Dois dedos de prosa
Mais uma Roda de Conversa acontece e desta feita
teve a Professora Karla Padilha como Coordenadora. Coloca em destaque a problemática da droga perante o
poder. Ao ver de Campus, estamos diante
de uma problemática que ocorre e se desenvolve no contexto das relações que se
montam numa sociedade excludente, numa
política violenta e numa economia que favorece ao empobrecimento. Fora disto, e
portanto descontextualizando, tudo se perde no vácuo promovido pela ausência da
questão do poder.
Campus sente-se honrado por publicar parte das reflexões que foram
produzidas e agradece à Karla Padilha,
Alexandra Beurlen, Cléssio Moura de Souza, Ryldson Martins, estudiosos da questão e atuantes
profissionais em suas respectivas áreas.
Agradecemos a Eduardo Bastos
Outros números decorrerão destas atividades em torno do projeto de um
livro.
Vamos ler
Um abraço
Sávio
AS DROGAS SOB
PERSPECTIVAS INSTITUCIONAIS - diferentes
visões de um mesmo problema
Karla Padilha
Doutoranda em Direito e
Promotora Pública da Capital
Dentro da ideia de se estudar e debater uma questão que se apresenta como
alarmante em território alagoano, inicia-se uma série de RODAS DE
CONVERSAS, a fim de melhor aprofundar o
tema e investigar diversas perspectivas que possam apontar para saídas e
caminhos possíveis para enfrentamento do problema.
A primeira delas teve como facilitadora ALEXANDRA BEURLEN, Promotora de
Justiça Titular da Promotoria da Infância e da Juventude da Capital, atualmente
com atuação nas investigações sociais de atos infracionais praticados por
adolescentes em conflito com a lei. Além de membro do Ministério Público, Alexandra
é mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco e possui livro
publicado sobre o direito à alimentação adequada, tendo se mostrado
extremamente sensível às causas que traduzem a defesa dos direitos fundamentais
da pessoa humana.
Sua atual experiência profissional faz de Alexandra uma profunda
conhecedora dos efeitos deletérios que o acesso à droga traz para a geração de
crianças e adolescentes em nosso Estado, o que a tem feito ajuizar inúmeras
ações civis púbicas visando garantir o que o Estatuto da Criança e do
Adolescente preconiza, no que diz respeito a um tratamento preferencial da
pessoa em formação, sobretudo quando se encontra em situação de vulnerabilidade
social e econômica.
Sob esse viés, o assunto foi debatido também por outros juristas, a partir
das lentes e das vivências profissionais de cada participante, fazendo brotar
uma discussão rica em argumentos, ideias e proposições. Alexandra Beurlen optou
por tratar da relação do tráfico de drogas com a prática de atos infracionais.
Invocou também a questão de se perscrutar o porquê das classes sociais mais
elevadas não levarem seus conflitos para o poder público. Ressaltou o ideário
do ECA fundado na intervenção mínima do Estado. Na prática, reconhece que a
intervenção do Estado dá-se nas classes sociais menos favorecidas.
Do universo de adolescentes conduzidos pela força policial a sua presença
pode observar que cada um, não raro, traz consigo histórico de dramas
familiares, que passam pelo abandono, prisão, morte e outras problemáticas
comuns nas classes mais pobres. Entretanto, destaca que tais dramas não
constituem fator determinante para justificar a opção pela droga, já que são
conjugados com outras concausas individuais, como a personalidade de cada um,
conforme estudos psicossociais sobre o assunto.
Chama a atenção para um discurso que reflete uma visão socialista e que
estaria sendo inadequadamente apropriado, em que o Estado aparece como opressor
e o criminoso, como oprimido. Muitas vezes, segundo Alexandra, o adolescente não
se consegue perceber como protagonista da própria história. Outro aspecto para
o qual chama a atenção é o de que o adolescente infrator, em regra, está fora
da escola havendo, assim, uma relação importante entre ato infracional e evasão
escolar. Outro traço marcante que carregam os adolescentes em conflito com a
lei é pertencer a famílias monoparentais ou matriarcais.
Ressente-se Alexandra de uma intervenção precoce na criança que
posteriormente passa a cometer atos ilícitos. Reconhece as deficiências das
unidades de internamento e a sua atual incapacidade para recuperar os que lá
estão. Nas intervenções que se seguiram, o Defensor Público RYLDSON MARTINS
destacou o perigo da discricionariedade feita pela polícia e que pode vir a
interferir na opinio delicti do
Ministério Público, no que se refere à separação entre quem é usuário e quem é
traficante.
Alexandra refutou, alegando que, para ela, tal prévia seleção não exerce
qualquer influência, já que avalia cada caso de acordo com a narrativa
detalhada contida no flagrante. Ryldson aponta para uma tendência de que os
membros das classes altas sejam identificados como usuários e os mais pobres,
como traficantes. Também chama a atenção para a necessidade de que se estude o
que de fato leva os adolescentes a praticarem atos infracionais. Registra ainda
Ryldson que a droga seria uma espécie de “pivô” de muitos outros delitos. Além
do tráfico, destaca os crimes contra a patrimônio e contra a vida.
Aponta para o uso de creches e escolas em tempo integral como uma
alternativa preventiva para o problema. Micheline Tenório, Promotora da Saúde,
também participou do evento, destacando os efeitos deletérios que a droga
produz, inclusive nos filhos de mulheres que fazem uso frequente de substâncias
entorpecentes: muitas vezes, tais crianças sofrem de crises de abstinência, em
face do vício de suas mães.
Cléssio Souza, doutorando na Alemanha e que se dedica ao tema, destaca a
importância de que seja dado um recorte no tema, optando por uma visão macro ou
micro de abordagem, enfatizando que o acadêmico não possui o dever de oferecer
soluções prontas para quaisquer problemas, havendo, sim, que selecionar uma
forma de enfrentar o objeto de estudo, sabendo-se que uma visão micro parece
chegar mais perto da ideia de exaurimento e categorização do que se aborda. Já
o professor Sávio Almeida entende ser difícil consertar problemas que vêm de
uma sociedade extremamente injusta. Como visto, o debate foi rico,
multifacetado. E que os leitores possam colher da escrita de cada autor novas
luzes para abordagem de tema tão polêmico e instigante.
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