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sábado, 19 de julho de 2014

Memória e história: culinária e a gente das pedras


 Um passeio nas pedras
Luiz Sávio de Almeida

infelizmente, chaves faleceu. uma grande homenagem e obrigado pela cachaça especial que conseguia para mim


 
Um dos mais belos locais de Maceió é o conjunto de   pedras da Ponta Verde, embora agredido por monstrengo de concreto que enche a área de ângulos. Os olhos devem levar diretamente para o horizonte, onde se encontra a África.  Contaram-me que havia um homem em Maceió e que - sempre vestido de branco - passava o dia sentado na Avenida, olhando para o horizonte. Quando perguntavam o que fazia, respondia: estou vendo as torres de marfim da África. No caso, o cara estava invadido pelo marfim  e não pela África. Não sei o que se passou com ele; sei apenas que, pelo menos a minha África, não tem torres de marfim.


O lugar pode ser contemplado, mesmo sem estar sendo visto. Há uma geografia do potencial; é a que faz parte do imaginário e nele que cada local pode ser multiplicidade, e nisto uma possibilidade sempre aberta. O lugar é diferente do espaco,  mas nao é hora de discuti-los; é claro que existam um lugar e um espaço das pedras e, portanto, existem as gentes das pedras. Foi o que primeiro me chamou atenção: as gentes. São pessoas que vivem no compasso das marés; gente que pesca, gente que pega polvo...  Abomino os que usam a agua sanitária para fazê-lo sair da toca; não gosto de vê-lo puxado por gancho. Gosto de vê-lo livre, mas, estranhamente, adoro
arroz de polvo.

    
  E nisso, vez em quando viajo para São Bento, onde como o melhor polvo das Alagoas, no Bar do Chaves. Vale a pena andar sem parar l7 léguas e meia para comer o polvo, conversar com o dono, ver suas peças, escutar suas historias de marinheiro de alto-mar. ]a comi polvo em tudo quanto é canto: o dele recebe o premio.
      Na minha cabeça e na área das pedras, foi construida uma estrada da praia ao pequeno farol. Penso que a Marinha deve ter feito uma estrada para um jeep passar. Doidice, que ninguém iria fazer uma estrada e nem dar manutenção ao farol usando jeep garassuma.   que tracei um rumo e a invenção da estrada me ajuda a nao esquecê-lo. O farol é meu objetivo, mas a pessoadeve ter cuidado com o tempo, nao deixar a maré enchendo pegar. Tem-se que ticar de olho na arrebentação, na correnteza que vai se formando e enchendo poças, nos pescadores que saem da arrebentação. No mais, é um extremo cuidado ao pisar, evitando escorrego e os espinhos dos ouriços. Espinho de ouriço somente sai com uma espécie de compressa de querosene esquentado no fogo; ele quebra que é uma beleza e diz o povo que o querosene puxa. Já experimentei puxax.
          O resto é procurar beleza nos corais, nas pedras e, sobretudo, nas poças, com algumas delas, especialmente a esquerda do farol, sendo de bom tamanho para um mergulho com direito a mascara, pé-de-pato, respirador. Claro que não tenho mais condições para tal proeza, mas ainda sei me sentar e ficar pacientemente louvando os peixes que enfeitam as águas. Um dia, maravilhado vi uma mututuca passando veloz pelos meus pés. Mergulhei e tiquei olhando aquela coisa linda, como é lindo o beiço-de-boi, como é linda a moréia com sua cara de cobra.
         
  Não é da culinária alagoana. Culinária é o polvo do Chaves, mas não posso deixar de dizer que - no tempo quando não havia a poluição das aguas - eu apanhava alface do mar para tomar caldo. E preciso ter cuidado ao apanhar algas, pois dizem que muitas são tóxicas.
Apanhava somente a alface, que da um caldo gostoso, depois de devidamente cuidada. Mas o que eu adorava mesmo era comer o ouriço cru. Puxava, quebrava e comia, acompanhando tudo com goles de um bom conhaque. Bom conhaque mesmo. Colocava os pedaços na palma da mão e dava aos pequenos peixes que vinham de todos os cantos.
      
Cada um tem seu peixe. Peixe é um particular, Apesar de ter sido criado - de acordo com a minha mãe - comendo pirão de carapeba, meu peixe é a tainha fresca e frita. Não tem outro para mim. Ela deve estar totalmente enxuta, rolada na farinha de mandioca e jogada no óleo fervendo, sempre renovado para não pegar ranço. Depois, é farofa d'água com um belo cheiro verde e rasgar a tainha com as mãos, fazendo o que o povo chama de capitão, rompendo com a civilização ocidental colherosa,  garfosa  e facosa segundo a expressão da Maria Lopes, o encosto que não me larga. Ela desafia a que se diga farofa com a boca cheia de farofa.

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