la ciudad de Maceió: Acuarelas,
la città di Maceió: Acquerelli
la ville de Maceió: Aquarelles
the city of maceió: Watercolors
Eduardo Henrique Omena Bastos, 1961. Arquiteto e Urbanista
pela UFAL. Pós-graduação em Design Estratégico e professor do curso de Design
de Interiores do IFAL.
Dois dedos de prosa
Existem diversas formas de demonstrar o amor
por determinado lugar e um deles, sem sombra de dúvida, é retratá-lo, e
ter a sensibilidade de ver seus pedaços,
reproduzir e (re)anunciar a vida que existe.
É deste modo, que Eduardo se fez um cronista
de Maceió e lega, para o futuro, a beleza do que consegue ver e reproduzir.
Hoje, você verá dez pedaços de Maceió que
valem por uma Alagoas inteira.
Vamos ver o que Eduardo produziu.
Agradecemos a gentileza que ele teve para conosco.
Um
abraço
Sávio
TRAÇANDO MEMÓRIAS
Eduardo Henrique Omena Bastos
Igreja dos Martírios |
O
desenho é uma paixão antiga. Comecei a desenhar muito cedo, como toda criança.
Tudo servia de suporte: papéis livros, revistas até o chão e as paredes de casa
- para o desespero de minha avó! Lembro que quando frequentava à escola
primária no saudoso Colégio Sagrada Família, havia dois irmãos gêmeos, que
estudavam comigo, cujo pai era desenhista profissional e fazia cartazes para
divulgação de filmes de faroeste. Ficava fascinado com a habilidade dos irmãos
desenhando e tentava imitá-los, mas sempre que comparava meus desenhos com os
deles, me frustrava, mas, também havia a esperança que poderia melhorar meus
rabiscos se continuasse praticando.
Minha mãe foi minha grande incentivadora, quando
terminava um desenho, ela fazia uma cara de espanto, logo após abria um sorriso
e saía sempre com um elogio: ”Esse menino é um artista!” Colecionava tudo que
fazia numa pasta e muita vez desenhava só pra ver o seu sorriso e a sua
felicidade. Ela realmente era muito prendada: desenhava, fazia crochê, flores,
tocava acordeom e tinha uma caligrafia maravilhosa. Cresci acreditando nisso,
que era realmente um artista e tempos depois comecei minha incursão nas cores, ela
havia me presenteado com tela, pinceis e tintas. Estava sempre rabiscando e
minha fonte de inspiração era a enciclopédia “CONHECER”, que minha mãe
colecionava em fascículos vendidos na banca do sr. Ronaldo na praça D. Pedro II
(Catedral), além de personagens de faroeste e gibis.
Igreja do Rosário, Rua do Sol |
Foi
o desenho que me aproximou da Arquitetura. Antes sonhava em ser engenheiro,
achava que tinha o perfil por gostar de matemática e desenho. Então, numa
dessas reviravoltas da vida, às vésperas do vestibular, chegou a Maceió um
irmão que é engenheiro e trabalhava em Manaus. Em uma bela manhã de domingo, na
praia de Ipioca, conversando e caminhando a beira mar, ele me questionou por
que não fazia o curso de Arquitetura, já que gostava tanto de desenhar? Nunca
havia passado pela cabeça essa possibilidade, até porque não sabia direito o
que era. Comecei a ficar curioso e no outro dia, lá estava eu visitando o
Centro de Tecnologia da UFAL, onde funcionava o curso de Arquitetura e
Urbanismo.
Residência no Farol |
Foi amor à primeira vista! Quando adentrei as salas
do curso, fiquei encantado com tantas pranchetas verdes. Pensei: “Arquiteto só
desenha, é aqui que quero ficar!” Entrei no curso em março de 1982 e a partir
daí, o desenho tomou outras proporções na minha vida além de aumentar meu fascínio
pelo ofício de arquiteto. Percebi quanto somos importantes para o mundo e nosso
compromisso social com a cidade e o país, vai muito além da prancheta.
A Arte de desenhar não é privilégio de alguns poucos
seres humanos iluminados por uma deidade. O desenho, para o arquiteto e o
designer é a sua segunda língua. A comunicação verbal, muitas vezes torna-se
imprecisa quando desassociada da comunicação gráfica. No livro:” Caminhos da
Arquitetura”, o grande arquiteto Vilanova Artigas em um capítulo que aborda o
Desenho, diz:” Para desenhar é preciso ter talento, ter imaginação, ter
vocação. Nada mais falso. Desenho é linguagem também e enquanto linguagem é
acessível a todos.” A popularização das mídias digitais no início dos anos 80
chegou com o conceito que a tecnologia poderia substituir o traço. Não é bem
assim! Mas, não é minha intenção polemizar nesse texto. No processo de criação
de um projeto arquitetônico, há várias etapas. Os programas midiáticos que
auxiliam nessa elaboração, são indispensáveis, visto que as novas tecnologias
estão cada vez mais presentes no nosso cotidiano, além de viabilizar tempo e
esforços.
Igrejinha de São Gonçalo |
Vejo o desenho manual como a ferramenta primeira do
processo criativo, tornando-se um método partícipe na formulação, restruturação
e desencadeamento de ideias. O traço é mais rápido, acompanha o pensamento e
não exige suportes especiais... Quantas ideias geniais surgiram num guardanapo?
Digo, me apoiando em Stroeter: “...o arquiteto pensa desenhando, sente
desenhando, desenha sentindo, descobre desenhando, desenha descobrindo,
constrói desenhando. Molda as ideias no papel. O desenho é, em essência a
linguagem que usa consigo próprio ao projetar.” A inspiração, ou “insight”
quando “chega”, na maioria das vezes, é fruto de um processo racional
angustiante e é muito volátil. A ideia, se não registrada, vai embora e aí, nesse
momento que o analógico entra em cena, até porque não é todo instante que temos
um computador ao nosso lado, já plugado e acessível. Penso que o desenho jamais
será substituído pelo computador e será sempre indispensável. Grandes estrelas
do cenário da Arquitetura mundial: Norman Foster, Santiago Calatrava, Frank
Gehry, entre outros, se apropriam do desenho na fase conceptiva do projeto. As
renderizações, por mais fotográficas que pareçam, não substituirão o prazer de
riscar e traquinar com o lápis e o papel. Quero dizer algo que considero muito
importante, na Arquitetura o desenho não é um fim em si mesmo – pode até ser
quando meramente decorativo, seja ele manual ou digital – ambos se
complementam. O desenho é uma forma de representação, não é Arquitetura! É o meio pelo qual a Arquitetura se manifesta,
como a música através da partitura. Não se vivencia o espaço (espacialidade)
através do desenho, mas ele tem sua serventia como representação de ideias,
objetivando fazer uma boa Arquitetura, mais humana e sustentável.
Museu Theo Brandão |
Quando terminei o curso de Arquitetura em 1986,
comecei a trabalhar com projetos e construções. Envolvi-me em trabalhos
(projetos) onde várias atividades humanas eram desenvolvidas: residencial,
comercial, clinicas, laboratórios, escolas, igrejas, institucionais, praças e
mobiliário urbano. Nos tempos de “vacas magras”, ganhava a vida como
“perspectiveiro” nos escritórios de arquitetura. Mas, não me limitei apenas aos
desenhos de prancheta, gostava de desenhar ao ar livre (plein air). Havia um desejo
antigo, que remontava ao início do curso de Arquitetura, quando a professora da
disciplina “Desenho I”, levou toda turma desenhar a Igrejinha de São Gonçalo no
bairro do farol. Esse desejo (desígnio) de desenhar os edifícios antigos de
Maceió ficou durante muito tempo “hibernando”.
Até que em certo momento, através
das redes sociais, fiz contato com diversos grupos de “Sketchcrawl”
- eventos promovidos por desenhistas urbanos em todo o mundo, que saem às ruas
a desenhar a cidade e seus monumentos, pessoas, árvores ou qualquer coisa que
faça parte do contexto urbano.Aqui no Brasil, esse movimento é muito forte nas
cidades do Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador. Outro grupo que despertou
ainda mais meu interesse pelos prédios históricos – não poderia deixar de
citá-lo, para não incorrer numa injustiça, foi o “Maceió Antigo”, através dos
comentários, postagens e curiosidades publicadas, comecei a me entusiasmar mais
pela história da minha cidade.
Movido
pelo interesse de desenhar os edifícios históricos, comecei a perambular pelo
centro de Maceió, normalmente aos domingos à tarde, quando há menos movimento
na cidade. Atentei para as fachadas de prédios antigos, maculadas por marquises
metálicas e uma profusão de letreiros e cores ali colocados sem nenhum cuidado ou compromisso com a sua história e o
seu estilo arquitetônico. Edifícios que foram vítimas da desinformação dos
comerciantes e descaso dos órgãos públicos durante décadas.
Capela do Cemitério de São José |
Vi um centro histórico
depauperado e fétido, muito diferente daquele que ia com meus pais passear
quando criança. Imaginei que poderia registrar o descaso através do desenho. Alguns
edifícios parece que pediam para serem notados, poderia ser uma maneira de
denunciar os maus tratos. O grande dramaturgo poeta Oscar Wilde, disse certa
vez que: “Não havia neblina em Londres antes de Whistler começar a pintá-la.”
Talvez quisesse dizer que a Arte tem esse poder de tornar as coisas mais
estimulantes.
Casa da Palavra |
A observação
direta e consciente de cada edifício que me propunha desenhar, me desperta para
a beleza e exuberância dos belíssimos detalhes arquitetônicos de suas fachadas.
Maceió ainda é uma cidade muito rica em edificações de valor histórico e alguns
exemplares podem ainda ser muito bem restaurados. Temo que um dia toda essa
beleza possa desaparecer, são poucos prédios que conservam suas perspectivas
originais, beneficiados pelas leis de preservação. Meu trabalho busca resgatar
essa memória que aos poucos estamos perdendo, alguns edifícios belíssimos, em
Jaraguá, por exemplo, estão agonizando com lixo acumulando em seu interior e
entorno e ponto de encontro de miseráveis. É um grito de socorro contra a
mutilação, desprezo, desrespeito e demolição de um patrimônio que ainda resiste
para contar a nossa história.
Igreja do Livramento |