiro, desde a
Constituição Federal de 1988, ganhou um papel especial no quadro de garantias
de direitos dos cidadãos. Passou a ser “instituição permanente, essencial à
função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do
regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (art. 127, caput, da CF).
Passaria
então a haver uma contradição entre o conhecido papel de autor da ação penal,
perseguidor de criminosos, e de defesa desses direitos? Claro que não! Na ação
penal, o Ministério Público defende o interesse da sociedade em punir e
recuperar aquele cidadão que apresentou uma conduta desviante, mas isso não o
impede de cumprir seu dever de garantir, a esse mesmo indivíduo, que lhe sejam
assegurados os direitos que não perdeu com a prática delitiva.
Uma forma
de atuação consensual entre os papeis institucionais do Ministério Público
ganha relevo com a consciência que toma o Promotor dos fatores que influenciam
na formação do criminoso. Passa o Ministério Público a ter a necessidade de
identificação (gerada com tal consciência) dos mecanismos existentes (ou não),
necessários e suficientes, à ressocialização e à prevenção da “formação” de
novos criminosos da mesma natureza.
Percebendo-se
causas socioeconômicas e culturais que levam o indivíduo a delinquir, é
indispensável ao Ministério Público, para o fiel desempenho de sua missão, que
provoque as autoridades responsáveis a prover a população com políticas
públicas aptas a impedir tais circunstâncias.
Observou-se,
por exemplo, que cerca de 70% dos autores de atos infracionais, em Maceió,
encontram-se fora da escola, por diversas e distintas causas de evasão.
Estendendo essa constatação local para a América Latina, estudo da Faculdade
Latino Americana de Ciências Sociais, apresentado em julho/2016, mostra que o
jovem com baixa escolaridade tem 6.500% mais chances de ser vítima de homicídio
que outro na mesma faixa etária, com boa escolaridade, comprovando que estar
fora da escola é um dado presente na violência cotidiana.
Pode-se
dizer que tal constatação impõe ao Ministério Público uma atuação (judicial ou
extrajudicial) que provoque os aparelhos estatais à adoção de medidas
necessárias e suficientes à prevenção/redução da violência, através do combate
à evasão escolar.
Como
exemplo dessa “preocupação” constitucional do Ministério Público, ainda não tão
conhecida da sociedade, gerando atuação extrajudicial relevante, tem-se o Fórum
de prevenção e combate ao uso de álcool, tabaco e outras drogas por crianças,
adolescentes, gestantes e nutrizes, formado em abril de 2016 em Maceió. É
que, dentre as causas de evasão escolar que se destacaram na vida dos autores
de atos infracionais na cidade, estão o uso de entorpecentes e a insegurança
gerada nos arredores das escolas pela presença do traficante de drogas.[1]
Movido por
esses dados concretos, o Ministério Público, no exercício de suas atribuições
constitucionais, provocou a formação de Fóruns de Prevenção e Combate ao uso de
substâncias psicoativas por crianças e adolescentes (entre outros), através de
Promotorias distintas, que permitisse observar o problema sob a perspectiva
multidisciplinar[2].
Trazer o
uso e o comércio de álcool, tabaco e outras drogas para a mesa de discussão
entre sociedade civil e os poderes e instituições do estado, identificando-se
fatores que impulsionam crianças e adolescentes, cada dia mais cedo, ao consumo
de tais substâncias, é papel primordial do Fórum, para que se possa propor ao
Poder Público, através das esferas correspondentes de atribuição, a elaboração
de políticas públicas adequadas a evitar tal doença e a prática delitiva.
Em Maceió,
nas reuniões do Fórum, já se percebeu que a carência de vagas na educação e em
creches, em horário integral, próximas às residências dos adolescentes, é um
fator que impulsiona os jovens, cada dia mais cedo, para as ruas e o convívio
com todas as formas de violações e violência, vez que seus familiares se
ausentam de casa para prover o sustento de sua família e deixam crianças e
adolescentes sós. A carência de vagas nas escolas levando para o tráfico e uso
de psicoativos, que, por sua vez, fomenta a evasão escolar e a prática do
ilícito.
Pensar em
possibilidades de enfrentamento dos graves problemas sociais, gerando demandas
para os órgãos competentes, é a atribuição do Ministério Público que se
pretendeu evidenciar. Tão fora da esfera repressiva e reconhecida pela
população, mas dentro do grandioso universo que seu papel constitucional de
defesa dos direitos fundamentais oferece.
[1]
Esta também é uma percepção de Promotores de Justiça da Infância em muitos
estados da Federação.
[2]Iniciativa
já adotada em vários estados da federação, como SP e RS, por exemplo
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