Os pés ligeiramente voltados para fora,
passadas muito firmes, peito alto, costas largas, pescoço alongado e um olhar
fixo num caminho já escolhido desde os cinco anos de idade. Assim caminhava uma
adolescente determinada pelas ruas do Recife. Pelo meu porte, as pessoas
costumavam me perguntar: “Você é
bailarina?”. E eu respondia de
pronto, orgulhosa do meu status: “Sou
sim”. Por essa época, mais exatamente no dia 1º de março de 1966, faltando
um mês e alguns dias para que eu completasse 16 anos, fui convidada para
ensinar no Curso de Danças Clássicas Flavia Barros, escola na qual eu estudava
desde os meus oito anos de idade. Meu pai escreveu em seu Diário: “Eli foi
contratada como assistente de Flavia Barros”.
A minha história de vida tem vários momentos
que me fazem crer que nasci para isso, e nem posso contestar, pois os indícios
são muito fortes. Vejamos:
1º – Morávamos em
Maceió, e papai recebeu uma carta de Aldemar Paiva (um alagoano que fez
história na imprensa pernambucana e na vida cultural daquela cidade), dizendo
que a PRA8 Rádio Clube de Pernambuco precisava de um produtor do quilate do meu
pai para trabalhar naquela empresa. Papai aceitou o convite, solicitou
transferência ao IAPI, órgão federal ao qual ele pertencia, e fomos morar em
Olinda. Fomos no escuro, pois quem alugou a casa foi Aldemar Paiva. Nessa
época, eu tinha apenas dois aninhos. Maceió não tinha escolas de balé àquela
época. Como eu poderia estudar essa arte?
2º – Aos poucos, meu
pai foi se notabilizando na imprensa pernambucana. Passou então a trabalhar na
empresa Jornal do Commercio (rádio, jornal e televisão). Na imprensa escrita
foi, durante muitos anos, crítico de teatro. Por esse motivo, desde muito cedo
eu e minha irmã frequentávamos os teatros do Recife com muita assiduidade. Foi
então que, aos cinco anos, assisti a um espetáculo de balé da professora
Bilinha Dávila. Ao chegar em casa, ditei uma cartinha para o meu pai,
endereçada à minha avó Elisa, em
Maceió, dizendo que queria ser bailarina.
3º – No colégio em que
estudava, em Olinda (Imaculado Coração de Maria), com o suicídio da professora
da 4ª série primária, a diretora Madre Edmunda Montenegro OSB me colocou,
durante uns dias, enquanto não arranjava uma substituta, à frente da turma.
Vale ressaltar que eu tinha apenas dez anos de idade e fazia o 5º ano primário.
Creio que a madre enxergou a minha vocação para professora. Sete anos mais
tarde, eu já estudava na Academia Santa Gertrudes, matriz do colégio anterior,
e fazia o Curso Pedagógico. Eu estava como professoranda, prestes a terminar o
3º ano, quando fui convidada a ensinar no próprio colégio. A diretora insistiu,
mas eu lhe fiz uma contraproposta: ela colocaria uma barra, um piano e uma
pianista para me acompanhar nas aulas, pois eu não queria ser professora primária;
queria mesmo era ensinar balé, o que já fazia no Recife. E o colégio cedeu.
Ensinei balé na Academia Santa Gertrudes em 1969 e 1970. Parei porque, além das
aulas que eu dava no C.D.C. Flavia Barros, eu era primeira bailarina do Grupo
de Recife, e estava exausta de tanto trabalho.
4º – Flavia Barros e
sua sócia Ruth Rozembaum viajaram durante o mês de janeiro de 1966, e me
deixaram dando aulas em várias turmas. Eu fiquei sozinha com uma
responsabilidade enorme: dava aulas e recebia o pagamento das mensalidades. E
ia para casa, pegando dois ônibus, quando meu pai não podia me apanhar, com a
bolsa cheia de dinheiro. Quando elas voltaram de viagem, alunos e mães estavam
satisfeitos com o meu desempenho. Resultado: fui contratada como professora da
escola. Agora, no dia 1º de março, oficialmente, completei 50 anos dedicados ao
ensino do balé, assim discriminados: sete anos em Recife e 43 em Maceió.
Concluindo: acredito
piamente que sou uma vocacionada e que o Criador me facilitou o caminho. Muitas
portas e brechas foram abertas para que eu enxergasse o ensino do balé como uma
bela missão. Continuo estudando e pesquisando bastante; sempre atenta ao que se
passa no mundo em relação ao balé, pois o meu crescimento como mestra se
reflete, sem dúvida, na nossa escola, nos nossos alunos, nos nossos
espetáculos.
Eliana Cavalcanti
7 de março de 2016
Obvs. As duas primeiras ilustrações foram com base em fotos de Jean Charles Waletet
Obvs. As duas primeiras ilustrações foram com base em fotos de Jean Charles Waletet
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