Esta é uma homenagem realizada
por Campus, a um dos mais importantes intelectuais alagoanos: Professor Dr.
Élcio Verçosa. Dois de seus amigos e
companheiros de trabalho, abordam sua vida.
Minha
admiração é e sempre foi grande. Campus/O Dia tem a chance de homenagear a uma
grande figura humana e a um grande cidadão brasileiro e, eu, este mirrado escriba, tem a possibilidade de mais
uma vez declarar sua amizade e admiração por ele. Agradecemos
a todos os que colaboraram neste número, especialmente à Albinha e Graça.
Vamos ler
Um abraço
Sávio
I
– Um pouco sobre um amigo
Luiz
Sávio de Almeida
Este número de Campus/O Dia presta uma singela homenagem ao Professor Élcio Verçosa, cuja trajetória é conhecida em Alagoas, especialmente no campo educacional onde viveu densamente. Os chamados grandes homens são assim: a vida se infiltra em cada minuto do cotidiano, de tal modo que ele sai reproduzindo-se, anonimamente, em uma infinidade de outras vidas. É o que acontece com Élcio e ninguém pode dizer onde ele termina e onde começa.
A
qualquer desavisado, pode parecer que estamos a
cometer um exagero, mas não é.
Estamos diante de um tipo de intelectual público, capaz de estar e
discutir a vida do seu povo, de uma forma aberta e forte. Não se tem a menor
discussão sobre a educação em Alagoas, sem que direta ou indiretamente, as suas
ideias estejam presentes, sobretudo através dos seus alunos, por ele ensinados
a tentarem uma educação que seja, também, uma luta pelo que se convencionou
chamar de justiça social. A relação
entre construir a educação e a sociedade, sempre esteve clara em sua cidadania
que se repartia em diversos setores, desde
a sala de aula às lutas sindicais.
II
- Biografia e Trajetória de Elcio de Gusmão Verçosa
Ivanilda Verçosa
Professor
Emérito da Universidade Federal de Alagoas por indicação unânime de seus pares
do CEDU, título do qual muito se orgulha e que foi outorgado pelo Conselho
Universitário da UFAL, Elcio de Gusmão Verçosa nasceu em Porto Calvo, em 14 de
outubro de 1944. Fez seus estudos primários no grupo Escolar Rocha Pita, ainda em
Porto Calvo, após ser alfabetizado por uma prima e madrinha – Maria Helena
Buarque Ferreira. Filho de Benedito Aires de Verçosa e Dina de Gusmão Verçosa,
é o quinto de dez filhos.
Em 1957 entrou para o Seminário Menor
da Congregação do Sagrado Coração de Jesus, em Pernambuco, onde cursou o ensino
fundamental (antigo ginasial) e o ensino médio (antigo colegial). Após o
noviciado, fez o Curso completo de Filosofia. Em 1967, deixa a Congregação e
volta a Maceió, onde faz o vestibular para Letras – Português-Inglês,
concluindo em 1970.
Na
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da UFAL foi presidente do Diretório
do Curso de Letras, durante o período de chumbo da ditadura militar 1968-1969
onde enfrentou lutas históricas contra o CCC - Comando de Caça aos Comunistas,
grupelho liderado pela família de Wanilo Galvão, famoso integralista de
Alagoas.
Em 1968 participou das
manifestações estudantis contra a ditadura, pelas liberdades democráticas e em
1969 engajou-se na luta contra o AI-5. Nesse período, participou ativamente
como ator, do Grupo teatral “Os Corujas”, da Faculdade de Filosofia, dirigido
por Sabino Romariz. Fez parte do corpo de atores das peças “Revolução dos
Beatos” e “O Pagador de Promessas”, de Dias Gomes e de “Mortos Sem Sepultura”
de Jean-Paul Sartre. Era a fase da resistência por meio da arte teatral, já que
o AI-5 proibira as manifestações de rua.
Em 1970 termina o Curso de Letras –
Bacharelado e Licenciatura – e se casa com a companheira de magistério e de
movimento estudantil, Ivanilda Marques Soares, que passou a se chamar Ivanilda
Soares de Gusmão Verçosa e desse casamento nasceram dois filhos: Elcio Verçosa
Filho e Catarina Verçosa, mãe de Diógenes Verçosa Domecq, único neto.
A partir de 1970, quando o regime
militar endureceu as perseguições aos democratas revolucionários, passou a
acolher em sua casa, como outros democratas e progressistas, guerrilheiros que
fugiam da repressão, vindos do Araguaia para São Paulo. Até hoje somos amigos
de alguns que sobreviveram aos tempos de chumbo.
Professor de Língua e Literatura
Portuguesa e Língua Inglesa em colégios do setor privado como Marista de Maceió
e Imaculada Conceição, foi selecionado para lecionar Português na rede estadual
de ensino em 1968. Em 1975, foi aprovado em concurso público para a então
Escola Técnica Federal de Alagoas – ETFAL, passando a lecionar Língua
Portuguesa e Literatura Brasileira até 1980, quando foi selecionado como
Professor substituto para o CCSA – Centro de Ciências Sociais da Universidade
Federal de Alagoas. A partir daí começou a construir sua carreira acadêmica e
sindical no ensino superior, desligando-se da ETFAL ao ser aprovado na seleção
de Mestrado da Faculdade de Educação da UFPe e, em 1984, tornou-se Professor
Auxiliar da UFAL, aprovado em concurso público.
No final da década de 1980, liderou
o movimento, junto com outros companheiros docentes, para a criação do Centro
de Educação – CEDU, que se tornou referência na UFAL e no Estado de Alagoas na
formação de dezenas e centenas de educadores, pedagogos com uma visão humanista
e social da Educação. Foi seu primeiro Diretor eleito pelo voto de docentes,
estudantes e funcionários, como também Professor de disciplinas como Métodos e
Técnicas de Ensino, Planejamento e Política Educacional. Elcio escreveu sobre a
criação do CEDU: “Depois de conseguir se reorganizar de fato, nos meados dos anos
80, após árdua batalha política, em três departamentos, será no fim dessa
década que o TFE, o MTE e o APE, desprendendo-se do CCSA, criarão o CEDU,
resultante de um projeto nascido do empenho e do ideal dos que queriam que
a educação, no seio da UFAL, continuasse sendo um espaço de formação cada
vez mais comprometido com a nova realidade educacional alagoana, através
de uma atuação crítica, investigativa, politicamente competente, capaz de
manter interlocução com a sociedade e seus dirigentes, e cada vez mais
ávida por transpor os muros que frequentemente encastelam a Universidade e
tendem a fazê-la alienada do seu tempo e de sua realidade. Por isso,
assumimos, desde a primeira hora em que fomos instituídos, como prioridade
absoluta, a Educação Pública, e perseguimos, como meta central, a
qualificação de nossos quadros.”
Mais tarde, já nos anos 1990, após
concluir o Doutorado em Política Educacional na FEUSP – Faculdade de Educação
da USP, também liderou a criação dos Cursos de Pós-Graduação – Mestrado e
Doutorado no CEDU/UFAL – ao tempo em que dava aulas na graduação, orientava
dissertações de alunos do Mestrado e Doutorado e dirigia o CEDU.
TÍTULOS:
pelos relevantes serviços prestados à Educação de Alagoas, recebeu vários
Títulos honoríficos: em 2004, foi agraciado com o Título de Cidadão de Maceió,
outorgado pela Câmara de Vereadores de Maceió; em 2006, recebeu o título de
Professor Emérito da Universidade Federal de Alagoas, outorgado pelo Conselho
Universitário – CONSUNI; em 2007, a Comenda do Mérito Educativo, outorgada pelo
Conselho Estadual de Educação de Alagoas, do qual foi Presidente sempre eleito
por seus pares; em 2013 recebeu a Comenda Padre Teófanes Augusto de Araújo
Barros, outorgada pela Assembleia Legislativa de Alagoas, também pelos
relevantes serviços prestados à Educação em terras alagoanas. Autor de vários
livros sobre História da Educação em Alagoas, sobre Cultura e Educação,
Educação Superior, sozinho ou em parceria, participou de diversas Bienais do
Livro em Alagoas, sempre com lançamentos de novos livros ou novas edições dos
já esgotados.
Resumindo sua trajetória, é
Avaliador de Cursos Superiores, Faculdades e Universidades pelo INEP/MEC desde
o ano de 2000. Com vastíssima experiência no Ensino Médio e Superior de
Alagoas, aposentou-se da UFAL em 2006, tendo sido convidado para ser Professor
Visitante da UNEAL – Universidade Estadual de Alagoas que ajudou a criar quando
Presidente do Conselho Estadual de Educação. A função de Professor Visitante exerceu
até 2010, quando foi convidado pela Direção da Faculdade SEUNE
e aceitou ser Coordenador Acadêmico e docente dessa Faculdade, onde se encontra
atualmente.
III - O
SINDICATO NA RELAÇÃO EDUCAÇÃO E SOCIEDADE
Profª Alba Correia
APAL-SINTEAL, CPB-CNTE, ADUFAL.
Escrever sobre Elcio Verçosa no espaço de um artigo é tarefa complexa por alcançar diversas dimensões de sua intervenção na sociedade como educador, sindicalista, gestor, intelectual de significativa produção acadêmico-científica.
Com foco no sindicalismo e apoio de
testemunhos na luta, este registro perpassa a capacidade do educador em
promover interações entre pessoas, projetos, instituições. Ele mesmo, formulador de concepções e proposições em favor
da educação entre os direitos humanos fundamentais, defende o conhecimento da
realidade como norteador do compromisso
com o mundo social, político e cultural na perspectiva das transformações sociais.
Contextualizada, sua história de vida traz a década de 60 (Século XX), quando
o Brasil e o mundo enfrentavam grandes transformações na realidade econômica, sociopolítica
e no campo dos paradigmas e valores.
Nesse
período, a Igreja Católica, vivenciando o Concílio Vaticano II (1962-65), por nova
ênfase à paz, ao desenvolvimento e à justiça social, busca um novo pensar e
agir na realidade. São posições com reforço na América Latina (1969) – cenário
de regimes ditatoriais de ação repressora – que impulsionam a Igreja a
redefinir seu perfil, articulando-se a segmentos políticos e sociais do campo
progressista, com protagonismo mais consequente em favor da justiça e da
liberdade.
No
Brasil, o golpe militar de 1964 rompe os anseios do país em torno do Governo
João Goulart, impede a perspectiva de um modelo nacional de desenvolvimento,
exercendo brutal repressão sobre democratas e patriotas. Por suas contradições,
esse contexto fomenta a politização e mobilização dos movimentos sociais, organizações
partidárias, unificando propostas de luta ligadas à liberdade, direitos humanos,
justiça social, pela
redemocratização do país.
Ao acirramento da repressão, a resistência democrática assumia as
bandeiras das eleições diretas, da anistia para presos políticos, mortos e
desaparecidos, da Assembléia Nacional Constituinte, articuladas a pautas
específicas ligadas aos direitos sociais e trabalhistas.
Assim
se apresenta o ideário e a base de formação de Elcio Verçosa, desde seu
ingresso na Ufal (1967), integrando o
conjunto das lideranças estudantis de Alagoas contra o arbítrio, em defesa da educação pública, construindo
a prática democrática na escola e na sociedade.
Presidente do Centro Acadêmico do Instituto de Letras e Artes – Ila/ Ufal
(1968-69) participa do período efervescente de lutas do movimento estudantil
contra o regime militar, enfrentando os efeitos do AI 5/1968, do
Decreto 477/1969 e do Acordo Mec/Usaid. Formado
em Letras pela Ufal (1967-70), é admitido
no Serviço Público Estadual, como professor e gestor da escola pública (1967-83),
período marcado pela falta de atendimento às principais diretrizes básicas para
a educação: a elevação dos níveis de escolaridade e a formação dos estudantes
segundo as demandas de sua realidade.
Na
vida profissional, o movimento sindical integra seu novo campo de ação política.
Na Associação de Professores de Alagoas/Apal marcada, desde sua criação (1965),
pelo atrelamento ao governo do Estado, Elcio Verçosa projeta-se liderança do Movimento
de Professores (Décadas 70-80), impulsionando a participação da categoria na
defesa da escola pública de qualidade e da valorização profissional.
A
organização dos professores também acompanhava a luta pela transformação da
Confederação dos Professores do Brasil/CPB, conduzindo Elcio Verçosa e
outros/as companheiros/as à participação de articulações e eventos nacionais,
por novas proposições para a educação e a sociedade brasileira.
Nesse caminho, em 1980, as eleições para a
direção da Apal encontram uma oposição organizada com significativas lideranças
da capital e do interior, compondo-se a Chapa APAL PARA O PROFESSOR encabeçada por Elcio Verçosa. Mas, no
enfrentamento ao autoritarismo de governadores indicados pelo regime militar, a
organização dos professores, embora expressiva, não conseguiu barrar a ação
repressora que manteve a política de atrelamento da Apal.
O movimento resiste e cresce, aproximando
bandeiras específicas à luta da sociedade brasileira pelas liberdades
democráticas e os direitos dos trabalhadores, para alcançar seus objetivos em
curto espaço de tempo.
Elcio Verçosa vai buscando sua qualificação
profissional e, aprovado em concurso público, ingressa na Ufal em 1980 como professor. Um novo campo de atuação sindical vai
encontrar na Associação dos Docentes da Ufal/Adufal, fundada em 1979, ano da
conquista da anistia para os brasileiros. Élcio é eleito Presidente, na Chapa NOVADUFAL para o biênio 1985-87.
Em sua nova tarefa, empenha-se no
fortalecimento do debate político sobre a missão da Ufal – criar,
manter e compartilhar o conhecimento e a cultura da sociedade em função de seu
desenvolvimento – e
na consolidação da gestão democrática, concretizada em 1989; intensifica a mobilização pela valorização dos
professores, conduzindo a greve de 1987 com pauta nacional unificada e, no
plano interno, a melhoria da estrutura e funcionamento da entidade.
A trajetória de Elcio Verçosa revela sua
capacidade de, refletindo sobre a dinâmica conjuntural na articulação
de concepções e ações, potencializar sua intervenção na sociedade,
sempre atento à formação de cidadãos conscientes e comprometidos com a
educação, na perspectiva das transformações sociais.
IV – Élcio
Verçosa: tempo e vida
Graça Tavares
“ Bom mesmo é ir à luta com determinação, abraçar a vida com paixão, perder com classe e vencer com ousadia, porque o mundo pertence a quem se atreve e a vida é muito para ser insignificante” (AUGUSTO BRANCO, poema VIDA)
Essa
frase diz muito do que penso e sinto sobre Élcio de Gusmão Verçosa.
Convivi com Élcio em várias etapas
de minha vida acadêmica e social, inclusive como sua vice-diretora no Centro de
Educação da Universidade Federal de Alagoas, e posso afirmar que determinação, paixão e ousadia sempre
foram as diretrizes que nortearam suas ações enquanto gestor/líder e ser
humano.
A
literatura da área de administração afirma que dentre outras tantas coisas que
caracterizam um gestor destacam-se o gostar
e entender de gente. Isso mesmo, da figura humana. Métodos e processos bem
elaborados são de fundamental importância para uma boa gestão, mas sempre haverá
uma pessoa para torná-los eficazes.
Segundo Peter Drucker, pai da
administração moderna, administrar
é fazer as coisas direito, utilizando a
autoridade inerente da hierarquia formal para obter o cumprimento dos membros
organizacionais e liderar
é fazer as coisas certas através da
habilidade de influenciar um grupo para se alcançar objetivos. Élcio, você
soube, como ninguém, exercer a função do gestor e líder no Centro de Educação
da UFAL para alcançar os objetivos propostos que se efetivavam
na defesa da educação pública, gratuita e de qualidade social; no
compartilhamento das informações com todos os envolvidos na elaboração e
construção dos projetos que sempre visaram à melhoria dos cenários
educacionais: alagoano e brasileiro.
Acredito que o determinante para o sucesso
das pessoas nos locais de trabalho são a dedicação
e eficiência com que conduzem suas atividades profissionais e a honestidade que empregam na realização
de suas tarefas. Élcio, a determinação e ousadia na forma
como se colocou enquanto gestor mediador de um projeto educacional, na
Universidade Federal de Alagoas, cujo lema foi OUSAR PARA AVANÇAR, que, dentre
outras conquistas, possibilitou as condições concretas para a criação do
Programa de Pós-Graduação em Educação, o que veio a se concretizar em 2001; a
reestruturação dos espaços pedagógicos e de melhoria das condições de trabalho
no Centro de Educação; a formulação de novas formas de parcerias com a
sociedade alagoana e na democratização dos processos coletivos de tomada de
decisão na universidade, são exemplos de sua gestão e liderança.
Sim, Élcio, sua energia, entusiasmo
e atitude positiva diante dos embates sobre a política educacional brasileira e
alagoana colocaram o Centro de Educação em lugar de destaque no cenário
universitário e nos vários espaços sociais onde o CEDU era convidado a
participar. A concepção de gestão universitária, voltada para a transformação
social, que implica um repensar sobre novas formas e concepções de trabalho
docente, em sua visão mais ampla, enquanto pesquisador, gestor e professor
possibilitou a produção de artigos e livros coletivos que socializavam as
nossas reflexões sobre o fazer pedagógico cotidiano e seus impactos na política
educacional.
Mais uma característica que quero
ressaltar aqui é sua capacidade de mediar conflitos. Como você possibilitava a
construção de uma percepção hegemônica, entre todos que participavam de seu
convívio, sobre a finalidade do ato de administrar ao destacar que, tanto os
princípios quanto a função da gestão estão diretamente relacionados aos fins e
à natureza da organização em uma dada realidade social, nesse caso, a
educacional, possibilitando que todos se sentissem contemplados nas metas então
estipuladas e com isso conseguindo a adesão para a concretização das mesmas.
Como poucos você soube perceber que
“a vida é mutirão de todos, por todos mexida e temperada” como afirma Guimarães
Rosa em seu livro Grandes Sertões: Veredas e o seu fazer
político-administrativo na UFAL foi um fazer pedagógico, pois se desenvolveu no
ato de ensinar, no planejamento, na gestão, nas relações com a comunidade
acadêmica e educacional fora e dentro da universidade. Esse é o legado deixado
para todos nós que tivemos a ventura e aventura de fazer parte de sua equipe e
de sua história de vida. Obrigada por tudo!
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