Sempre tive grande admiração e carinho por Elói, um homem
extremamente simples, inteligente e intuitivo. Para mim, ele produziu uma
pequena joia da historiografia em Alagoas, sobre os caminhos de Viçosa,
mostrando a sua engenhosidade de perceber as interações que fazem o lugar.
Tive a honra de, a seu pedido,
participar de uma das edições do seu livro sobre os caminhos que montam e fazem
a vida econômica de Viçosa, ao longo da rota de acumulação que andou pelas
trilhas do Vale do Paraíba. Em sua homenagem,
vamos publicar uma parte deste livro, digitada por Glessy Kelly que decidiu nos
ajudar. Suprimimos algumas partes e, no original, estão corretas as citações
bibliográficas.
Tenha o prazer de ler o que o velho
homem disse sobre o velho local que sempre foi seu.
Luiz Sávio de Almeida
Velhos Caminhos de Viçosa
Elói Brandão de Sá
A mais antiga referência sobre
os caminhos do oriente e do ocidente, integrantes da estrada do Vale do
Paraíba, que ligava a Vila de Atalaia ás terras de Quebrangulo, passando
obrigatoriamente pelo povoado Riacho do Meio, vamos encontrá-la em Alfredo
Brandão: “A região do vale do Paraíba, compreendida entre a cidade de Atalaia e
a povoação da Passagem, era desabitada e coberta de espessa mata. Uma estrada tortuosa, que ora marginava o
rio, seguindo bem perto das suas barrancas, ora se distanciava, internando-se
pelo coração da floresta, dirigia-se para o sertão, ligando entre si os dois
pontos povoados” (o grifo é nosso). Por esta informação do historiador
viçosense, a qual remonta à primeira metade do século XVIII, verifica-se que
aquela região podia ser despovoada, mas a estrada já existia. E não apenas
existia, mas já devia ser bem movimentada.
O caminho do nordeste, subindo o Cento e Vinte e avançando pelo planalto
da Fazenda Velha, também já era palmilhado.
Por ele passara muitas vezes, entre fins do século XVIII e princípios do
XIX, o fundador de Viçosa, Manuel Francisco, que por lá abriu roçados de
algodão. “Homem ativo e trabalhador, o fundador da Viçosa continuou com o plantio
do algodão e estendeu os seus roçados para
os lados do norte, até muito além do “Cento e Vinte”, legando o seu nome a uma
ladeira que fica entre a Fazenda Velha e o Limoeirinho, no antigo caminho do
Barro Branco” (o grifo é nosso).
De qualquer forma, embora não se possa fixar a época em que se formaram
aqueles velhos caminhos, o que importa, sobretudo, é que foram fundamentais
para o desenvolvimento econômico e social de Viçosa.
Pelo caminho da Vila da Imperatriz chegavam à Vila Nova da Assembléia, e
mais tarde à cidade de Viçosa, numerosas cargas de açúcar bangüê, procedentes de
antigos engenhos situados ao norte e nordeste do município. Grande parte desse
açúcar destinava-se ao Pilar, importante centro comercial que, na segunda
metade do século XIX, constituía uma espécie de entreposto para onde convergiam
os produtos dos engenhos da zona da mata. “Nascida em engenho, e em torno dele
crescendo e desenvolvendo-se, Pilar tornou-se importante núcleo do comércio
açucareiro, talvez pela facilidade e barateamento do transporte para a capital,
pela lagoa e canais. De Atalaia, Capela, Anadia, Viçosa, o açúcar descia para o
Pilar, e daí em barcaças era transportado para Maceió”.
Diferentes ramais derivavam desse caminho da Imperatriz: um, que levava
o viajante ao engenho Queimado e ao povoado Santa Efigênia, bem perto da linha
divisória Viçosa-Capela; outro que, passando pelos engenhos Barro Branco e Bom
Jesus, ia adiante encontrar-se com uma antiga estrada em direção a Pernambuco;
e vários outros, menores, que se comunicavam com os engenhos não situados à
margem do caminho geral.
No período de 1860 a 1895 encontravam-se nessa zona norte-nordeste de
Viçosa diversos engenhos de açúcar, alguns dos quais sobressaindo pela
capacidade de produção. Entre os mais antigos e importantes, destacamos o Barro
Branco, de Pedro José da Cruz Brandão; o Boa Esperança, de Firmino Rebelo
Torres Maia; o Bom Jesus, de João Tenório de Albuquerque; o Bonito, de
Francisco Florentino Tenório de Albuquerque; o Cruzeiro, de Joaquim Pereira
Ávila; o Ingazeiro, de Elias Constâncio Brandão; o Mata Verde, de João Aprígio
dos Passos Vilela; o Três Paus, de Joaquim Pereira Ávila.
Pelo caminho do Sul – por muitos conhecidos como caminho da Pindobinha
ou da Gereba – que ligava Viçosa a Anadia e Mar Vermelho, também era conduzido
açúcar de vários engenhos, entre os quais: o Gereba, de Apolinário Rebelo
Pereira Torres; o Cambuim, de Vicente Ferreira do Nascimento Rodas; o Amazonas,
de Adrião Pereira da Silva; o Areia, de José Florentino Pereira Torres; o
Pedras de Fogo, de Lourenço José da Silva, e o Timbó, de José Raimundo dos
Santos. Mas o principal movimento comercial através desse caminho era
representado pelo algodão, cuja produção provinha não só de fazendas localizadas
no município de Viçosa, como Paturi, Pedras de Fogo, Pindobinha e Gereba, mas
também de algumas propriedades de Anadia e Mar Vermelho. As pesadas cargas do
“ouro branco”, descendo as escarpas da Pindobinha, destinavam-se ás antigas
bolandeiras da Vila Nova da Assembléia, substituídas mais tarde pelos
descaroçadores ou vapores de algodão, tão conhecidos em nossos dias. No período
de 1910 a 1935 essas máquinas de beneficiar algodão tiveram importância vital
no desenvolvimento econômico do município.
[...]
Por esse caminho a Vila de Assembléia recebia açúcar e gado. Açúcar fabricado
pelos engenhos Bananal, de Quintiliano Vital dos Santos; Caçamba, de Nuno
Rebelo Lúcio e Silva; Caçambinha e Flor do Caçamba, de Tertuliano de Holanda
Cavalcante; Baixa Funda, de Caetano Donato Brandão; Firmeza, de José Alves Paes
do Bonfim; Chã Preta, de Romualdo José de Souza.
O gado bovino, procedente do sertão, era
geralmente transportado via Palmeira dos índios, Quebrangulo e Paulo Jacinto.
Já em terras de Viçosa, as boiadas seguiam pela margem esquerda do Paraíba,
passando pelo antigo engenho Veados, de Manuel José de Oliveira Mata, e pelo
sítio Cruzes, de José Gonçalves Carnaúba. No verão, as boiadas continuavam por
uma estrada larga e meio arenosa, indo atravessar o Paraíba numa ampla passagem
existente logo após o sítio Cruzes. Tomavam agora a sua margem direita, para
sair no ponto denominado Barra do Caçamba, na confluência deste com o Paraíba.
Tal itinerário, a partir da última década do século XIX, tinha a vantagem de evitar
perigosos cruzamentos com a estrada de ferro. Na época invernosa, porém, ou
ocasionalmente quando havia enchente no Paraíba, os tangerinos guiavam o gado
por um caminho estreito, geralmente entre o rio e a via férrea, indo depois de
meia légua alcançar o antigo povoado, atual vila de Anel, prosseguindo pelas
fazendas Caçamba e Limoeiro, até desembocar em um dos mais velhos lugares de
Viçosa – a secular Mata Escura. Em seguida, subindo a chamada ladeira do
Descansador, na fazenda Dourada, as boiadas descambavam para outra ladeira –
uma descida em tanto difícil, apesar de parcialmente calçada de pedras
irregulares – e penetravam na cidade por um caminho antigo, quase paralelo à
montanha da Mata Escura, do qual se originou a rua do Cravo, hoje denominada Senador
Ismael Brandão.
E se esses caminhos – o do norte, o do sul e o do ocidente –
contribuíram fundamentalmente para o desenvolvimento econômico de Viçosa, maior
importância ainda teve o do leste ou da serra Dois Irmãos, pois através dele se
processava toda a exportação de açúcar e gado para Pilar e Maceió, bem como a
importação de gêneros indispensáveis ao comércio viçosense. E não só na parte
econômica, mas também na social, concorreram esses caminhos para o crescimento
do município. Sem eles não teria sido possível o intercâmbio de Viçosa com
várias cidades, como Anadia, Atalaia, Cajueiro, Capela, Maceió, Mar Vermelho,
Palmeira dos Índios, Paulo Jacinto, Pindoba, Quebrangulo, União dos Palmares e
Correntes (Pernambuco).
Senhores de engenho e fazendeiros que iam à vila tratar de negócios ou,
com suas famílias, assistir às festas de Natal, Ano-Novo e Bom Jesus do Bonfim,
padroeiro de Viçosa; chefes políticos ou simples eleitores, da zona rural, nos
dias de eleições, como naquele distante e agitado janeiro de 1878 (8), quando
conservadores e liberais se desentenderam e as ruas da pacata Vila de
Assembléia foram invadidas por capangas; sinhás-donas, em seus belos cavalos de
sinhão, ou em fofas liteiras conduzidas por negros escravos; “coronéis” montados
em castanhos baixeiros; os noivos que, acompanhados de tradicionais comitivas,
iam casar-se na igreja matriz da “rua”, dia de sábado, como ainda hoje se usa;
bandos de feireiros, ora conduzindo pesadas cargas de cereais, ora esquipando
em quartaus rudados; o ronceiro carro de bois – o veículo agrícola da época – a
cantar estrada afora, transportando lenha da mata para as fornalhas dos
engenhos; dançadores de reisado, com malote às costas, no período das festas
natalinas; zabumbeiros e tocadores de pífano, esses valorosos músicos populares
de todos os tempos, que iam abrilhantar os leilões de São Sebastião ou do Bom
Jesus ou de N. S. da Conceição – toda essa gente, sem distinção de cor e
posição social, quer os que residiam em confortáveis casas-grandes de engenho,
quer os que viviam em míseros casebres de palha, toda essa gente, no passado
distante, percorreu os Velhos Caminhos
de Viçosa.
Os Caminhos da Serra Dois Irmãos
Dentre os primeiros caminhos que
determinaram as comunicações entre as terras de Viçosa e outros municípios
alagoanos, o mais antigo, sem dúvida, é o do leste ou da serra Dois Irmãos. Sua
antiguidade, como caminho natural de tropa, presume-se remontar aos primeiros
anos setecentistas. Sua importância comercial, todavia, somente no princípio do
século XIX começa a se evidenciar. E a sua grande contribuição para o
desenvolvimento municipal não deve ser considerada apenas em relação a Viçosa,
pois também foi ele indispensável a uma vasta zona do vale do Paraíba,
compreendendo várias unidades populacionais.
Em época muito distante dos nossos dias,
quando a atual cidade de Viçosa, ainda sem expressão demográfica e econômica,
era apenas um sítio circundado de capoeira grossa, esse antigo caminho
constituía a via única de penetração para o viajante que, galgando a serra,
desejasse alcançar determinadas paragens do sertão alagoano ou do território
pernambucano.
Poderia ser um caminho estreito, tortuoso,
ora em mata fechada, ora em espaços rasgados através de capoeira rala, onde por
muito tempo sempre estivera ausente qualquer obra de engenharia, mas o fato é
que ele está geográfica e historicamente vinculado aos fundamentos não apenas
de Viçosa, como ainda de outros municípios do vale do Paraíba.
Ora beirando o pedregoso Paraíba, aqui
cortando o seu fertilíssimo vale, ali varando as escarpas da serra Dois Irmãos,
adiante estirando-se em longos trechos de puro massapé – a verdade é que essa
velha estrada contribuiu, de modo inequívoco, para a formação socioeconômica da
cidade de Viçosa.
[...]
[...].
Em meados do século XIX, quando Vi çosa
contava cerca de 30 engenhos safrejando, o produto era transportado, a
princípio, para o Pilar, principal centro comercial entre a capital e a região
da Mata, e onde se encontravam diversas firmas atacadistas, dispondo já de
grandes armazéns. Já em 1871, a Vila do Pilar era considerada “a primeira da
província pelo seu importante comércio, edificação e povoação; tem 847 fogos –
10 sobrados, 389 casas de telha e 448 de palha; tem ela mais três trapiches, 3
igrejas, uma mesa de rendas gerais, outra de rendas provinciais, uma agência do
correio e quatro cadeiras de primeiras letras” (4). Mais tarde, quando o
movimento comercial daquela cidade lacustre começara a declinar, o açúcar
exportado pelos bangüês da Vila de Assembléia seguia diretamente para os armazéns
de Jaraguá, em Maceió. Paralelamente à saída do açúcar, verificava-se a
necessidade aquisitiva de certos artigos importados, indispensáveis à
subsistência da população assembleiense, sobretudo gêneros alimentícios,
tecidos, calçados e medicamentos. E, nesse intercâmbio comercial, era o velho
caminho a única via de comunicação, cuja influência econômica, como podemos
observar, não se restringia à Vila de Assembléia.
Em numerosos documentos oficiais do período
provincial vamos encontrar aquele caminho do vale do Paraíba – inclusive o
trecho da serra Dois Irmãos – figurando entre as principais estradas da
província. Já em 1862, referindo-se a essa estrada como importante via de
comunicação para abastecer a capital, informava o presidente Antônio Alves: “A
estrada que se dirige desta capital às vilas de Atalaia e Assembléia e povoação
de Quebrangulo, e a que segue para a Imperatriz, são as vias de comunicação por
onde se transporta a maior parte dos gêneros que vem para o mercado desta
capital e são as que em todos os tempos mais têm merecido a solicitude desta assembléia
e do governo provincial. Estou persuadido que neste ramo de serviço, que se
liga aos interesses da agricultura e do aumento da renda pública, um dos
maiores benefícios que se pode fazer à província será reparar e aperfeiçoar
essas duas estradas, de modo que se prestem ao trânsito dos carros ainda na
estação invernosa”.
O valor comercial desse antigo caminho está
bem caracterizado através de um velho relatório de junho de 1867, onde se
informa que o governo mandara proceder a um levantamento do terreno
compreendido entre a capital e os municípios considerados centros produtores:
“Um dos mais vitais interesses desta província é, sem dúvida, o melhoramento de
suas estradas, se é que tal nome se pode dar aos caminhos que ligam entre si os
diversos pontos povoados, por onde se faz o comércio e se exportam os produtos
da lavoura da província. Duas são as principais
vias de comunicação que ligam os municípios centrais e produtores da província
a esta capital: a que se dirige para a Vila da Imperatriz e a que, partindo do
Pilar, se encaminha para Atalaia, Assembléia etc. Cumpre, pois, que Vmcê,
como trabalho preliminar, proceda a um reconhecimento do terreno compreendido
entre esta capital, Imperatriz, Assembléia, Atalaia e Pilar, determine a
posição geográfica de todos estes pontos, assim como de outros, cujo
reconhecimento for necessário para o estudo perfeito das estradas que pretenda
construir” (O grifo é nosso).
Na década de setenta, embora o comércio da
Vila de Assembléia ainda se apresentasse pouco desenvolvido, já o número de
engenhos espalhados pela zona rural havia se elevado a 32, destacando-se, pelo
valor da produção, os seguintes: Baixa Funda, de Caetano Donato Brandão;
Bananal, de Quintiliano Vital dos Santos; Barro Branco, de Teotônio Torquato
Brandão; Boa Esperança, de Firmino Rebelo Torres Maia; Boa Sorte, de José
Martins Ferreira; Brejo, de Carolina Leopoldina de Farias; Firmeza, de José
Alves Paes do Bonfim; e Gereba, de Apolinário Rebelo Pereira Torres.
Várias localidades que comerciavam com a
Vila de Assembléia também começavam a progredir na agricultura, na indústria
rural e no comércio de açúcar, entre as quais a Vila da Imperatriz, hoje União
dos Palmares, e as povoações de Capela e Murici. Muito mais importantes do que
estas, porém, eram Pilar e Atalaia. Pela sua posição geográfica, ponto
intermediário da zona da mata com a Capital, a Vila do Pilar era grande praça
importadora de açúcar e muito cedo atingira a categoria de cidade (1872),
suplantando as suas circunvizinhas. Atalaia, o velho arraial de Domingos Jorge
Velho, embora ainda não fosse cidade, era vila influente com vários
estabelecimentos comerciais e numerosos engenhos bangüês. O desenvolvimento
dessas localidades sob o ponto de vista econômico e demográfico, estava, agora,
a exigir do governo providências inadiáveis quanto ao melhoramento das
condições da estrada do vale do Paraíba, passando pela serra Dois Irmãos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário