Este material fou publicado em Campus/O Dia
Quem é quem
Aldjane Oliveira é colaboradora de Campus/O
Dia, professora de sociologia na rede estadual e mestranda em Antropologia.
Dois dedos de prosa
Aldjane Oliveira
é professora de sociologia na rede estadual e mestranda em antropologia, sendo
colaboradora de Campus; esta é a segunda
matéria que publicamos de sua lavra. O material é parte de seu trabalho de
conclusão de curso, exigido pela Universidade Federal de Alagoas, Licenciatura Plena
em Ciências Sociais-UFAL apresentado em fevereiro de 2011, orientado pela
Professora Dr. Rachel Rocha de Almeida Barros, tendo sido adaptado para a
presente publicação. Ela teve a intenção de apresentar de forma bastante sucinta,
a história de vida de uma Yalorixá entre seu despertar para a Umbanda e a
continuidade de vida, dos apontamentos e
da rejeição da sociedade simplesmente pelo fato de ser Mãe de Santo.
Campus/O Dia tem o prazer de trazer
seu trabalho que será publicado em três números, chamando a atenção sobre ser
um dos poucos sobre a vida dos terreiros em cidades do interior do Estado. Fica
um abraço em Aldjane e o desejo de uma boa leitura, a ser realizado por vc.
Abraços
Sávio Almeida
Uma Yalorixá e seu mundo em Joaquim
Gomes (I)
Aldjane Oliveira
... debaixo do símbolo
é preciso saber atingir a realidade que ele figura e lhe dá sua significação
verdadeira. Os ritos mais bárbaros ou mais extravagantes, os mitos mais
estranhos traduzem alguma necessidade humana, algum aspecto da vida, seja
individual ou social (DURKHEIM, p. VII).
Primeiro
eu tinha Maria Mulambo, trabalhava com Maria Mulambo na frente, na frente quer
dizer... aí eu dei uma obrigação pra tirar ela de frente. Eu não queria ela de
frente, eu trabalhei muito tempo com ela, mas eu não queria, num gostava. Por
que Maria Mulambo só trabalha na demanda né? Na esquerda, ela é boa também
porque ela ajuda.[...] Minha religião num raspa a cabeça não... quem raspa é a
jêje.
I - O terreiro Afro São Jorge
Candomblé Cigano
A cigana |
O terreiro Afro São Jorge Candomblé Cigano tem sede no bairro Cacimbas,
na cidade de Joaquim Gomes, zona da mata alagoana e tem registro datado em
27/11/2007 na Federação Zeladora dos Cultos Afro em Geral, de Maceió. A Babalorixá
deste terreiro, Maria José Luiz da Silva, é popularmente conhecida como Dona
Lia, sua linha/nação é Umbanda com Angola, a mesma do terreiro onde foi feita sua cabeça ou seja, iniciação.
A partir do trabalho de campo neste Terreiro, pude perceber o sincretismo existente no Brasil: o catolicismo, as
tradições de matriz africana e os cultos aos ancestrais indígenas, assim como
aos ancestrais ex-escravos, às entidades ciganas e também do espiritismo.
A Umbanda é uma religião
genuinamente brasileira; une, aglomera, mistura as crenças, assim como também
diverge internamente entre linhas; porém, tais linhas distintas se encontram em
um mesmo espaço, adaptando-se, recriando-se, enfim, remodelando essas crenças
vindas de diferentes lugares, de vários povos e culturas.
Os orixás mais frequentes no terreiro Afro São Jorge Candomblé Cigano
são: Ogum, que no sincretismo
católico remete a São Jorge; Iansan
que remete a Santa Bárbara. A Yalorixá diz que a corrente do seu Gongá é a da Cigana Rosa e o mestre do seu terreiro é
Cruzambé, que é um Exu. Os trabalhos
de consulta do Terreiro Afro São Jorge Candomblé Cigano, segundo D. Lia “Só com
a Cigana-Rosa”. O calendário de festividades acontece da seguinte forma: 1- no
dia 13 de maio homenageia os pretos velhos, 2- no dia 17 de agosto é a
festividade para Cigana Rosa, 3- em outubro ocorre as homenagens a Cosme e Damião.
II - A Yalorixá Maria José Luis da
Silva
A casa e as plantas |
Maria José Luiz da Silva (Dona Lia), nasceu no dia 15 de junho de 1946,
na cidade de Atalaia, Alagoas, filha de Pedro Luís da Silva e de Maria Luís da
Silva; o pai trabalhava em usinas da região. Aos dezessete anos já estava
casada e seu esposo, “[...] era de Santa
Amália, aí, que é a nova Agrisa (usina Agrisa, situada no Município de
Joaquim Gomes)” [...] “Casei com ele no
padre, na usina... e no cartório, em Joaquim Gomes”. Perguntada se o seu
marido também praticava o candomblé, ela
respondeu:
Não,
mas ele gostava, ele comprava coisas pra eles... [para os espíritos], o
primeiro vestido que a Cigana vestiu, foi ele que comprou [...] Fiquei viúva na
Agrisa, passei dezenove anos com ele. Com dezenove anos de casada, deu derrame
nele e ele morreu, depois eu fui pra Recife, aí lá foi que eu fiz a cabeça com
o Neco e Luzinete.
Dona Lia relatou que sua família era toda da cidade de Atalaia- AL, e que
sua avó fazia certas adivinhações. Disse sobre sua avó:
Quando
ela queria ver a hora, ela botava o ouvido no chão. E ali ela dizia tudo que
tava se passando... mas só da família, ela era descendente de índio. Ela tava
assim conversando né? aí ficava assim
[interpretou, de olhos fechados, como quem estivesse cochilando], e
dizia o que tava pra acontecer, ela era benzente, né? Num pegava espírito
não. Agora meu tio, Sebastião Luís da Silva, era quem trabalhava com Zé
Pilintra, ele era filho de minha vó.
Vemos aqui, a mistura de conhecimentos indígenas, a partir da avó de D.
Lia e o contato com a religião de matriz africana a partir de seu tio Sebastião.
A mãe-de-santo em questão começou a trabalhar com a religião aos dezessete
anos, porém, somente após vinte anos, aos 37 anos, passou pelo ritual para se
tornar Mãe de Santo, isso aconteceu em Recife-PE, em cerimônia liderada pelo
Sr. Neco, no bairro de Prazeres, onde, segundo D. Lia, ele tinha terreiro.
III - O despertar/chamado para a
Umbanda
Festa de Cosme e Damião |
Dona Lia relatou sobre a descoberta de sua vocação para a religião de
matriz africana:
Eu
fiquei toda encarangueijada mulé, fiquei com os dedos tudo troncho, assim, óia,
o pescoço ficou aqui, óia, minha boca ficou pra quí, óia [e fazia uma
demonstração gestual]. Passei uma semana assim, ninguém sabia o que era.
Primeiro levaram eu, pra casa de meu tio, tio Sebastião, quando chegou na casa
de tio Sebastião, eu num quis ir né? Eu disse, vão me levar pra casa de Xangô
é? Eu disse quero não, vou nada, vou não. Mas tinha me levado logo pro Pronto
Socorro, quando deu a crise ‘ni mim’, chegando lá, chegou um medico barbudão,
parecendo o cão, e eu lá gritando, gritando, gritando... sentindo dor, tinha
dezessete anos, toda troncha, toda aleijada. Aí eu esculhambei logo,
esculhambei, toda vida eu fui danada né? Cadê ele que num vem me atender,
fiquei doida, aí o medico barbudo disse: ói a doença dessa mulher, ninguém vai
fazer nada com ela, leve ela pra um curandeiro, procure um canto, leve essa
mulher e cure ela, mande benzer, benzer ela que isso aí num é pra gente não,
isso aí é pros curandeiros. Aí eu disse: ‘ôxe... vai tomar no boga’, com o
médico. Eu disse: ‘ói, leve eu pra casa viu? Num me leve pra canto nenhum não,
que eu num gosto de espíritos não’, aí o médico riu, eu num gostava não de espírito. Meu tio
trabalhava, mas eu num gostava, aí me levaram pra casa de Sebastião Luís da
Silva, meu tio, quando eu vi já vai dobrando ali no Hospital do Usineiro,
entrando pra li. Eu disse: ‘vão me levar pra casa de tio Sebastião é?’ ‘Peraí’,
pare, pare, pare e num parou, quem me levou foi meu marido e minha cunhada.
Quando chegou mais na frente eu falei: ‘ou vocês param o carro ou eu pego na
goela do motorista, nun instante eu fico boa e derrubo esse carro’, eu ia pegar
na goela dele... eu penso que era Exu-Caveira que fiquei assim, mas ele é bom.
Quando chegou lá, tio Sebastião me botou dentro de uma roda de fogo lá, disse
umas palavras... e fiquei boa, boa.
Quando eu saí já foi rindo, soltando gaitada com a bicha, a Pomba-Gira, fiquei
lá passei sete dias lá... Aí eu cheguei
fui pra casa, aí fui pra mata, ói, depois que tive isso eu me agradei dos
espíritos. Foi dentro da mata, fui buscar lenha pra queimar, eu tava mais um
bocado de gente, um bocado de mulher. Quando chegou lá, o primeiro que me pegou
foi o Marinheiro, desceu em mim né? E depois...
me levaram pra casa da Irene, ali dentro da tabela, na fazenda Maravilha.
Era uma mulher que trabalhava espírita lá. Depois do Marinheiro, desceu seu
Loro-Preto que é um Exu, aí foi tudo na mata, minha corrente todinha foi na
mata, Pomba-Gira Cabocla, foi na mata.
Primeiro D. Lia teve uma aparente enfermidade aos 17 anos, sua família
foi orientada pelo médico para que a levasse num curandeiro. Já havendo um Pai
de Santo na própria família foram até ele, e após um ritual a mesma diz ter
ficado boa. A partir de então, cumpre – com algumas interrupções – com as
obrigações para com os santos. Após ficar viúva, quando chegou a Recife,
conheceu o Seu Neco, no bairro de Prazeres, Babalorixá que fez sua cabeça, D.
Lia relatou o processo e explicou a diferença de se fazer a cabeça na umbanda e
no jêje:
_D.
Lia: Primeiro eu tinha Maria Mulambo, trabalhava com Maria Mulambo na frente,
na frente quer dizer... aí eu dei uma obrigação pra tirar ela de frente. Eu não
queria ela de frente, eu trabalhei muito tempo com ela, mas eu não queria, num
gostava. Por que Maria Mulambo só trabalha na demanda né? Na esquerda, ela é
boa também porque ela ajuda.[...] Minha religião num raspa a cabeça não... quem
raspa é a jêje.
_A.
O.: E qual é a diferença da que raspa e da que não raspa?
Meu
Pai num raspa a cabeça de ninguém, só aquele cantinho só (a crôa da cabeça), a
minha é Umbanda com Angola. Ói, o jêje é assim: o jêje, se você é jêje, você
chega no xangô, você cai, ali você caído fica, só batendo o coração, eles vêm,
a mãe pequena, os filhos-de-santo vêm com lençol branco e cobre você, e você
fica até o fim do toque ali, sem falar sem se bulir, só o coração fazendo
tum-tum... o cão, o cão mermo [sic]...Aí pega você e leva pra dentro de um
quarto, aí você fica, num tem direito de entrar, só o pai-de-santo, o pai
pequeno ou a mãe pequena. Ali você vai passar trinta e um dias dentro daquele quarto
[...] E a minha não, pega, dança tudo, faz a limpeza, obrigação pros santos,
fica os trinta dias pra ser uma yalorixá. [...] Vesti duas roupas, porque minha
mãe é Iansan, vestí uma rosa, outra amarela, e depois vestir uma roxinha que é
de Nanã, a velhinha, a mãe dos xangôs, a rainha dos xangôs... é a mãe de todos,
ela é difícil de descer e ela é diferente de todos, ela é rainha, rainha, mãe,
ela comanda em todos os Orixás, todos Orixás respeitam ela...
IV - Percepção da discriminação
religiosa
A Yalorixá relata que quando foi morar em Joaquim Gomes, começou a
perceber certos incômodos e rejeição por parte da população; comenta que se
sentia mal e triste também quando ouvia as pessoas falarem mal do Candomblé, de
sua religião, quando diziam que sua casa era “casa de macumba”.
Sofreu e ainda sofre discriminação por praticar o Candomblé. Segundo ela,
o terreiro sempre funcionou na sala da sua própria casa, portanto, era mais
enfaticamente vítima de olhares preconceituosos de pessoas que passavam na rua
e olhavam para sua casa, assim como também ouvia palavras pejorativas contra
seus orixás e contra a ornamentação de sua sala (espaço reservado à sua pratica
religiosa).
Neste sentido é difícil para o senso comum compreender os significados de
tal religião, principalmente numa sociedade onde impera os conceitos morais e
religiosos do Cristianismo. É difícil para sociedade entender que:
... debaixo do símbolo
é preciso saber atingir a realidade que ele figura e lhe dá sua significação
verdadeira. Os ritos mais bárbaros ou mais extravagantes, os mitos mais
estranhos traduzem alguma necessidade humana, algum aspecto da vida, seja
individual ou social (DURKHEIM, p. VII).
V - As
quatro tentativas de se afastar da Umbanda
Festa de Cosme e Damião |
Contudo, sentindo-se constrangida com tais discriminações sofridas no seu
cotidiano, relatou que fez quatro tentativas de ingressar em igrejas
evangélicas como a Assembléia de Deus. Perguntei a D. Lia por que buscou aderir à igreja evangélica,
ela respondeu: “Porque eu num gosto muito
não disso... num gosto porque o povo só chama de macumbeira né? Só chama de
macumbeira, aí eu num gosto, eu tenho tanta raiva...”.
Com essa resposta, percebe-se que a maior motivação para ela ter
procurado outra religião, uma religião que fosse aceita pela sociedade, foi
justamente a discriminação sofrida pela vizinhança, pois não gostava de ser
tachada de macumbeira e, se sentindo mal, buscou algo onde fosse melhor aceita,
chegou a ficar durante dois anos e oito meses na igreja evangélica, voltando a
praticar o candomblé posteriormente. Quando afirma que ‘num gosto muito não
disso’, percebemos que ela não gosta de sofrer a discriminação.
Contou ainda que, em
uma das vezes em que tentou se converter ao protestantismo, o pastor colocou a
mão em sua cabeça e começou a invocar e a pedir que baixassem os “demônios”
para que ele, o pastor, pudesse expulsá-los, e neste momento, conta dona Lia,
que estava ela e sua família juntamente com o restante dos membros da igreja que
estava cheia, quando os seus orixás e entidades começaram a descer em plena
igreja, diante de todos. D. Lia disse que esta situação a deixou muito
constrangida e envergonhada, da mesma forma sua família e não voltaram mais
para a igreja.
Numa outra situação de tentativa de se converter ao protestantismo, numa
Igreja Assembleia de Deus, o pastor lhe pediu para juntar todos os objetos dos
cultos: vestuário, jóias e bijuterias para que fossem queimadas em uma fogueira
que o pastor pretendia fazer na própria casa de Dona Lia. Esta relatou que
juntou todos os objetos, e no dia marcado foi à sua casa o pastor e muitos
irmãos da igreja para participarem da queima dos objetos de culto do Terreiro.
Depois de queimar alguns objetos, o pastor também falou que ela deveria
comprar uma ceifadeira para cortar todas as plantas de sua casa, pois “ele via
nelas um demônio agachadinho”. Neste momento, D. Lia disse ter se tomado de uma
raiva, ficou enfurecida, pegou uma vassoura, gritou, xingou e expulsou todos os
irmão da igreja e o pastor de sua casa, pois não suportou ouvir ele dizer que
em sua casa, nas suas plantas, havia um demônio.
Percebemos, com este relato, que mesmo depois de queimadas as
indumentárias e outros objetos, Dona Lia não permitiu que cortassem suas
plantas, nisto vemos claramente a íntima ligação que há entre a religiosidade
de matriz africana e a natureza, “Uma
características marcante dos orixás na concepção do candomblé é que todos
pertencem à natureza. O mundo natural é dividido em domínio regido por suas
respectivas divindades” (BIRMAN, 1983, p. 38).
Em contrapartida, observamos a
atitude do pastor, como características de “religiões civilizadas ou
civilizantes” proclamam certo afastamento da natureza, associando-a a elementos
que possibilitariam a prática de culto aos demônios e de curandeirismo.
Em uma das situações em que perdeu, na queima da fogueira (feita pelo
pastor), indumentárias e jóias de seus orixás, conta Dona Lia que nesta época,
depois desse acontecimento, passou por muitas necessidades materiais,
financeiras, faltava até a comida para alimentar sua família, mas foi ajudada
pelos amigos, pois já era viúva.
Refletindo sobre as penalidades que se pode sofrer por não se cumprir com
as obrigações aos Orixás ou por não obedecê-los, D. Lia relata sobre as
consequências da não obediência, sofridas por uma amiga sua, praticante da
mesma religião e integrante do terreiro de Seu Neco:
Luzinete
morreu, de um trabalho que ela fez, se operou... a Oxum num queria que ela se
operasse, ela ia se operar pra num ter mais menino, porque ela tinha oito
filhos, tudo assim, óia, esteirinha... A Oxum desceu e disse que não se
operasse, aí ela disse: ‘eu vou me operar mulher’, aí eu disse: ‘Lú, num se
opera mulher, a Oxum num pediu pra tu num se operar? Quando Deus quiser aí você
num vai ter filho, você já teve oito, num vai ter mais, mais muito não’. Ela
disse: ‘mas eu vou me operar’. E a outra que tava lá comigo disse: ‘se opere
Lú!’. Aí... apodreceu tudo dentro, com oito meses ela morreu... morreu, deixou
os oito filhinhos, mulher.
Aqui encontramos o imaginário afro-religioso, de que quando não se cumpre
com suas obrigações para com o seu Orixá, se é penalizado, castigado. Tal
pensamento de punição, penalidade, na
verdade existe em outras religiões, a exemplo do cristianismo.
VI - “Conhecimentos” que legitimam ideologias
discriminatórias
A psicologia e psiquiatria até pouco tempo, via a possessão como algo
doentio, que necessitaria de tratamento, até de afastamento do convívio social
para tratar dos desvios de comportamentos, e também por muito tempo vigoraram
suas ideias, que se disseminaram entre a população. Porém, nas últimas décadas,
surgiram novos estudos e perspectivas dentro da psicologia e psiquiatria que
passaram a considerar possessão com mais cuidado, com um novo olhar.
Velhas teorias da psicologia e psiquiatria, somadas às que já existiam -
como a interpretação do quadro social pelos intelectuais do XIX, que polemizam
e problematizam as questões raciais e de mestiçagem - ou ainda quando o grupo
cultural negro é esquecido pelas academias, como no romantismo, onde o negro
subsumiu em detrimento do índio, aparecendo apenas de forma estereotipada. Tudo
isto contribuiu para o “esquecimento” ou a desvalorização do negro, sua cultura
e sua religião.
Após a abolição, apesar de tudo, “o
negro aparece [...] como fator
dinâmico da vida social e econômica brasileira, o que faz com que,
ideologicamente, sua posição seja reavaliada pelos intelectuais e produtores de
cultura” (ORTIZ, 1985, p. 19). A
partir de então vieram, segundo Ortiz, as afirmações de que o Brasil teria sido
constituído das três raças (branco, negro e índio), onde novamente os brancos
tiveram o lugar de prioridade e superioridade dentre as três mencionadas.
Ortiz, falando dos estudos sobre a religiosidade negra e das teorias de
Nina Rodrigues escreveu:
Dentro desta perspectiva, o negro e o índio se apresentam
como entraves ao processo civilizatório. É interessante notar que os estudos de
Nina Rodrigues sobre as culturas negras decorram imediatamente de suas
premissas racistas; se é verdade que procura compreender o sincretismo
religioso, é por que considera como forma religiosa inferior. A absorção
incompleta de elementos católicos pelos cultos afro-brasileiros demonstra, para
o autor, uma incapacidade de assimilação da população negra dos elementos
vitais da civilização européia. O sincretismo atesta os diferentes graus de
evolução moral e intelectual de duas raças desiguais colocadas em contato
(ORTIZ, 1985, p. 20).
Analisando esta citação de Ortiz sobre Nina Rodrigues, observamos nela a
influência ideológica, de uma ideia que defende a existência de uma escala
evolutiva da humanidade, na qual os negros não teriam a capacidade de evoluir,
porque para essa tal evolução o negro teria que deixar sua cultura, sua
religião, seus costumes, suas crenças, ou seja, para ser civilizado, o negro
teria que superar seu atraso e deixar de ser negro, isso porque a ideia
corrente era a de que o modelo europeu,
branco e cristão, de sociedade seria o melhor, o mais evoluído e o único a ser seguido.
Contudo, percebemos claramente o esquecimento de que o sincretismo nas
religiões afro-brasileiras com o catolicismo aconteceu também como forma de se
esquivar das repressões estatal, policial e da sociedade como um todo e também
devido ao processo incansável de cristianização e de catequização da população
em geral. Houve o sincretismo sim, porém temos este como um meio de resistência
e de capacidade de se recriar e de se reinventar; não como incapacidade como
aponta Nina Rodrigues, mas sim como superação.
Bibliografia
BIRMAN, Patrícia. O que é Umbanda?
São Paulo: Brasiliense, 1983.
DURKHEIM, Émile.
As formas elementares da vida religiosa.
São Paulo: Martins Fontes, 2003.
ORTIZ, Renato. Cultura Brasileira e Identidade Nacional.
São Paulo: Editora Brasiliense, 1985.
Nenhum comentário:
Postar um comentário