Translation

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

BASTOS, Eduardo. A cidade em aquarela

Este material foi publicado originalmente em Campus, suplemento do jornal O Dia,  semanário editado em  Maceió, Alagoas.

la ciudad de Maceió: Acuarelas,
la città di Maceió: Acquerelli
la ville de Maceió: Aquarelles
the city of maceió: Watercolors 



Eduardo Henrique Omena Bastos, 1961. Arquiteto e Urbanista pela UFAL. Pós-graduação em Design Estratégico e professor do curso de Design de Interiores do IFAL.








Dois dedos de prosa

Existem diversas formas de demonstrar o amor por determinado lugar e um deles, sem sombra de dúvida, é retratá-lo, e ter  a sensibilidade de ver seus pedaços, reproduzir e (re)anunciar a vida que existe.
É deste modo, que Eduardo se fez um cronista de Maceió e lega, para o futuro, a beleza do que consegue ver e reproduzir.
Hoje, você verá dez pedaços de Maceió que valem por uma Alagoas inteira.
Vamos ver o que Eduardo produziu.
Agradecemos a gentileza que ele  teve para conosco.
Um  abraço
Sávio


TRAÇANDO MEMÓRIAS



Eduardo Henrique Omena Bastos
Igreja dos Martírios

O desenho é uma paixão antiga. Comecei a desenhar muito cedo, como toda criança. Tudo servia de suporte: papéis livros, revistas até o chão e as paredes de casa - para o desespero de minha avó! Lembro que quando frequentava à escola primária no saudoso Colégio Sagrada Família, havia dois irmãos gêmeos, que estudavam comigo, cujo pai era desenhista profissional e fazia cartazes para divulgação de filmes de faroeste. Ficava fascinado com a habilidade dos irmãos desenhando e tentava imitá-los, mas sempre que comparava meus desenhos com os deles, me frustrava, mas, também havia a esperança que poderia melhorar meus rabiscos se continuasse praticando.



Edf. da Perverança, Rua do Sol
 Minha mãe foi minha grande incentivadora, quando terminava um desenho, ela fazia uma cara de espanto, logo após abria um sorriso e saía sempre com um elogio: ”Esse menino é um artista!” Colecionava tudo que fazia numa pasta e muita vez desenhava só pra ver o seu sorriso e a sua felicidade. Ela realmente era muito prendada: desenhava, fazia crochê, flores, tocava acordeom e tinha uma caligrafia maravilhosa. Cresci acreditando nisso, que era realmente um artista e tempos depois comecei minha incursão nas cores, ela havia me presenteado com tela, pinceis e tintas. Estava sempre rabiscando e minha fonte de inspiração era a enciclopédia “CONHECER”, que minha mãe colecionava em fascículos vendidos na banca do sr. Ronaldo na praça D. Pedro II (Catedral), além de personagens de faroeste e gibis.
Igreja do Rosário, Rua do Sol
 Foi o desenho que me aproximou da Arquitetura. Antes sonhava em ser engenheiro, achava que tinha o perfil por gostar de matemática e desenho. Então, numa dessas reviravoltas da vida, às vésperas do vestibular, chegou a Maceió um irmão que é engenheiro e trabalhava em Manaus. Em uma bela manhã de domingo, na praia de Ipioca, conversando e caminhando a beira mar, ele me questionou por que não fazia o curso de Arquitetura, já que gostava tanto de desenhar? Nunca havia passado pela cabeça essa possibilidade, até porque não sabia direito o que era. Comecei a ficar curioso e no outro dia, lá estava eu visitando o Centro de Tecnologia da UFAL, onde funcionava o curso de Arquitetura e Urbanismo.
Residência no Farol
 Foi amor à primeira vista! Quando adentrei as salas do curso, fiquei encantado com tantas pranchetas verdes. Pensei: “Arquiteto só desenha, é aqui que quero ficar!” Entrei no curso em março de 1982 e a partir daí, o desenho tomou outras proporções na minha vida além de aumentar meu fascínio pelo ofício de arquiteto. Percebi quanto somos importantes para o mundo e nosso compromisso social com a cidade e o país, vai muito além da prancheta.


A Arte de desenhar não é privilégio de alguns poucos seres humanos iluminados por uma deidade. O desenho, para o arquiteto e o designer é a sua segunda língua. A comunicação verbal, muitas vezes torna-se imprecisa quando desassociada da comunicação gráfica. No livro:” Caminhos da Arquitetura”, o grande arquiteto Vilanova Artigas em um capítulo que aborda o Desenho, diz:” Para desenhar é preciso ter talento, ter imaginação, ter vocação. Nada mais falso. Desenho é linguagem também e enquanto linguagem é acessível a todos.” A popularização das mídias digitais no início dos anos 80 chegou com o conceito que a tecnologia poderia substituir o traço. Não é bem assim! Mas, não é minha intenção polemizar nesse texto. No processo de criação de um projeto arquitetônico, há várias etapas. Os programas midiáticos que auxiliam nessa elaboração, são indispensáveis, visto que as novas tecnologias estão cada vez mais presentes no nosso cotidiano, além de viabilizar tempo e esforços. 

Igrejinha de São Gonçalo
 Vejo o desenho manual como a ferramenta primeira do processo criativo, tornando-se um método partícipe na formulação, restruturação e desencadeamento de ideias. O traço é mais rápido, acompanha o pensamento e não exige suportes especiais... Quantas ideias geniais surgiram num guardanapo? Digo, me apoiando em Stroeter: “...o arquiteto pensa desenhando, sente desenhando, desenha sentindo, descobre desenhando, desenha descobrindo, constrói desenhando. Molda as ideias no papel. O desenho é, em essência a linguagem que usa consigo próprio ao projetar.” A inspiração, ou “insight” quando “chega”, na maioria das vezes, é fruto de um processo racional angustiante e é muito volátil. A ideia, se não registrada, vai embora e aí, nesse momento que o analógico entra em cena, até porque não é todo instante que temos um computador ao nosso lado, já plugado e acessível. Penso que o desenho jamais será substituído pelo computador e será sempre indispensável. Grandes estrelas do cenário da Arquitetura mundial: Norman Foster, Santiago Calatrava, Frank Gehry, entre outros, se apropriam do desenho na fase conceptiva do projeto. As renderizações, por mais fotográficas que pareçam, não substituirão o prazer de riscar e traquinar com o lápis e o papel. Quero dizer algo que considero muito importante, na Arquitetura o desenho não é um fim em si mesmo – pode até ser quando meramente decorativo, seja ele manual ou digital – ambos se complementam. O desenho é uma forma de representação, não é Arquitetura!  É o meio pelo qual a Arquitetura se manifesta, como a música através da partitura. Não se vivencia o espaço (espacialidade) através do desenho, mas ele tem sua serventia como representação de ideias, objetivando fazer uma boa Arquitetura, mais humana e sustentável.

Museu Theo Brandão
 Quando terminei o curso de Arquitetura em 1986, comecei a trabalhar com projetos e construções. Envolvi-me em trabalhos (projetos) onde várias atividades humanas eram desenvolvidas: residencial, comercial, clinicas, laboratórios, escolas, igrejas, institucionais, praças e mobiliário urbano. Nos tempos de “vacas magras”, ganhava a vida como “perspectiveiro” nos escritórios de arquitetura. Mas, não me limitei apenas aos desenhos de prancheta, gostava de desenhar ao ar livre (plein air). Havia um desejo antigo, que remontava ao início do curso de Arquitetura, quando a professora da disciplina “Desenho I”, levou toda turma desenhar a Igrejinha de São Gonçalo no bairro do farol. Esse desejo (desígnio) de desenhar os edifícios antigos de Maceió ficou durante muito tempo “hibernando”. 
 
Museu Pierre Chalita
Até que em certo momento, através das redes sociais, fiz contato com diversos grupos de “Sketchcrawl” - eventos promovidos por desenhistas urbanos em todo o mundo, que saem às ruas a desenhar a cidade e seus monumentos, pessoas, árvores ou qualquer coisa que faça parte do contexto urbano.Aqui no Brasil, esse movimento é muito forte nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador. Outro grupo que despertou ainda mais meu interesse pelos prédios históricos – não poderia deixar de citá-lo, para não incorrer numa injustiça, foi o “Maceió Antigo”, através dos comentários, postagens e curiosidades publicadas, comecei a me entusiasmar mais pela história da minha cidade.

Movido pelo interesse de desenhar os edifícios históricos, comecei a perambular pelo centro de Maceió, normalmente aos domingos à tarde, quando há menos movimento na cidade. Atentei para as fachadas de prédios antigos, maculadas por marquises metálicas e uma profusão de letreiros e cores ali colocados sem nenhum  cuidado ou compromisso com a sua história e o seu estilo arquitetônico. Edifícios que foram vítimas da desinformação dos comerciantes e descaso dos órgãos públicos durante décadas. 

Capela do Cemitério de São José

Vi um centro histórico depauperado e fétido, muito diferente daquele que ia com meus pais passear quando criança. Imaginei que poderia registrar o descaso através do desenho. Alguns edifícios parece que pediam para serem notados, poderia ser uma maneira de denunciar os maus tratos. O grande dramaturgo poeta Oscar Wilde, disse certa vez que: “Não havia neblina em Londres antes de Whistler começar a pintá-la.” Talvez quisesse dizer que a Arte tem esse poder de tornar as coisas mais estimulantes. 
Casa da Palavra
  A observação direta e consciente de cada edifício que me propunha desenhar, me desperta para a beleza e exuberância dos belíssimos detalhes arquitetônicos de suas fachadas. Maceió ainda é uma cidade muito rica em edificações de valor histórico e alguns exemplares podem ainda ser muito bem restaurados. Temo que um dia toda essa beleza possa desaparecer, são poucos prédios que conservam suas perspectivas originais, beneficiados pelas leis de preservação. Meu trabalho busca resgatar essa memória que aos poucos estamos perdendo, alguns edifícios belíssimos, em Jaraguá, por exemplo, estão agonizando com lixo acumulando em seu interior e entorno e ponto de encontro de miseráveis. É um grito de socorro contra a mutilação, desprezo, desrespeito e demolição de um patrimônio que ainda resiste para contar a nossa história. 
Igreja do Livramento


sexta-feira, 21 de agosto de 2015

OLIVEIRA, Aldjane. A ESCOLA COMO ESPAÇO DE FRONTEIRA INTERÉTNICA: UMA ANÁLISE ENTRE OS WASSÚ QUE ESTUDAM NA CIDADE

Este material foi publicado originalmente em Campus, suplemento do jornal O Dia, Maceió, Alagoas







Aldjane de Oliveira, natural de Joaquim Gomes–AL. Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Alagoas- UFAL, pós-graduada em Gestão Educacional pelo CEAP, Especialista em Antropologia pela UFAL e Mestranda em Antropologia pela UFS. É professora de Sociologia no nível médio. É vice-presidente da ONG Casa de Cultura Cidadã Urucum- CACCUM, que atua no município de Joaquim Gomes- AL.


A ESCOLA COMO ESPAÇO DE FRONTEIRA INTERÉTNICA: UMA ANÁLISE ENTRE OS WASSÚ QUE ESTUDAM NA CIDADE

Este artigo, o segundo a ser publicado neste suplemento cultural é  fruto de uma  análise de parte da minha monografia desenvolvida durante o curso de Especialização em Antropologia realizado junto a UFAL, que teve como título: Identidade étnica, trajetórias e percepções de estudantes wassú: a partir da escola não-indígena de Joaquim Gomes-AL.”
Como forma de contextualização, esclareço que o povo Wassú encontra-se localizado na zona da mata alagoana, na área rural do municipio de Joaquim Gomes, seu território é cortado pela BR 101 e possui uma população com  2.037 pessoas, segundo a Administração Regional  da FUNASA- Maceió (2010). Tal pesquisa foi realizada na Escola Estadual Mário Gomes de Barros, localizada na área urbana da referida cidade, onde foram entrevistados alunos wassú, entre 14 e 18 anos, durante o ano letivo de 2013/2014.
Pretendemos aqui analisar, principalmente, a escola como um espaço de fronteira interétnica e suas implicações para a construção da identidade étnica entre os estudantes wassu que estudam na escola não indígena. Este conceito pego emprestado de  Tassinari(2001), ela trata da escola indígena  enquanto espaço de fronteira, no caso do presente artigo, consideramos a escola não-indígena como espaço de fronteira interétnica, visando a análise da presença dos wassú na escola não-indígena de nível médio.

Turma do 1º ano, 2013-201

Escola como espaço de fronteira interétnica

O que seria  identidade étnica ou etnicidade? Valho-me da explicação de Barth para embasar minhas colocações, onde para ele a sustentação formativa dos grupos étnios dar-se por meio das diferenças culturais e não nos seus conteúdos em sí. Ou seja, é no espaço de contato com a alteridade, que emergem os de marcadores de diferenciação, gerando assim espaço/ambiente propício para as afirmações identitárias étnicas ou mesmo para seu silenciamento da mesma.
Entendo que a escola é um espaço-ambiente de experiências, é um espaço de fronteiras interétnicas, onde vivenciar a alteridade traz percepções ao sujeito, sobre as diferenças existentes entre  os grupos culturais distintos. Como exemplo de utilização ou percepção teórica da escola, enquanto fronteira interétnica, temos o trabalho de Tassinari(2001), intitulado  Escola indígena: novos horizontes teóricos, novas fronteiras de educação.
 Penso, também, a escola como um espaço de trânsito e de redefinições ou ajustes identitários, visto que neste ponto tratamos sobre os contextos e situações nos ambiente escolares, onde estão em jogo as relações sociais e o contato com a alteridade que influencia na construção dos processos identitários, visando compreender os processos de ressignificação da identidade étnica entre os estudantes wassú.
Portanto, apesar de os estudantes wassú ora afirmarem, ora omitirem sua indianiedade, com uma lógica de convívio social fora da aldeia e receio de sofrer discriminação; eles têm consciência de pertencerem a um grupo étnico, têm noção das especificidades de sua cultura (digo isto, com base nas entrevistas feita junto aos estudantes wassú que já frequentaram a Escola Indígena  e posteriormente frequentaram a Escola não-Indígena).
Poemos perceber e reafirmar a importância da Educação Escolar Indígena, por meio da Educação Diferenciada. Os estudantes construíram também a partir da escola indígena uma consciência de pertencimento étnico, conforme apontaram as entrevistas. A Educação Escolar Indígena torna-se importante, pois o fato de se pensar aquilo que é particularidades de cada comunidade indígena, necessidade, objetivos e assim desenvolver conteúdos e formas de aplicação de acordo com seu cotidiano e com seu projeto de futuro.
Esclarecendo que pelo fato de a escola aqui ser considerada como fronteira interétnica, não implica dizer que ela seja definidora dos grupos étnicos, mas num sentido em que, é um lugar de contato e de conflito entre grupos sociais e étnicos diferenciados, a escola também disputa com grande vantagem, no caso da escola não-indígena, a formação ideológica, cultural e comportamental do sujeito, no sentido de ser homogeneizadora dos que as frequentam.

Implementação da pluralidade cultural nas escolas:  lei 11.645/08
Contudo, questionamos se nas escolas não-indígenas, a exemplo da E. E. Mário Gomes de Barros, está sendo realizanda a “implementação” da temática de pluralidade ou diversidade cultural a partir das Leis 10.639/03 e 11.645/08, que implicam a obrigatoriedade das temáticas de história e cultura afro-brasileira e indígena, respectivamente, nos diferentes níveis escolares. Tais leis  e os Parâmetros Curriculares Nacionais- PCN’s dão suportes legais para se trabalhar dentro das escolas a questão da diversidade cultural.
Mas, há outros problemas: o (des)prepraro dos professores que estão atuando, falta de formação continuada,  escassez de materiais didáticos que abordem, de forma politicamente correta, tais temas, além  da falta de motivação nas atuais condições de trabalho e salários,  já que no ano de 2013 e início de 2014 a maioria dos professores da referida escola, assim como em todo o Estado de Alagoas, eram monitores, e têm que trabahar mais horas/aulas para complementarem suas rendas.  O que dificulta um melhor desempemho dos mesmos.
É importante a implementação de um currículo diferenciado, pois isto reflete diretamente na formação das novas gerações, principalmente daquelas que fazem parte de grupos sociais e étnicos ou minorias sociais. Mas também é importante para os jovens como um todo, terem esta formação ou informações, que se  trata ao implementar estas leis, que tenta-se apresentar as difenças, a diversidade e a necessidade do respeito ao “outro”.
Assim, Silva (2010), no artigo A temática Indígena no currículo escolar à luz da Lei 11.645/2008, trata, justamente, sobre a temática em questão, analisando a construção histórica destas conquistas legais, referentes à educação étnico-racial nas escolas de ensino básico e sua dificuldade de efetivação, ao afirmar: “Essa nova perspectiva de inclusão dos valores socioculturais e históricos indígenas, no cotidiano escolar, abre espaço para discutirmos as reais condições das relações e redes sociais que os povos indígenas estão inseridos” (SILVA, 2010, p.41).
Esta mesma autora afirma que “o currículo não deve ser uma reprodução cultural passiva, mas um campo que possibilite reflexões e contestações sobre modelos de sociedade existentes, para construirmos formas de transgredí-los” (Idem, p.41). Portanto, a escola deve contemplar a diversidade ou pluralidade étnico-racial, levando em consideração a realidade local e a história nacional. Será que num âmbito geral há, nesta lentidão do processo de efetivação da contemplação da diversidade cultural, uma negligência das políticas direcionadas à diversidade? A prática da referida lei, deve, não ensinar a tolerar o diferente, mas a conhecê-lo nas suas particularidades e a respeitá-lo.
Com base na etnografia e entrevistas realizadas, podemos dizer que a E.E. Mário Gomes de Barros, até o termino do ano letivo de 2013 – periodo de realização do trabalho de campo- não colocou em prática a lei 11.645/08, de forma coordenada e organizada como projeto ou prática de ensino naquela comunidade escolar. 

Preconceito na escola: “tem gente que se acha mais importante e não chega perto da gente que é índio”
Exponho neste tópico, as respostas dos estudantes wassú que nos fazem refletir sobre a noção de preconceito que os mesmos têm, como classificam as situações de afastamento ou inferiorização impostas pelos “outros”/ alunos da escola não-indígena. Adianto que, a partir da observação das entrevistas, os estudantes wassú, geralmente, não utilizam a palavra preconceito ou não definem como preconceito as situações descritas por eles, exceto quando são postos frente à análise de situações, ou seja, quando pergunto diretamente se tais situações não seriam manifestações de  preconceito. Mas há a recorrência da palavra “piadinhas” que tomo como sinônimo de de preconceito.
 Analisemos as respostas para a seguinte pergunta: Na escola da cidade você se sente diferente? Por quê? Em sua maioria, a princípio não entenderam a pergunta ou ficaram receosos em responder, talvez pelo fato de a pesquisadora fazer parte da escola como professora. As respostas foram as seguintes:
“Não... Sim, por que na escola tem mais pessoas que num é índio...”
“Aqui eu me sinto diferente um pouco dos outros... por que aqui tem uns melhores de vida... aí eu me sinto diferente. E eu sou índio e a maioria não é.”
“Não, eles me tratam bem, mas a minha cultura é diferente da deles.”
“Um pouco. Porque aqui ales ficam falando de quem mora no sítio ou nos terrenos... Porque quem mora na cidade é mais branquinho e a gente é mais escuro, ficam dizendo que a gente é de sítio... Aqui na cidade tem gente,  que é mais branca, que diz isso.”
Analisando estas falas, percebemos que os estudantes wassú apontam como principal percepção de diferença entre uma escola e outra, o fato de eles serem índios e os outros alunos da escola não serem. Mas para além disto, eles mencionam a questão da diferença cultural como na frase: “Não, eles me tratam bem, mas a minha cultura é diferente da deles.”, mostrando que sabem (a seu modo) da existência de culturas distintas e que coexistem ou apenas que há costumes (entendido como cultura) diferenciados entre eles e os outros. Apontam, também, para o preconceito sofrido pelo fato de que no local em que  moram, como sítio e terrenos (é o nome popular de um bairro mais afastado do centro da cidade).
 Destacam ainda a questão da cor, o que também é uma identificação de preconceito, como na frase: “porque quem mora na cidade é mais branquinho e a gente é mais escuro, ficam dizendo que a gente é de sítio... aqui na cidade tem gente  que é mais branca, que diz isso.”. Apontam, assim, para o fato de os mais brancos da cidade dizerem coisas que os incomodam sem que tenham, os estudantes wassú, uma ampla conciência de que isto pode denotar preconceito racial ou, no caso, étnico-racial.
Oracy Nogueira (2006), no trabalho Preconceito de marca e preconceito de origem,  apresenta a distinção do sentido que atribuímos ao preconceito, em comparação com o preconceito racial no Brasil e nos Estados Unidos. Assim constata-se que, mesmo entre os primeiros pesquisadores (brasileiros ou não) desta temática, acreditava-se ou concluía-se que no Brasil não havia o tal preconceito racial.
Quando, finalmente, se reconheceu a existência do preconceito racial no Brasil, o perceberam como preconceito de marca, ao passo  que, nos Estados Unidos se denomina preconceito de origem. Então, o que diferencia estes dois tipos de preconceitos seria que o de marca refere-se à cor acentuada, que fica visível aos primeiros olhares, já o de origem refere-se a própria origem, a ser descendentes de pessoas de cor mesmo que não se tenha pele escura ou negra.
Contudo, percebemos que isto é reflexo contextual de cada sociedade analisada, assim, a partir das respostas dos estudantes wassú, aqui problematizadas, vemos que o “preconceito”sofrido por eles, tratado neste tópico, refere-se para além da origem indígena, mas, para à tonalidade da cor de pele mais escura, o que os tornam mais “visados”, independentemente de sua indianidade.
Ainda sobre a mesma pergunta, obtivemos outras respostas tais como:
“Um pouco... Porque nem todos são índios, mas eu não tenho preconceito não, assim... porque a pessoa não é índio. Mas eu converso normal, eu não vou falar dela (da outra pessoa) sem ela falar de mim...”
“Um pouco diferente, tem gente que se acha mais importante e não chega perto da gente que é índio. Nesse ponto eu me sinto diferenciada dos outros... Aí fico na minha, penso que todos são iguais e  que ninguém é melhor que ninguém...”

Apresentação do Toré na escola

 Quando ouvi a primeira resposta questionei à Iracema: mesmo sem você ter preconceito com os “ outros” será que os “outros” não teriam preconceito com você? Ao que ela me responde:“pode ser que alguém tenha preconceito comigo porque ... aqui na aldeia a  gente tem pintura, toré, artesanato, roupa de índio pra apresentação do toré, quando vai apresentar fora...”. Apontando, então, para o preconceito com as coisas de índio.
Quando ouvi a segunda resposta, principalmente o trecho:“tem gente que se acha mais importante e não chega perto da gente que é índio”, perguntei se isto já não seria uma forma de preconceito para com os índios: ela parou um pouco e, depois, balançou a cabeça afirmativamente.
Passemos a analisar agora o seguinte questionamento: Enquanto um indígena, você se sente respeitado na escola? A pretensão desta pergunta, seria buscar compreender a visão, a percepção, do próprio sujeito estudado sobre como eles enxergam os fatos e situações que acontecem à sua volta referente ao seu pertencimento étnico. Temos as respostas:
“Sim... Mas, só não me sinto quando alguém dá piadinha, me sinto mal, pois eles sabem que  pessoa é (indígena) e ainda fica fazendo piadinha, que num sou...”
 “Sempre tem alguém que dá piadinha na gente. Tem gente que diz, que a gente diz que é índio sem ser... Acho que essas pessoas que falam isso da gente se sente melhor que a gente, ficam julgando a gente que é índio.”
“Não, por exemplo, ficam dizendo que eu não sou índia. Porque da parte da minha vó, os índios mesmo... Teve alguma coisa lá naquela época que tirou, expulsou a família da minha vó do Ouricuri, aí eles não considerou a gente... Mas, agora a gente é... Mas, hoje a gente já é considerado e reconhecido, tem carteirinha na FUNAI  e tudo.”
Observemos a recorrência da expressão “piadinha”, compreendida aqui como indicação da existência de frases e acontecimentos que, de certa forma, tentam inferiorizar o estudante wassú, menosprezá-lo ou julgá-lo, eles não indicam a recorrência, assim como o prosseguimento das respostas que denotam evidências de desrespeito a estes indígenas, por parte da maioria que com eles convivem na escola não-indígena da cidade.
A recorrência da palavra “piadinhas”, foi usada pelos estudantes wassú tanto quando perguntados sobre preconceito quanto sobre respeito ou a falta dele. Penso que os pesquisados, quase não utilizam no dia a dia estas palavras(preconceito) e seus conceitos ou, raramente as atribuem aos fatos cotidianos.
Há também uma percepção de uma imposição de superioridade e inferioridade por parte dos “outros”, os alunos não-indígenas, por exemplo: “acho  que essas pessoas que falam isso da gente se sente melhor que a gente, ficam julgando a gente que é índio.”. Assim, constata-se uma questão histórica sobre a ideologia da formação do povo brasileiro quando se compara os brancos, índios e negros.
Na última resposta, sobre se enquanto indígena se sentem respeitados na escola, constata-se um certo conflito interno ao próprio grupo de estudantes indígenas, segundo Naara,  isso acontece por parte dos que conhecem a história da família de sua avó.
Quando perguntados se por ser índio já sofreram preconceito de colegas e professores, obtivemos ,apenas uma resposta afirmativa:
“Sim, falam mais por causa do meu cabelo, que não é preto, nem liso, falam da cor... Sofro preconceito pela aparência, por que eles acham que pra ser índio tem que ter aparência de índio, cabelo lisinho...”
Houve apenas esta resposta afirmativa da existência do preconceito para com eles no espaço escolar, provavelmente pelo fato de esta indígena ter características fenotípicas que a sociedade dissocia do imaginário do que seria um indígena.
Quando perguntei à Bartira se as “piadinhas” não são preconceitos, ela respondeu:
“Não são não, porque preconceito é só com pessoas que tem a pele mais escura, como com os negros. Por exemplo, se tem índio que é galego, o povo num tem muito preconceito, mas se tem um índio que é mais pretinho ai tem, mesmo sendo tudo índio...”

A resposta acima nos remonta para a questão de preconceito de marca e  origem. Neste contexto, se a escola, efetivamente ,trabalhasse no seu currículo a questão da diversidade cultural, talvez, muitas destas confusões sobre preconceito, grupos étnicos, respeito ao “outro”, ao “diferente”, fossem também, paulatinamente se desmistificando.   
Concluo apontando às relações sociais dentro da escola não-indígena, entre indígenas e não-indígenas, assim como as relações entre o próprio grupo de estudantes indígenas que frequentam a E.E. Mário Gomes de Barros, como peça chave para compreender a proposta de escola não-índígena como fronteira interétnica e constitutiva de ajustes, pescepções e afirmações de pertencimento étnico entre os estudantes wassú.
 
Escola Estadual Mário Gomes de Barros

BIBLIOGRAFIA
BARTH, Fredrik. “Etnicidade e o conceito de cultura”, in Antropolítica: Revista Contemporânea de Antropologia e Ciência Política, n. 19, 2º. Sem., 2005 (pp.15-30.).


NOGUEIRA, Oracy. Preconceito racial de marca e preconceito racial de origem: sugestões de um quadro de referencia para a interpretação de material sobre relações raciais no Brasil. Tempo Social, revista de sociologia da USP, pp. 287- 308, v. 19, n. 1, nov. 2006.

SILVA, Maria da Penha. A temática indígena no currículo escolar a luz da Lei 11.645/2008. Cad. Pesq., São Luis, v. 17, n. 2, maio/ago. 2010.

TASSINARI, Antonella Maria Imperatriz. Escola indígena: novos horizontes teóricos, novas fronteiras de educação. In: Antropologia, História e Educação: a questão indígena e a escola. Silva, Aracy Lopes da – Ferreira, Marina Kawall Leal (Org.) – 2. Ed. – São Paulo: Global, 2001.